Acórdão nº 11/17.7PESTR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução22 de Novembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO No Processo Comum (Tribunal Singular) nº 11/17.7PESTR, do Juízo Local Criminal de Santarém (Juiz 1), e mediante pertinente sentença, foi decidido: “A) Condenar o Arguido AA, pela prática, em autoria material, de um crime de furto, previsto e punido no artigo 203º, nº 1, ex vi do artigo 204º, nº 4, e 202º, alínea c), todos do Código Penal, na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de sete euros, o que perfaz a pena de multa de 350 euros; B) Condenar o Arguido em taxa de justiça, que se fixa em 3 Unidades de Conta”.

* Inconformado, o arguido interpôs recurso da sentença, formulando na respetiva motivação as seguintes conclusões (em transcrição): “1 - O Tribunal a quo, ao indeferir a perícia médico-psiquiátrica requerida pela defesa, cometeu a nulidade prevista no artigo 120º, nº 2, al. d), do C.P.P.; 2 - Esta nulidade não está sanada, uma vez que foi invocada em sede de audiência de julgamento; A decisão recorrida é nula, nos termos do artigo 410º, nº 2, als. a), b) e c), do C.P.P., por contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, e atenta a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada; 3 - Quanto ao crime de furto, ficou amplamente provado que não houve apropriação por parte do recorrente, uma vez que os sumos nunca saíram das instalações do Comando de Polícia de Santarém; 4 - Não se provou a apropriação, pelo arguido, dos sumos objeto da sentença recorrida; 5 - Logo, o arguido não poderia ser condenado pelo crime de furto, pela simples razão de que não retirou os sumos das instalações do Comando de Polícia de …; 6 - Estamos assim diante de um crime impossível, porque o recorrente não se apropriou dos ditos sumos, não podendo assim ser condenado pelo crime de furto; 7 - Não se provou que a conduta do recorrente tenha causado prejuízo patrimonial para o Comando de Policia de …; 8 - Existe erro notório na apreciação da prova (artigo 410º, nº 2, al. c), do C.P.P.); 9 - Na descrição da matéria provada a sentença recorrida omite toda e qualquer referência ao conhecimento da proibição ou à consciência da ilicitude por parte do recorrente, não obstante o Tribunal a quo curou de enfatizar o conhecimento do tipo objetivo; 10 - Naturalmente que estes factos serão bastantes para se poder afirmar preenchido o chamado elemento intelectual do dolo, correspondente ao conhecimento ou representação do tipo objetivo. Mas não podem seguramente suprir a insuprível falta de conhecimento da proibição ou da consciência da ilicitude; 11 - Trata-se de determinar se o caso deve levar-se à conta daquele erro sobre as proibições a que se reporta o nº 1 do artigo 16º do Código Penal - erro “sobre proibições cujo conhecimento for razoavelmente indispensável para que o agente possa tomar consciência da ilicitude do facto” -, ou antes como um erro sobre a ilicitude, previsto e regulado no artigo 17º do Código Penal; 12 - In casu, quer se entenda que haja exclusão do dolo ou exclusão da culpa, a consequência é a mesma, o recorrente terá de ser absolvido; 13 - É indispensável para a sustentação da culpa, nos termos do artigo 17º do Código Penal, o conhecimento da ilicitude penal; 14 - Salta à vista a falta de prova dos elementos indispensáveis para sustentar o juízo de censurabilidade, em termos tais que a conclusão pela censurabilidade do erro só seria possível à custa da ilegítima violação do mandamento constitucional in dubio pro reo. Em rigor e bem vistas as coisas, mais do que valorar contra reum as margens de dúvida subsistentes, isso equivaleria a valorar contra o arguido o mais opaco dos silêncios e das omissões ao nível da matéria provada; 15 - A decisão recorrida viola o princípio in dubio pro reo; 16 - Como alternativa à absolvição pronta e definitiva do recorrente AA- absolvição de que não se prescinde -, sobra apenas a anulação do julgamento por “insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada” (artigo 410º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Penal); 17 - Condenar o recorrente na pena de 50 dias de multa por uns sumos sem qualquer valor patrimonial é uma condenação desproporcional, sem fundamento e injusta.

18 - Chegados aqui, temos como seguro, à vista dos factos dados como provados e imputados ao recorrente AA, não ser possível condenar este arguido a nenhum título, pelo crime de furto. E isto porquanto os factos dados como provados não preenchem integralmente, na medida exigida pela lei, a factualidade típica da incriminação. Logo e em definitivo, por insuprível falta do facto correspondente ao momento nuclear da ação típica da infração, prevista na lei como apropriar. Uma expressão que, no universo de sentido da incriminação, se reveste de um significado, compreensão e exigência que não encontram a necessária correspondência nos factos dados como provados; 19 - Pelo que, a douta sentença recorrida enferma de graves contradições, inexatidões e imprecisões; 20 - O Tribunal a quo violou, entre outras, e o seu correto entendimento, a norma do art. 410º, nº 2, als. a), b) e c), do art. 120º, nº 2, al. b), todos do C.P.P., dos arts. 16º, 17º e 203º do C.P., e do art. 32º da C.R.P. (princípio in dubio pro reo e da presunção de inocência).

Assim sendo, como na realidade o é, deve revogar-se a decisão recorrida e substituir-se por outra que absolva o recorrente do crime de furto de dois sumos sem valor, pelo qual foi injustamente condenado”.

O Exmº Magistrado do Ministério Público junto do tribunal de primeira instância apresentou resposta ao recurso, concluindo nos seguintes termos (em transcrição): “1) A sentença recorrida não padece de qualquer nulidade, uma vez que não se suscitou de forma fundada a questão da inimputabilidade do arguido.

2) Inexiste qualquer erro notório na apreciação da prova, mostrando-se ainda a sentença bem fundamentada de facto e de direito.

Deve assim negar-se procedência ao recurso e, consequentemente, manter-se a decisão recorrida”.

Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, concluindo também no sentido da improcedência do recurso.

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada qualquer resposta.

Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO 1 - Delimitação do objeto do recurso.

No caso destes autos, face às conclusões retiradas pelo recorrente da motivação do recurso, e em breve resumo, são seis as questões a conhecer: 1ª - Nulidade da sentença, por ter sido indeferida uma perícia médico-psiquiátrica requerida pelo arguido (artigo 120º, nº 2, al. d), do C. P. Penal).

  1. - Ocorrência dos vícios prevenidos no artigo 410º, nº 2, als. a), b) e c), do C. P. Penal.

  2. - Impugnação da decisão fáctica, nomeadamente por violação do princípio in dubio pro reo (maxime no tocante aos factos indispensáveis para sustentar o juízo de censurabilidade da conduta do arguido).

  3. - Qualificação jurídica dos factos, não existindo crime de furto (por ausência de “apropriação” - os sumos em causa nunca saíram das instalações do Comando de Polícia de … - e por ausência de “prejuízo patrimonial” causado ao Comando de Polícia de …).

  4. - Atuação do arguido em erro sobre a proibição e sem consciência da ilicitude, devendo ser absolvido (artigos 16º e 17º do Código Penal).

  5. - Medida concreta da pena (e pena de multa aplicada na sentença revidenda é desproporcional, sem fundamento e injusta).

2 - A decisão recorrida.

A sentença revidenda é do seguinte teor...

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