Acórdão nº 430/14. 0 GELLE.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 05 de Dezembro de 2017
Magistrado Responsável | MARIA LEONOR BOTELHO |
Data da Resolução | 05 de Dezembro de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I – RELATÓRIO 1. 1. - Decisão Recorrida No processo de instrução nº 430/14. GELLE da 1ª Secção de Instrução Criminal da Instância Central da Comarca de Faro – J2, foi proferida, em 31.10.2016, decisão instrutória que não pronunciou o arguido JP, melhor identificado nos autos, pela prática do crime de usurpação, p. e p. pelos art.ºs 195.º e 197.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC).
Findo o inquérito, o Ministério Público proferiu despacho de arquivamento, por entender que os autos não revelavam indícios da prática de qualquer crime pelo arguido JP, designadamente do crime de usurpação, p. e p. pelos art.ºs 68.º, n.º 2, al. e), 127.º, n.º 3, 155.º, 195.º e 197.º, todos do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 63/85, de 14 de Março, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 45/85, de 17 de Setembro, pelos Dec.-Lei n.ºs 332 a 334/97, de 27 de Novembro, e ainda pela Lei n.º 62/98, de 1 de Setembro, por considerar que, nas circunstâncias participadas, o arguido limitava-se a receber pela televisão instalada no seu estabelecimento comercial o programa que a MEO estava a difundir – Canal “Mais Kizomba” – nada mais lhe acrescentando, traduzindo-se tal situação numa mera transmissão de conteúdos disponibilizada por outrem, no caso pela MEO, e não uma utilização, razão pela qual considerou afastada a aplicação do disposto nos art.ºs 155.º, 195.º e 197.º do CDADC, em conformidade com o entendimento jurisprudencial uniformizado vertido no AHJ n.º 15/2013, publicado no DR, I.ª Série, n.º 243, de 16 de Setembro.
Discordando dessa decisão, as assistentes, “S.P.A. - Sociedade Portuguesa de Autores, CRL” e “Audiogest – Associação para a Gestão e Distribuição de Direitos”, requereram a abertura de instrução, sustentando que a questão que se suscita nos autos é a de saber se a situação de facto descrita no despacho do Ministério Público está contida no conceito de comunicação de obras ao público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 3.º, n.º 1, da Directiva 2001/29/CE, concluindo que se se considerar que a difusão de obras musicais num estabelecimento comercial, através de um aparelho de televisão, integra o conceito de comunicação pública, eram necessárias as autorizações dos autores para esse efeito.
Admitida a abertura da instrução e realizadas diligências de instrução, teve lugar o debate instrutório, vindo a final a ser proferida a referida decisão de não pronúncia.
* 1. 2. - Recursos 1.2.1. - Inconformadas com tal decisão, dela interpuseram recursos as duas assistentes, pugnando pela revogação da decisão instrutória e pela pronúncia do arguido JP pela prática do crime de usurpação, p. e p. pelos art.ºs 195.º e 197.º do CDADC.
1.2.1.1. – A “S.P.A. - Sociedade Portuguesa de Autores, CRL” finaliza a sua motivação com as seguintes conclusões: «
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No dia 30 de Junho de 2014, no estabelecimento comercial denominado “Café XX”, promovia a difusão de música no seu estabelecimento, através de dois televisores ligados, um no exterior, outro no interior, que difundiam através da MEO, o canal “Mais Kizomba” (apenas acessível através do código xxxx e produzido por BR), sem que tivesse obtido as necessárias licenças e autorizações para o efeito.
b) As obras transmitidas neste estabelecimento comercial são protegidas pelo direito de autor; c) O arguido não dispunha de autorização da Recorrente, que o habilitasse a difundir tais obras em espaço público; d) A questão a apreciar nos autos é saber se a utilização que o arguido fazia das obras configura o conceito de “comunicação pública”, tal como previsto no artigo 3º n.º 1 da Directiva 2001/29 e se os tribunas nacionais estão vinculados á interpretação que tem sido atribuída pelo Tribunal de Justiça da União Europeia ao conceito de “comunicação pública”; e) O Tribunal de Justiça da União Europeia tem vindo a delimitar, unanimemente, em diversos Acórdãos o conceito de comunicação pública; f) O conceito de “comunicação pública” deve ser entendido em sentido amplo, de modo a assegurar um elevado nível de protecção aos titulares de direito; g) O meio de comunicação específico não é decisivo; importante é que seja dada ao público a possibilidade de aceder às obras em causa; h) O conceito de “público” envolve um número indeterminado, mas importante de telespectadores ou ouvintes potenciais; i) Deve ser um público “novo”, no sentido em que é diferente do previsto quando a radiodifusão foi inicialmente autorizada; j) O elemento lucrativo é relevante, mas não é decisivo; l) A utilização de um mero meio técnico para garantir ou melhorar a transmissão de origem na zona de cobertura não constitui comunicação ao público; m) A utilização de televisão, rádio, colunas, amplificadores não são meros meios técnicos para garantir ou melhorar a transmissão de origem na zona de cobertura, uma vez que, caso essa intervenção não se verificasse, os clientes, embora encontrando-se fisicamente no interior da referida zona, não poderiam desfrutar da obra difundida.
