Acórdão nº 1/14.1T9RDD.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA DE F
Data da Resolução08 de Janeiro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Évora: 1 – RELATÓRIO Nestes autos, findo o inquérito, o assistente JJ deduziu acusação particular contra os arguidos FF e LC, imputando a prática, a cada um deles, de um crime de difamação agravado p. e p. pelos artigos 180º e 183º, nºs. 1 e 2, do C.P.

O Ministério Público acompanhou parcialmente a acusação particular, entendendo que os factos indiciados integram a prática, por cada um dos arguidos, de um crime de difamação simples p. e p. pelo artigo 180º, nº. 1, do C.P., não se verificando a agravação prevista no artigo 183º do C.P.

Notificado da acusação contra si deduzida, o arguido FF requereu a abertura da instrução, que teve lugar, tendo o Sr. Juiz de Instrução Criminal, proferido, em 24/04/2018, decisão instrutória, na qual decidiu pela não pronúncia dos arguidos.

Não se conformando com o assim decidido, recorreu o assistente, para este Tribunal da Relação, apresentando motivação e dela extraindo as seguintes conclusões: a) Tendo em atenção os critérios determinantes da decisão de pronunciar ou não, tal como vertidos no art. 283º, nº 2, do Cod. Proc. Penal, constata-se que, nos autos, qualquer um dos arguidos actuou de forma a estarem preenchidos os elementos integrantes do tipo de crime de difamação, previsto e punido pelos arts. 180º, nº 1, 182º, sendo que a forma pela qual a mesma difamação foi consumada, faz inserir na previsão do art. 183, nº 1, als. a) e b) também do Cod. Proc. Penal; b)Exactamente pela forma descrita na acusação particular formulada nos autos, cujo teor se reproduz na íntegra; c) Sendo que a formulação da acusação particular não compromete o exercício pleno do contraditório por parte dos arguidos, não estando afrontado o art. 283º, nº 3, al. b) do Cod. Proc. Penal; d) Sendo o crime perpectuado com a imputação, mesmo sob a forma de suspeita, o teor da afirmação efectuada pelo arguido FF no requerimento motivador dos presentes autos por si subscrito, mesmo que condicional, não afasta a sua conduta da previsão do crime de difamação; e) Da mesma forma que a afirmação avulsa de um terceiro de terem sido feitos telefonemas não pode justificar o lançar mão de uma imputação de acto criminoso, como fez o arguido LC; f) A decisão recorrida, salvo melhor opinião, viola os comandos legais assinalados nas presentes conclusões.

Termina o assistente/recorrente pugnando para que o recurso seja julgado procedente, revogando-se o despacho recorrido, com as legais consequências.

O recurso foi regularmente admitido.

O Ministério Público, junto da 1ª Instância, apresentou resposta ao recurso, nos termos constantes de fls. 530 e 531, pronunciando-se no sentido de que os factos de que se trata não integram o crime cuja prática é imputada aos arguidos, na medida em que, não só as expressões contidas nos requerimentos apresentados no processo nº. ---/2011, do Juízo de Execução de Montemor-o-Novo e que são referidos na acusação, não podem considerar-se ofensivas da honra e consideração, como não há imputação direta de factos ao assistente/recorrente JJ, além de que o arguido LC agiu no exercício das suas funções de Agente de Execução e sempre seria de considerar a sua conduta como não punível, porquanto se destinou a realizar interesses legítimos próprios e tendo, em boa-fé, fundamento sério para reputar verdadeira a imputação feita, o mesmo valendo para o arguido FF, na sua qualidade de advogado e agindo processualmente em representação do exequente. Conclui, assim, o Ministério Público, que o recurso deve ser julgado improcedente, mantendo-se o despacho recorrido.

O arguido FF também respondeu, nos termos que constam a fls. 521 a 524, manifestando que o assistente/recorrente não apresentou qualquer fundamento sério que justifique crítica à decisão recorrida, pelo que, esta deve ser mantida, negando-se provimento ao recurso.

Neste Tribunal da Relação, o Exm.º Procurador da República emitiu parecer no sentido de o recurso dever ser julgado improcedente, aderindo aos fundamentos aduzidos pelo Ministério Público junto da 1ª instância, na resposta ao recurso, manifestando o entendimento de que as expressões em causa não são objetivamente suscetíveis de serem consideradas difamatórias.

Cumprido o disposto no nº. 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal, não foi exercido o direito de resposta.

Feito o exame preliminar e, colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência. Cumpre agora apreciar e decidir: 2 – FUNDAMENTAÇÃO 2.1.

Delimitação do objeto do recurso É consabido que as conclusões formuladas pelo recorrente extraídas da motivação do recurso balizam ou delimitam o objeto deste último (cf. artigo 412º do C.P.P.), sem prejuízo da apreciação das questões de natureza oficiosa.

