Acórdão nº 1088/17.0T9EVR-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Julho de 2018
Magistrado Responsável | JO |
Data da Resolução | 12 de Julho de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO Nos autos de inquérito nº 1088/17.0T9EVR, dos Serviços do Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca de Évora (Juízo de Competência Genérica de Reguengos de Monsaraz), em que é arguido AA (e outro), foi proferido, em 23-02-2018, no âmbito do primeiro interrogatório de arguido detido, despacho judicial que aplicou a tal arguido a medida de coação de prisão preventiva.
Desse despacho interpôs o arguido AA o presente recurso, terminando a respetiva motivação com as seguintes (transcritas) conclusões: “1.º O douto despacho recorrido violou os artigos 27º, 28º e 32º da C.R.P., e os artigos 191º, 192º, 193º, 202º e 204º do C.P.P., pelo que deve ser revogado, tendo por base os seguintes fundamentos: 2.º Quanto ao perigo de continuação da atividade criminosa (al. c) do artigo 204º C.P.P.), não existem factos concretos que levem à convicção de que exista a séria probabilidade do arguido continuar a atividade delituosa.
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Ademais, os factos, a terem sido praticados, só o foram até ao momento em que a BB foi institucionalizada, sendo certo que o arguido não mantém, nem manterá, qualquer contacto com a pretensa "vítima", bem como em relação aos filhos da arguida, CC e DD.
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Quanto ao perigo de perturbação do inquérito (al. b) do artigo 204º C.P.P.), o mesmo não se basta com a mera probabilidade de o arguido desenvolver atividade que perturbe ou prejudique a investigação, sendo necessário também que, em concreto, se demonstre esse perigo pela ocorrência de factos que indiciem a atuação do arguido com esse objetivo e que não seja possível com outros meios obstar a essa perturbação.
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Ora, no processo já constam e foram recolhidos, em razão da natureza dos crimes que são imputados, quase todos os meios de prova, pelo que se não vê como o arguido possa perturbar a recolha dos mesmos, ou possa intimidar as testemunhas.
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Ademais, a pretensa vítima já prestou declarações a fls. 19-24 e 77-80.
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Quanto ao perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas (al. c) do artigo 204º C.P.P.), o mesmo deve resultar de circunstâncias concretas e particulares, não se confundindo com a convicção - seja ela mais ou menos justificada - de que, em abstrato, certo tipo de crimes justifica sempre, ou pelo menos em regra, a aplicação de uma medida de coação, máxima, a prisão preventiva.
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In casu, e atento o segredo de justiça a que se encontram sujeitos os autos, não foram estes factos em investigação sequer alvo de relato ou exposição em qualquer órgão de comunicação local, regional ou nacional, e sem que dos mesmo haja qualquer notícia ou relato público.
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Entende-se que não existem quaisquer dos perigos elencados no douto despacho ora recorrido, nem os mesmos são presentes e imediatos, e nem ocorrem para o futuro.
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A limitação total de liberdade aplicada ao arguido violou os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, sendo que a prisão preventiva não é de aplicação automática, ou seja, o juiz "pode" impor ao arguido a prisão, e não é obrigado a tal.
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A prisão preventiva não devia ter sido ordenada, uma vez que existiam outras medidas de coação menos gravosas, mas mais adequadas e suficientes in casu, sendo que o despacho recorrido é inteiramente omisso a esse propósito, apenas valorando a gravidade e a censurabilidade da conduta do arguido.
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Face ao supra exposto, entende-se que a medida de prisão preventiva aplicada, por ser desnecessária, e, nessa medida, desproporcionada, deverá ser revogada, sujeitando-se antes o arguido a medida de coação menos gravosa, nomeadamente: i) Obrigação de Permanência na Habitação (OPH) com vigilância eletrónica, para a qual o mesmo presta consentimento - artigo 201º do C.P.P., sendo a mesma executada em casa de seus pais, onde residem apenas os mesmos, JF e AC, sita na Rua…, na Aldeia de Luz, concelho de Mourão, logo afastado da sua mulher, e também arguida neste processo, bem como dos filhos da mesma (CC e DD), cumulada com, ii) medida de proibição de contactos com testemunhas - artigo 200º, nº 1, d), do C.P.P.
