Acórdão nº 81/14.0 GGODM-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA FILOMENA SOARES
Data da Resolução09 de Janeiro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal (1ª Subsecção) do Tribunal da Relação de Évora: I [i] Do despacho de acusação [no âmbito do qual, sob a forma de processo comum, é imputada ao arguido a prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 292º, nº 1 e 69º, nº 1, alínea a), ambos do Código Penal], veio o arguido Sabi K. (devidamente identificado nos autos), requerer a abertura de instrução nos termos seguintes: “I - DA NULIDADE DA ACUSAÇÂO 1º O arguido discorda da "acusação" de que foi alvo por parte do Ministério Público, por a mesma enfermar de diversos vícios, conforme se demonstrará infra.

  1. Em primeiro lugar, escrevemos "acusação" entre aspas, porque a mesma não cumpre os requisitos a que está sujeita, conforme previsto no n° 3 do art. 2830 do C.P.P..

  2. Veja-se que o despacho que notifica a suposta acusação (com a ref. 27803644) começa por pronunciar-se acerca das nulidades invocadas pelo arguido, sendo que, de Tratam-se de requisitos obrigatórios por lei, que devem ser observados em qualquer acusação formulado pelo Ministério Público, sob pena de nulidade.

  3. Por nos referirmos a medidas que colocam em causa direitos fundamentais do arguido, nomeadamente, o direito do mesmo poder saber do que está a ser acusado podendo, consequentemente, preparar a sua defesa de forma conveniente, a nossa jurisprudência tem sido exigente quanto à observância dos requisitos que deve conter qualquer acusação em processo penal.

  4. Nesse sentido veja-se, a título de exemplo, o disposto no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra: "Se ocorrer no âmbito da instrução, no seio da decisão instrutória, aquando do saneamento do processo, a declaração de nulidade da acusação (art. ºs 283º, n.º 3 e 308º, n.° 3, do C. Proc. Penal), a obstar ao conhecimento do mérito da causa, mormente pela ausência da narração dos factos, determinará a não pronúncia e o consequente arquivamento do autos e não a «remessa» dos mesmos ao Ministério Público." (Vide Ac. Trib. ReI. Coimbra, proc. n° 126/09.5IDCBR-B.C1, de 23/05/2012, in www.dgsi.pt) 11º Assim, tendo em conta que os requisitos previstos no art. 283° n° 3 do C.P.P. não foram observados por parte do Ministério Público aquando a formulação da acusação ao ora arguido, invoca-se, desde já, a nulidade da mesma, com o consequente arquivamento dos autos, nos termos legais.

    II - DAS NULIDADES DO INQUÉRITO 12º O arguido foi detido em flagrante delito por, alegadamente, praticar o crime de condução de veículo em estado de embriaguez, tendo sido submetido ao teste de álcool, no qual acusou uma taxa de álcool no sangue (TAS) de 1,70 g/l.

  5. Após tal detenção, o arguido foi conduzido ao Posto Territorial de S. Teotónio, tendo sido constituído arguido, prestado termo de identidade e residência (doravante designado como TIR) e, posteriormente, libertado.

  6. Aconteceu que todos esses atos ocorreram sem que o arguido fosse assistido por defensor, conforme obrigava a lei.

  7. Dispõe a alínea d) do n° 1 do art. 64° do C.P.P. que em qualquer ato processual, à exceção da constituição de arguido, sempre que o arguido for desconhecedor da língua portuguesa (como era ocaso), é obrigatória a assistência de defensor.

  8. E tal não foi observado, nomeadamente na prestação de TIR e no ato em que o arguido declara não pretender contraprova.

  9. Essa inobservância conduz à nulidade insanável conforme previsto na alínea c) do art. 1190 do C.P.P..

  10. Conforme referido supra, tal nulidade foi invocada em sede de inquérito, sendo que não se pode concordar com o entendimento sustentado pelo Ministério Público de que, pelo A resposta apenas pode ser uma: os direitos do arguido não foram, de todo, acautelados, pelo que urge declarar a nulidade dos referidos atos de inquérito que afetam todo o processo.

  11. Por fim, sustenta ainda o Ministério Público, no que à nulidade alegada e prevista na alínea c) do n° 2 do art. 120° do C.P.P. diz respeito, que o arguido teria que ter alegado a mesma no momento em qua a nulidade foi praticada, por aquele estar presente no referido ato, aplicando o art. 120° n° 3 alínea a) do C.P.P..

  12. Salvo o devido respeito, tal entendimento parece-nos escandaloso, colocando seriamente em causa os direitos e garantias dos arguidos em processo penal.

