Acórdão nº 225/14.1TDEVR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 05 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelMARTINS SIM
Data da Resolução05 de Junho de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I- Relatório Nos presentes autos com o número acima mencionado da Comarca de Évora (Juízo Local Criminal de Évora, 1ª Secção), por sentença de 10 de Julho de 2017, os arguidos AA e BB foram absolvidos de prática do crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. no art. 148º, nº 1 do C.Penal.

Inconformado o assistente interpôs recurso desta decisão, tendo extraído da motivação seguintes conclusões: «1.O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida em 10/07/2017.

  1. Foram os arguidos AA e BB, absolvidos, da prática do crime de que vinham acusados.

  2. Porém o assistente não se pode conformar com a sentença proferida.

    4 Desde logo porque se discorda da forma como o Tribunal fez interpretação dos factos e dos depoimentos em sede de julgamento 5. A Digna Magistrada do Ministério Público, em sede de alegações, considerou que quase tinha havido uma confissão integral dos factos, pelos arguidos e pugnou pela condenação dos mesmos, pelo crime de que vinham acusados.

  3. Os arguidos vinham acusados da prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelos artigos 148.º, n.º 1 do Código Penal.

  4. E foram efectivamente os arguidos responsáveis pelo incidente causado no decorrer da actividade de praxes, da Universidade de Évora, do qual resultaram lesões físicas graves para o assistente, constantes da acusação.

  5. Esta era a verdadeira matéria que estava em apreciação. Se os arguidos agiram ou não, atento o contexto em que agiam, na organização de uma praxe académica, com o cuidado que lhes era exigível na referida organização.

  6. O Tribunal deu efectivamente como provado, tal como constava da acusação, que a arguida AA ordenou ao 2.º arguido que fosse dar um abraço ao ofendido.

  7. Nomeadamente, atentas as condições do terreno que impunham aos arguidos especiais deveres de cuidado, por forma a evitar o acidente.

  8. Acresce que a arguida AA, como membro do Conselho de Notáveis, tinha um dever acrescido “um dever objectivo de cuidar”, o que não fez, se não tivesse insistido na ordem, que sabia o assistente não querer, não teria acontecido a queda, ou se tivesse acontecido não seria por via de uma ordem sua.

  9. Referindo expressamente o arguido BB no seu depoimento ao minuto 5:45 “ele meteu o pé no buraco e devido a estar agarrado a ele, caí e o CC caiu” 13.

    se não fosse o dito abraço e o contacto físico do arguido BB, que sabia que o assistente não consentia, conforme consta dos factos provados nos pontos 17 e 27, este não teria caído.

  10. No entanto conforme consta dos factos provados nos pontos 17 e 27 esta sabia, que o assistente não consentiu e se opôs àquela actividade.

  11. No entanto não se coibiu de insistir na sua execução e que levou às lesões constantes dos factos provados no ponto 24.

  12. Em face do exposto, os pontos V, VII e VIII dos factos não provados deveriam em nosso entender terem sido dados como provados pelo Tribunal.

  13. Assim, há um erro grave, por parte do Tribunal na apreciação da prova e no acomodar-se nas declarações dos arguidos, apesar de diferentes, afastando por completo a negligência, que no entender do Recorrente, existiu, e como tal deveria ter condenado os arguidos AA e BB, pelos crimes de que vinham acusados, nos termos do artº 148 nº1 do Código Penal, o que se requer.

  14. Nestes termos e nos mais de Direito que V.ªs Ex.ªs doutamente suprirão deverá: A) – Ser a sentença recorrida declarada nula por erro manifesto na apreciação da prova, nos termos do disposto no artigo 410.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Penal.

    1. – E serem os arguidos AA e BB condenados pela prática do crime de que vinham acusados. Assim e com o douto suprimento de . V. Exas. far-se- à.

    JUSTIÇA!» O Ministério Público respondeu ao recurso do assistente tendo concluído do seguinte modo: «Nesta conformidade, deverão V.as Ex.as julgar procedente o recurso interposto e em consequência: - alterar a matéria de facto assente na douta decisão recorrida, no sentido de considerar como provados os factos incluídos nos pontos III, V a VIII dos factos não provados por se encontrarem em contradição clara e insanável com os factos provados sob os nºs. 13, 17 a 21, 26 e 27 alterar a factualidade dada como não provada e provada; - revogar a sentença recorrida, condenando, cada um dos arguidos pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples p. p. pelos artºs. 148º, nº1 do Cod. Penal, ilícitos que lhes haviam sido imputados, respectivamente, em sede de acusação pública».