Assim, no caso em análise, considerando os fundamentos do recurso, a questão nele suscitada é a de saber se os factos indiciados nos autos são suscetíveis de integrar a prática, pelos arguidos, do crime de difamação agravado p. e p. pelos artigos 180º, nº. 1, 182º e 183º, nº. 1, als. a) e b), ambos do CPP, em termos de poder fundamentar decisão instrutória de pronúncia dos arguidos.

Para que possamos apreciar a questão suscitada, importa ter presente o teor da decisão instrutória de não pronúncia recorrida.

2.2.

Decisão recorrida Transcreve-se a decisão instrutória recorrida: «I – Relatório JJ, assistente nos presentes autos, deduziu acusação particular contra: 1.

FF, advogado, com domicílio profissional na Avenida …, em Lisboa, imputando-lhe a prática de: Um crime de difamação agravada, p. e p. pelos arts. 180º e 183º, nºs 1 e 2, ambos do Cód. Penal; 2.

LC, agente de execução, com domicílio profissional na Rua…, em Lisboa, imputando-lhe a prática de: Um crime de difamação agravada, p. e p. pelos arts. 180º e 183º, nºs 1 e 2, ambos do Cód. Penal.

O Ministério Público acompanhou parcialmente a referida acusação particular, entendendo que se verifica a prática, por cada um dos arguidos, de um crime de difamação, p. e p. pelo art. 180º do Cód. Penal, não concordando com a existência de agravação – fls. 316 a 324.

Notificado da acusação particular contra si deduzida, o arguido FF veio requerer a abertura da fase da instrução, peticionando que a final seja proferido despacho de não pronúncia (cfr. o requerimento para abertura da instrução constante de fls. 423 a 426v).

Para tanto alegou, em síntese, o seguinte: - Actuou na qualidade de mandatário judicial da sociedade “A., Agricultura, Viticultura e Pecuária, Lda.”, pelo que não tendo sido suscitado nem no inquérito, nem na acusação particular, qualquer factualidade que consubstancie “abuso de representação”, a autora do pretenso crime de difamação seria sempre tal sociedade e nunca o seu mandatário judicial; - No seu requerimento a aludida sociedade nunca imputou ao assistente a prática de qualquer ameaça, apenas se limitando a levantar a hipótese de tal ter acontecido; - Tratando-se de matéria que não era susceptível de ser investigada e decidida em sede de processo executivo, entendeu a referida sociedade, representada pelo arguido, requerer ao juiz do processo que fosse extraída certidão da comunicação do agente de execução para ser enviada à entidade competente para efectuar averiguação, o Ministério Público, nada se vislumbrando de ilícito em tal actuação; - Não foi o arguido quem desencadeou o procedimento criminal contra o assistente, mas antes o juiz do processo executivo, ao determinar a extracção da referida certidão e a sua remessa ao Ministério Público; - O arguido, ou a sociedade sua representada, nunca teriam qualquer legitimidade para desencadear procedimento criminal contra o assistente, já que não eram os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação.

* Por despacho exarado a fls. 442-443 foi declarada aberta a fase da instrução.

Foram realizadas as diligências instrutórias que se afiguraram pertinentes.

Foi realizado o debate instrutório, de natureza obrigatória, o qual decorreu com observância do disposto no art. 302º do Cód. de Proc. Penal.

* (…) III – Fundamentação Dispõe o art. 286º, nº 1, do Cód. de Proc. Penal, que «a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento», acrescentando o nº 1 do art. 308º do mesmo diploma legal que «se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia».

Assim, o critério essencial a utilizar na decisão instrutória é o da suficiência ou insuficiência dos indícios, estabelecendo o nº 2 do art. 283º do Cód. de Proc. Penal que «consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança» (norma para a qual remete expressamente o nº 2 do art. 308º do Cód. de Proc. Penal).

No que respeita à expressão «indícios» utilizada pelo legislador na norma citada, embora a mesma tenha um carácter polissémico, para efeitos de decisão instrutória (ou de despacho final de inquérito) os indícios «de um ponto de vista abrangente (…), são sinais, vestígios, referências factuais, etc. que permitem entrever algo, sem revelar directamente, constituindo princípio de prova, ou ainda que sugerem no espírito do julgador a adequação da condição causal, equiparando o valor probatório ao da prova directa» (assim, CARLOS ADÉRITO TEIXEIRA, “Indícios Suficientes”: Parâmetro de Racionalidade e “Instância” de Legitimação Concreta do Poder-Dever de Acusar, in Revista do CEJ, 2º Semestre de 2004, nº 1, p. 155; no sentido da equiparação entre os indícios e a prova recolhida, veja-se também o Acórdão do Supremo Tribunal de 21 de Maio de 2003 e o Acórdão do...

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