n) O Tribunal de Justiça da União Europeia tem vindo, pelo menos desde 2007, em sucessivos Acórdãos a proferir decisões que nos permitem, com segurança e de modo uniforme a toda a União Europeia, circunscrever e entender este conceito; o) O Tribunal de Justiça da União Europeia tem entendido que a transmissão de obras radiodifundidas, através de aparelhos de televisão ou rádio em espaços públicos, configura o conceito de comunicação pública, uma vez que o detentor do aparelho de televisão, ao permitir a escuta ou a visualização da obra, tal intervenção deve ser considerada um acto de comunicação ao público, nos termos do artigo 3º n.º 1 desta Directiva; p) O Tribunal de Justiça da União Europeia tem circunscrito o conceito de “comunicação pública” em diversos Acórdãos, de entre os quais os Acórdãos SGAE, C-306/05; Football Association Premier League, C-403/08 e C-429/08 e OSA, C-351/12; q) As normas nacionais devem ser interpretadas no sentido que resulta da letra e do espírito da Directiva; r) No âmbito de um processo de reenvio promovido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, O Tribunal de Justiça da União Europeia decidiu que “o conceito deve ser interpretado como abrangendo a transmissão de obras radiodifundidas através de um ecrã de televisão – que se estende ao aparelho de rádio – e de colunas aos clientes que se encontrem presentes num estabelecimento comercial. Em tal situação estamos perante uma nova comunicação ao público e não perante uma mera recepção de uma obra”; s) Uma decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia proferida em casos de reenvio prejudicial para efeitos de interpretação vincula, quer quanto às conclusões, quer quanto à fundamentação, os tribunais nacionais.
t) O Tribunal a quo estava vinculado a seguir a interpretação que o Tribunal de Justiça da União Europeia deu ao conceito de “comunicação pública” no processo de reenvio suscitado pelo Tribunal da Relação de Coimbra; u) Ao ter decidido de forma diferente o Tribunal a quo violou os princípios do primado e da interpretação conforme; v) A decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo deve, por isso, ser alterada, pronunciando-se o arguido pela prática de um crime de usurpação.
Termos em que deve ser revogada a decisão proferida em primeira instância, pronunciando-se o arguido JP pela prática de um crime de usurpação, previsto e punido nos termos do disposto no artigo 195º e 197º do CDADC.» * 1.2.1.2. – Por sua vez, a “Audiogest – Associação para a Gestão e Distribuição de Direitos” finaliza a sua motivação com as seguintes conclusões: «1. O presente recurso foi interposto pela Assistente Audiogest – Associação Para a Gestão e Distribuição de Direitos, da douta decisão, proferida a 31.10.2016 (fls. 351 e ss.), que não pronunciou o arguido JP pela prática do crime de usurpação, p. e p. pelos artigos 195º e 197º do CDADC.
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O recurso merece – com o devido respeito – inteiro provimento, pois que a decisão do Mmo. a quo, não foi, na perspetiva da mesma, e com o devido respeito, a mais acertada.
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Desde logo, porque a decisão do Mmo. Juiz a quo, contida na douta decisão recorrida, teve (na ótica da Assistente) por base uma errada interpretação e aplicação dos preceitos legais aplicáveis em face da factualidade apurada.
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Pois, contrariamente ao que é sustentado na douta decisão recorrida resultaram verificados e comprovadamente preenchidos, nos autos a quo, todos os elementos do tipo incriminador.
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Na realidade, dos factos apurados resulta que no dia 30 de Junho de 2014, no estabelecimento denominado “Café xx”, explorado pelo arguido, estavam a ser executados publicamente “vídeo clipes do canal MAIS KIZOMBA”, via televisão, através do canal nº --- do MEO Kanal (criado por um cliente da MEO e disponibilizado ao público), sem que o arguido possuísse qualquer autorização dos produtores de fonogramas ou dos seus representantes, designadamente da ora assistente Audiogest, através da licença denominada “Passmusica”, para proceder a tal execução ou comunicação pública.
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Pois bem, desde logo, tal circunstancialismo fáctico nenhuma relação tem com a “actividade de recepção-transmissão” de música proveniente de canais televisivos especializados ou dedicados a música cujo conteúdo é determinado pelo órgão de radiodifusão.
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Já que, in casu, nem sequer de radiodifusão, strito sensu, estamos a falar, uma vez que nos presentes autos e em face da factualidade apurada, a televisão é apenas o suporte para a visualização de tais vídeos musicais, como, naturalmente o seria qualquer computador.
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E no caso do arguido, o simples suporte para a execução/comunicação pública, não autorizada nem licenciada dos mesmos.
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Pelo que, ao contrário do sustentado pelo Mmo. a quo., o circunstancialismo de facto que serviu de base à comunicação/execução pública, não autorizada, levada a cabo pelo arguido no estabelecimento comercial que...
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