    O arguido BB respondeu ao recurso do assistente dizendo: «1ª – Entende o assistente que ao terem sido dados como provados os factos constantes nos nº17, 27 e 24, deveriam ter sido dados como provados os Pontos V, VII e VIII dos factos não provados, e ao não o terem sido evoca erro na apreciação da prova, o que levaria à nulidade da sentença nos termos do disposto no artigo 410.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Penal.

    1. – Segundo este imperativo pode ser fundamento do recurso o erro notório na apreciação da prova, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiencia comum.

    2. - Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, detetável pela simples leitura do texto da decisão e deverá ser um erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio; as provas revelam um sentido e a decisão recorrida conclui de maneira contrária, incluindo quanto à matéria de facto provada.

    3. – Não podendo olvidar que o tribunal é soberano na apreciação da prova, o vício de erro notório na apreciação da prova previsto no 410.º, n.º 2, al. c) do CPP só pode servir de fundamento à motivação do recurso desde que resulte do texto do acórdão recorrido, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum.

    4. – Descendo à douta sentença recorrida, mormente aos factos provados e não provados indicados pelo recorrente, ressalta de imediato não se verificar qualquer contradição entre os mesmos.

      Tenho sido considerado provado que quando o arguido BB se aproximou do assistente para lhe dar o abraço que lhe fora ordenado pela arguida AA, este opôs-se ao abraço, esbracejando e esquivando-se, oposição que era do conhecimento dos arguidos não pode, consequentemente, ter de se considerar provado que os mesmos podiam ter previsto que atentas as características do local e atendendo às características físicas do assistente o mesmo se poderia desequilibrar, o que o próprio tinha advertido, cair, e sofrer as lesões que lhe foram causadas, as quais também podiam ter previsto.

      De igual modo não teria de resultar provado que nestas circunstâncias podiam os arguidos ter tomado precauções, largando o assistente de modo a evitar que este caísse, conforme deviam ter feito, agindo livre e conscientemente, bem sabendo que lhes eram proibidas tais condutas.

      Não existe aqui qualquer erro na apreciação da prova.

      Analisada atentamente a matéria de facto julgada provada e não provada, não se verifica qualquer incongruência entre ambas.

    5. – Da leitura do recurso do assistente conclui-se que o mesmo confunde erro na apreciação da prova com discordância com a apreciação que o Meritíssimo Juiz “a quo” faz da prova, questões que são, obviamente, diferentes.

      Limita-se a questionar a valoração da prova efetuada pelo Tribunal, valoração essa livremente formada e fundamentada, pretendendo substituí-la pela sua própria.

    6. - O facto da matéria constante em V, VII e VIII não se encontrar provada tal não envolve erro notório na apreciação da prova porque esses factos não contrariam de forma frontal e clara as regras da experiência comum, antes se coadunam perfeitamente com a prova produzida.

    7. - O artº 127º do CPP consagra o princípio da livre apreciação da prova determinando que esta é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do juiz.

      “III -O julgador é livre, ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja “vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório”.

      IV - A livre convicção não pode confundir-se com a íntima convicção do julgador, impondo-lhe a lei que extraia das provas um convencimento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido da responsabilidade e bom senso, e valoradas segundo parâmetros da lógica do homem médio e as regras da experiência.” – Ac. TRC de 01-10-2008 in www.dgsi.pt 9ª - Não se pode confundir o princípio da livre apreciação da prova com apreciação arbitrária ou livre convicção, pois que a lei impõe que se retire das provas um convencimento lógico e motivado, avaliando-as com sentido da responsabilidade e bom senso.

    8. - O art.º 127.º do CPP, impõe obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio os quais alguns autores chamam de “pressupostos valorativos”, pelo que a livre convicção do julgador nunca pode ser a íntima convicção criada arbitrariamente.

      Trata-se da liberdade de decidir segundo o bom senso e a experiência da vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação, ou no dizer de Castanheira Neves da “liberdade para a objectividade”.

    9. - Na audiência de julgamento este princípio assume especial relevo, tendo, que ser sempre motivada e fundamentada a forma como foi adquirida certa convicção, impondo-se ao julgador o dever de dar a conhecer o seu suporte racional, imposto pelo art. 374° n.º 2 do Código de Processo Penal.

    10. – Da análise da douta sentença sob censura verifica-se que a mesma assentou em operações intelectuais válidas e justificadas, com respeito pelas normas processuais atinentes à prova e com recurso às regras de experiência e apreciação da prova de forma objetiva e motivada.

    11. - A apreciação da prova seguiu um processo lógico e racional, ou seja, a decisão recorrida não se mostra ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora...

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