Acórdão nº 23/16.8PEBJA.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 20 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução20 de Fevereiro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, com o nº 23/16.8PEBJA, do Juízo Central Cível e Criminal de Beja (Juiz 2), em que é arguido LR, e mediante pertinente acórdão, o tribunal decidiu nos seguintes termos (no que ora releva): “

  1. Condena o arguido LR pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º n.º 1 do DL n.º 15/93, de 22.01 na pena de 5 (cinco) anos de prisão.

  2. Condena o arguido LR pela prática de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 3.º n.º4 alíneas a) e 86.º n.º1 alínea c) da Lei n.º 5/2006 de 23 de Fevereiro, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão.

  3. Em cúmulo jurídico, condena o arguido LR na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

  4. Determina que o arguido LR continue a aguardar os ulteriores termos do processo em prisão preventiva, consignando-se que o mesmo se encontra ininterruptamente nessa situação desde 12 de janeiro de 2017.

  5. Declara perdido a favor do Estado o estupefaciente apreendido e material destinado ao corte, pesagem e acondicionamento, determinando a sua destruição.

  6. Declara perdido a favor do Estado o veículo automóvel de matrícula ---QL e os telemóveis apreendidos.

  7. Declara perdido a favor do Estado as armas, munições e cartucheira apreendidas.

  8. Condena o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça devida em 2 (duas) UC’s”.

    * Inconformado com o acórdão condenatório, interpôs recurso o arguido, apresentando as seguintes (transcritas) conclusões: “1º - A douta sentença recorrida condenou o Arguido na pena única de CINCO ANOS E SEIS MESES pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes pº pº pelo Artº 21, nº 1, do D.L. 15/93 e um crime de detenção de arma proibida pº pº pelo Artº 3º, nº 4, al. a), e 86º, nº 1, al. c), da Lei nº 5/2006, de 23.02, e declarou perdido a favor do Estado o veículo de matrícula ---QL.

    1. - O recurso reporta-se quanto à matéria de facto, quanto à qualificação jurídica do crime praticado pelo Arguido e à medida da pena; 3º - A matéria de facto dada como provada não nos oferece qualquer juízo de censura de relevo, porque reproduz os factos provados em audiência e a prova recolhida nos autos.

    2. - No entanto, os factos impunham, inevitavelmente, uma decisão diversa da ora recorrida, termos em que o douto acórdão violou, por erro de interpretação, os Artsº 75º e 71º do CP e os Artsº 21º e 25º, ambos do D.L. 15/93.

    3. - Tendo em conta as circunstâncias em que os factos ocorreram, entendemos que diminuem consideravelmente a ilicitude do Arguido.

    4. - O Artº 25º pressupõe, por referência ao tipo fundamental, que a ilicitude do facto se mostre “consideravelmente diminuída” em razão de circunstâncias específicas, mas objetivas e factuais, verificadas na ação concreta, nomeadamente os meios utilizados pelo agente, a modalidade ou as circunstâncias da ação, e a qualidade ou a quantidade dos produtos.

    5. - Os critérios de proporcionalidade que devem estar pressupostos na definição das penas constituem, também, um padrão de referência na densificação da noção, com alargados espaços de indeterminação, de “considerável diminuição de ilicitude”.

    6. - As referências objetivas contidas no tipo, para aferir da menor gravidade, situam-se nos meios, na modalidade ou circunstância da ação e na qualidade e quantidade das plantas.

    7. - A quantidade de droga é um dos fatores determinantes de aferição da diminuição da ilicitude prevista no artº 25 do citado diploma. Não podemos esquecer o facto do artº 25º ter como fonte o artº 24º do DL. 430/83, sendo certo que o artigo atual é mais amplo e abrangente.

    8. - A apreciação da quantidade detida deve apoiar-se em módulos de carácter quantitativo.

    9. - Como consta da matéria de facto dada como provada, o Recorrente negociou com OITO a DEZ CONSUMIDORES, a quem entregou doses individuais de heroína, a €: 10,00.

    10. - A atividade de venda decorreu durante cerca de TRÊS MESES, de outubro de 2016 a janeiro de 2017.

    11. - Em conclusão, as quantidades vendidas, regra geral uma dose de cada vez, e a quantidade total de droga vendida são diminutas.

    12. - Para se poder concluir que a ilicitude do facto se encontra consideravelmente diminuída, é certo que não releva unicamente a quantidade, mas ainda a sua qualidade, os meios utilizados, a modalidade e as circunstâncias da ação - Ac. STJ-CJ-III-96, pág. 163.

    13. - O que verdadeiramente conta é a situação concreta individualizada, com todas as suas particularidades, que varia de caso para caso.

    14. - O Arguido é toxicodependente e não resta qualquer sinal exterior de riqueza, que possa deduzir que o Arguido retirava grande proveito ilícito da venda de droga.

    15. - Não foi apreendida uma única nota do BCE.