Pelo exposto e pelo mais que for doutamente suprido por V. Exas., deve conceder-se provimento ao presente recurso, fazendo-se a costumada Justiça”.
* A Exmª Magistrada do Ministério Público junto do tribunal de primeira instância respondeu ao recurso, entendendo que deve ser negado provimento ao mesmo, e concluindo tal resposta nos seguintes termos (em transcrição): “1. Vem o arguido AA interpor recurso do despacho que lhe aplicou a medida de coação de prisão preventiva; 2. Em síntese, alega que não se verificam perigos de continuação da atividade criminosa, de perturbação do decurso do inquérito e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas; 3. Por último, alega que a medida de coação de prisão preventiva é desnecessária e desproporcionada, devendo ser revogada e aplicada medida de coação menos gravosa; 4. Não assiste razão ao arguido AA; 5. Como meios para acautelar o regular e eficaz desenvolvimento do processo e da execução das decisões nele proferidas, permite o Código de Processo Penal, na esteira dos artigos 18.º, n.º 2, e 28.º da Constituição da República Portuguesa, que a liberdade pessoal dos arguidos possa ser restringida em termos muito precisos; 6. São condições gerais de aplicação das medidas de coação a existência de um processo criminal, já instaurado, no decurso do qual a pessoa que vai ser sujeita a uma medida de coação foi constituída arguida, a inexistência de causas de isenção da responsabilidade ou da extinção do procedimento criminal, a existência de indícios da prática de um crime pelo arguido, que os indícios sejam fortes e que se verifique pelo menos uma das circunstâncias tipificadas no artigo 204º do Código Processo Penal; 7. Verificando-se as condições gerais e pressupostos para aplicar ao arguido uma medida de coação, deve em concreto ser-lhe aplicada, entre as previstas na lei, aquela que se revelar mais adequada a salvaguardar e realizar naquele caso as finalidades da sua aplicação (acautelar determinada exigência processual) e se mostrar proporcional à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas (vd. artigo 193.º, n.º 1, do Código de Processo Penal); 8. Inexistem quaisquer dúvidas de que AA é arguido no presente inquérito, que inexistem causas de isenção de responsabilidade ou de extinção de procedimento criminal; 9. No mais, da prova já produzida nos autos resultam fortes indícios de o arguido AA ter praticado, em concurso real e sob a forma consumada, como autor, cinco crimes de abuso sexual de criança agravados, previstos e punidos pelos artigos 171.º, nºs. 1 e 2, e 177.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, sendo ofendida a menor BB, filha do arguido; 10. Os fortes indícios resultam da apreciação e análise, efetuadas de acordo com as regras da experiência comum, dos diversos meios de prova constantes dos autos; 11. No que respeita ao pericula libertatis concorda-se na íntegra com o Tribunal a quo na parte em que considera que existem perigos concretos de continuação da atividade criminosa, de perturbação do decurso do inquérito, nomeadamente, de perigo para a aquisição, conservação e veracidade da prova, e de perturbação da ordem e tranquilidades públicas.
12. Não há dúvida de que se verificam os referidos perigos, que se encontram bem fundamentados; 13. Uma vez que se verificam as condições gerais e pressupostos para aplicar ao arguido AA uma medida de coação, entende-se que lhe foram aplicadas as que se revelaram mais adequadas às exigências cautelares que emergiam dos autos, proporcionais à gravidade dos crimes e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.
Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se na íntegra o despacho recorrido.
Vossas Excelências, porém, decidirão conforme for de Direito e Justiça”.
* Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, manifestando-se no sentido da procedência do recurso.
Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do C. P. Penal, não foi apresentada qualquer resposta.
Efetuado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO 1 - Delimitação do objeto do recurso.
No presente caso a única questão evidenciada no recurso, segundo o âmbito das correspondentes conclusões, as quais delimitam o objeto do recurso e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal, consiste em saber se é de manter a medida de coação de prisão...
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