  13. Com efeito, como pode o Ministério Público sustentar que tal nulidade teria que ser invocada pelo arguido no momento em que aquela ocorreu, se estamos exatamente a tratar de uma nulidade que se refere ao facto de não ter sido nomeado intérprete a um arguido, de nacionalidade búlgara, totalmente desconhecedor da língua portuguesa, e que, por isso, não percebeu nada do que se passou na diligência a que foi submetido.

  14. É totalmente inviável sustentar a posição do Ministério Público. Aliás, o próprio Ministério Público tem como finalidade garantir o rigoroso cumprimento das leis à luz dos princípios democráticos, pelo que deveria ter sido o próprio a declarar, por sua iniciativa, a nulidade do inquérito por violação de normas legais.

  15. Prevê o art. 120° n° 3 alínea c) que, tratando-se de nulidade respeitante ao inquérito, a mesma deve ser arguida "até ao encerramento do debate instrutório ou, não havendo”.

    [ii] Por despacho proferido em 30.06.2016, a Mmº Juiz de Instrução [da Comarca de Beja, Instância Local de Odemira, Secção de Competência Genérica, J1] rejeitou, ao abrigo do disposto no artigo 287º, nº 3, do Código de Processo Penal, por inadmissibilidade legal, o requerimento para a abertura de instrução, nos termos e com o fundamento seguintes: “A fls. 120 e ss. dos autos, veio o arguido Sabi K., na sequência de despacho de acusação proferido pelo Ministério Público requerer a abertura de instrução, com vista a arguir pretensas nulidades da acusação e do inquérito.

    A lei processual penal estabelece – cfr. neste particular o preceituado no artigo 287.º, número 3, do Código de Processo Penal – que o requerimento de abertura de instrução só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução.

    Inadmissibilidade legal da instrução, que – repita-se - fundamenta, por si só, a rejeição (liminar) do requerimento apresentado, é o que sucede, nomeadamente, nos casos em que a instrução não é requerida com vista à comprovação judicial da decisão de deduzir acusação (ou de arquivar o inquérito) que é, conforme resulta do preceituado no artigo 286.º do Código de Processo Penal, a única finalidade legal desta fase processual.

    Quando o que a defesa pretende é, somente, arguir nulidade (da acusação ou do inquérito), não pode fazer uso, para o efeito, do requerimento de abertura de instrução.

    As nulidades da acusação e do inquérito têm de ser arguidas “desde logo, diante do magistrado do MP titular do inquérito, com reclamação para o respectivo superior hierárquico”, não havendo, nesses casos, lugar a instrução, conforme nos recorda, em anotação ao artigo 286.º do Código de Processo Penal, Paulo Pinto de Albuquerque, na página 738 do seu “Comentário do Código de Processo Penal”, em edição da Universidade Católica Portuguesa do ano de 2007, e também, entre o mais, os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 30 de Novembro de 2011 e de 26 de Fevereiro de 2014, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

    Assim sendo, e por inadmissibilidade legal da instrução, rejeito o requerimento de abertura de instrução apresentado, a fls. 102 e ss. dos autos, sob a referência 683570, pelo arguido, Sabi K, em conformidade com o preceituado no artigo 287.º, número 1, alínea b) e número 3, do Código de Processo Penal.

    Já no que tange ao requerido sob a referência 707161, a fls. 131 e ss. dos autos, constata-se que, perante a evidência de que, por lapso da secção de inquéritos, não havia seguido, juntamente com a notificação expedida, por via postal registada, para o efeito, cópia da acusação pública deduzida, o Ministério Público se limitou, no despacho posto em crise (que foi proferido, sob a referência 27898189, a fls. 128 dos autos), a ordenar o envio da mesma à Ilustre Defensora nomeada.

    Ao fazê-lo, não teve em vista sanar qualquer das nulidades arguidas (que se prendiam, diversamente, com pretensas omissões do libelo acusatório, com a falta de assistência por defensor e com a falta de nomeação de intérprete), mas – antes – sanar irregularidade concretizada na falta de notificação da acusação à defensora do arguido, o que podia fazer (e, em nosso entender, se impunha fazer), de harmonia com o preceituado no artigo 123.º, número 2, do Código de Processo Penal.

    Inexiste, pois, motivo para censurar o referido despacho, razão pela qual se indefere o requerido, o que decido – note-se – porque, em bom rigor, este último despacho posto em crise foi proferido já depois de encerrado o inquérito e, de harmonia com o preceituado no artigo 17.º do Código de Processo Penal, é ao juiz de instrução que compete exercer todas...

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