    16. - No que respeita aos meios utilizados pelo Arguido, estes eram escassos, porque as entregas eram feitas em casa ou locais previamente acertados.

    17. - Sem qualquer margem para dúvida que, a inexistência de uma estrutura organizativa, e/ou a redução do ato ilícito a um único negócio de rua sem recurso a qualquer técnica ou meio especial, dão uma matriz de simplicidade que, por alguma forma, conflui com a gravidade do ilícito.

    18. - Deste modo, tais factos enquadram-se no vulgarmente designado “tráfico de rua”.

    19. - A jurisprudência do STJ dos últimos anos, tem vindo a alargar o campo de aplicação do aludido Artº 25º a tudo quanto seja pequeno tráfico, aos “dealers” ou “retalhistas” de rua, sem ligações a quaisquer redes e quase sempre desprovidos de quaisquer organizações ou de meios logísticos, e sem acesso a grandes ou avultadas quantidades de droga.

    20. - Apesar do Arguido já ter sido alvo de UMA condenação pela prática de crime de tráfico de estupefacientes não impede a aplicação da qualificação mais favorável ao Arguido.

    21. - Em face do que acima fica exposto e à matéria de facto o Arguido deve ser condenado pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de menor gravidade, p. p. pelo Artº 25º do Dec. Lei Nº 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de TRÊS ANOS de prisão.

    22. - E, em cúmulo jurídico, deve o Arguido ser condenado na pena única de TRÊS ANOS e SEIS MESES DE PRISÃO.

    23. - Finalmente, entendemos que o veículo automóvel matricula ----QL não deverá ser declarado perdido a favor do Estado.

    24. - A perda de objetos que tiverem servido para a prática de infração relacionada com estupefacientes tem como fundamento a existência ou a preexistência de uma ligação funcional e instrumental entre o objeto e a infração, de sorte que a prática desta tenha sido especificadamente conformada pela utilização do objeto.

    25. - Na especificação de execução dos diversos e amplos casos de factualidade típica dos crimes ditos de “tráfico de estupefacientes”, a possibilidade, concreta e determinada, da utilização de certos objetos depende muito do tipo de atuação que estiver em causa.

    26. - No entanto, o Supremo Tribunal tem vindo a remeter para o princípio da proporcionalidade. A perda do “instrumentum sceleris”, não estando submetida ao princípio da culpa, terá de ser equacionada com o princípio da proporcionalidade relativamente à importância do facto - cfr. Ac. STJ de 27.01.1998.

    27. - O veículo apenas foi utilizado no dia 11 de janeiro, sendo omisso em relação às outras deslocações.

    28. - Deste modo, e fazendo apelo aos princípios da proporcionalidade, adequação e exigibilidade, entendemos que o veículo não deve ser declarado perdido a favor do Estado”.

    * O Exmº Magistrado do Ministério Público junto da primeira instância apresentou resposta ao recurso, concluindo nos seguintes termos (em transcrição): “1ª - A comprovada atuação do arguido foi corretamente subsumida ao tipo de tráfico de estupefacientes da previsão do artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro.

    1. - O douto acórdão deve ser revogado na parte em que decreta a perda a favor do Estado do veículo de matrícula ---QL em virtude de não se verificarem os pressupostos estabelecidos no artigo 35º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro”.

      * Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, entendendo, também, que o recurso merece parcial provimento, devendo ser revogada a decisão revidenda na parte em que declarou perdida a favor do Estado a viatura de matrícula ----QL.

      Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não tendo o arguido respondido.

      Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.

      II - FUNDAMENTAÇÃO 1 - Delimitação do objeto do recurso.

      Três questões, em breve síntese, são suscitadas no recurso interposto pelo arguido, segundo o âmbito das correspondentes conclusões, que delimitam o objecto do recurso e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal: 1ª - A qualificação jurídica dos factos (no tocante ao crime de tráfico de estupefacientes).

    2. - A medida concreta da pena aplicada pelo cometimento do crime de tráfico de estupefacientes.

    3. - A declaração de perda a favor do Estado do veículo de matrícula ---QL.

      2 - A decisão recorrida.

      É do seguinte teor o acórdão revidendo (quanto aos factos provados, factos não provados e motivação da decisão fáctica): “

  9. Factos Provados Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos: Pelo menos desde o mês de outubro de 2016, o arguido dedicou-se ao tráfico de produtos estupefacientes, designadamente de “Heroína”, na modalidade de venda direta ao consumidor, tendo vendido produto estupefaciente a um número indeterminado de consumidores (entre 8 a 10) que se dispuseram a comprar-lhe.

    Para tanto, o arguido deslocava-se quase diariamente à cidade de Sines, a um local denominado “Barbuda”, onde adquiria estupefaciente, na quantidade variável entre 3 a 3,5 gramas, que transportava para Beja, onde a preparava e “cortava” para poder vender aos eventuais consumidores.

    O arguido...

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