Acórdão nº 727/15.2T9TNV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 05 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução05 de Fevereiro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: A - Relatório: Nestes autos de Inquérito que correu termos nos serviços do Ministério Público da Comarca de Setúbal, após ter sido proferida decisão em 31.10.2017 (cfr. folhas 172 a 175), julgando procedente a nulidade invocada pela assistente AA ...

, por omissão de observância da segunda parte do n.º 4 do art. 246.º do Código de Processo Penal, o Ministério Público ordenou a notificação da assistente para, querendo, deduzir acusação particular contra a arguida, pela prática do crime de ofensa a pessoa coletiva, organismo ou serviço, previsto e punido pelos arts. 187.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), 183.º e 188.º, n.º1, 1.ª parte, todos do Código Penal, pronunciando-se no sentido da inexistência de indícios suficientes – cfr. folhas 182.

Nessa sequência, a assistente AA..., deduziu acusação particular contra a arguida BB ...

, imputando-lhe a prática dos factos descritos a folhas 187 a 191, suscetíveis de a fazer incorrer na prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa a pessoa coletiva, previsto e punido pelo art. 187.º do Código Penal.

O Ministério Público não acompanhou a acusação particular, nos termos do art. 285.º, n.º 4, do Código de Processo Penal (cfr. folhas 192).

A arguida BB ...

veio requerer a abertura de instrução, pugnando para que seja proferido despacho de não pronúncia (cfr. folhas 213 a 215).

Por decisão instrutória de 15-05-2018 a Mmª. Juíza de Instrução lavrou despacho de não pronúncia da arguida.

* A assistente AA ..., não se conformando com a decisão de não pronúncia, interpôs recurso, concluindo: 1. E incoerente com os factos indiciariamente provados em 5), 6), 7) 8) e 9), revelando erro de julgamento, o vertido a fls 7 em 3.2.2. “Não resultam, porém, indiciariamente provados os seguintes factos: b) A arguida imputou à assistente a prática reiterada de facto desonesto, tipificado como contraordenação muito grave”.

  1. O Tribunal não pode ignorar a qualificação jurídica dos factos. É, necessariamente, do conhecimento do Tribunal que a conduta imputada pela arguida à assistente configura contraordenação muito grave prevista no artigo 81.º, n.º 3, alínea f), do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, punível nos termos da alínea b) do n.º 4 do artigo 22.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 89/2009, de 31 de agosto.

  2. Esta contradição em que, por um lado se considera demonstrado que a arguida elaborou e subscreveu relatórios onde fez constar “Verificou-se que estava a ocorrer uma descarga de águas residuais provenientes da ETAR, ou de algum bypass à mesma, com uma carga fortemente poluente dos recursos hídricos” e “existem fortes indícios de existir uma ligação clandestina à saída da ETAR, no troço dos últimos 2m de betão, antes do efluente ser lançado na ribeira”, e por outro lado se considera não provado que a arguida tenha imputado à assistente a prática de facto desonesto tipificado como contraordenação muito grave, torna a decisão ininteligível. Estamos perante contradição insanável da fundamentação, que determina a nulidade da decisão instrutória, nos termos do artigo 410.º 2 b) do CPP.

  3. No caso dos autos está em causa um crime de natureza particular, cujo procedimento criminal depende de acusação particular, nos termos do artigo 188.º 1 do Código Penal.

  4. Porém, o Tribunal a quo decide questões sobre as quais não foi chamado a pronunciar-se, agindo como se a arguida estivesse acusada com a agravante prevista no artigo 183.º 1 b) aplicável ex vi do nº 2 alínea a) do artigo 187.º do Código Penal.

  5. A perspetiva adotada na decisão recorrida, que julga como se a arguida estivesse acusada de ter agido quando “conhecia a falsidade da imputação”, inquina todo o processo decisório.

  6. A decisão recorrida faz errada interpretação e aplicação do artigo 187.º do Código Penal. Erro este que se traduz na insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (e não provada).

  7. IAo não apreciar a conduta da arguida à luz do artigo 187.º 1 do Código Penal, antes fazendo aplicar o 183.º 1 b) do mesmo diploma, a decisão recorrida nada diz quanto à não existência de fundamento para a arguida, em boa fé, reputar a afirmação verdadeira.

  8. A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada é causa de nulidade nos termos do artigo 410.º 2 a) do Código de Processo Penal.

  9. O Tribunal a quo colocou-se a si mesmo no lugar da arguida e decidiu como se se absolvesse a si próprio: “assim como ocorre com o juiz de instrução criminal que conclua pela existência de fortes indícios da prática de um crime em determinado momento processual, não se lhe pode simplesmente apontar, sem mais, que tal consubstanciaria uma ofensa da honra de um arguido, mesmo preso preventivamente, que depois venha a ser absolvido em julgamento (ainda que tal não seja processualmente querido, nem expectável)” (fls 9 e 10).

  10. O entendimento expresso na decisão recorrida, segundo o qual a arguida merece o mesmo tratamento - quanto à irresponsabilidade pelas afirmações que produziu nos autos que elaborou e subscreveu - que a meretíssima juiz a quo – quanto às suas decisões em processos judiciais - é inconstitucional.

  11. A decisão recorrida faz uma interpretação e aplicação inconstitucional da lei, designadamente do artigo 187.º do Código Penal, em violação do consagrado nos artigos 216.º 2 e 271.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

  12. A interpretação do artigo 187.º do Código Penal, em conformidade com os artigos 216.º 2 e 271.º 1 da Constituição da República Portuguesa, prevê a condenação da arguida como autora material deste crime, pelos factos por que vem acusada e que estão demonstrados.

  13. É inconstitucional o artigo 187.º do Código Penal, tal como interpretado e aplicado pela decisão recorrida, por violação dos artigos 216.º 2 e 271.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

  14. Os factos provados em 3), 4), 5), 6) e 7) demonstram indiciariamente que a arguida afirmou e propalou factos inverídicos.

  15. A decisão recorrida considerou provado “8) A assistente viu a sua credibilidade, prestígio e confiança abalados”.

  16. Quanto à boa fé da arguida, o Tribunal a quo não se pronuncia, como era seu dever, o que conduz à nulidade da sentença.

  17. A arguida não demonstrou nos autos ter fundamento para, em boa fé, reputar verdadeiras as afirmações que elaborou e subscreveu. Pelo contrário, dos autos resulta a prova dessa falta de fundamento, designadamente dos factos provados em 3), 4) e 9).

  18. Só a inclusão do facto segundo o qual “a arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta é punida por Lei Penal” se harmoniza com os demais factos provados e se adequa ao caso dos autos.

  19. Verifica-se a suficiência dos indícios recolhidos – estão verificados todos os elementos típicos do ilícito criminal previsto no artigo 187.º do Código Penal – pelo que deverá a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que pronuncie a arguida pelos factos por que vem acusada.

    * O Digno Procurador-Adjunto do Tribunal recorrido apresentou resposta defendendo o decidido, com as seguintes conclusões: 1.ª Inexiste qualquer nulidade na decisão ora em crise, seja por contradição insanável na fundamentação da decisão instrutória, seja por erro de julgamento, seja por...

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