Acórdão nº 505/15.9PBBRR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução24 de Maio de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO No âmbito do Proc. 505/15.9PBBRR, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal (Juízo Central Criminal de Setúbal - Juiz 2), em pertinente acórdão, o Tribunal Coletivo decidiu o seguinte: “Parte Criminal Julgar parcialmente procedente, por parcialmente provada, a acusação e, em consequência: a. Absolver o arguido JM como autor material, em concurso real e na forma consumada da prática de um dos dois crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, nºs 1 e 2, do Código Penal, pelos quais se mostrava acusado.

  1. Condenar o arguido JM como autor material e na forma consumada pela prática de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, nºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 3 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução sujeita a regime de prova, por igual período de tempo (cfr. artigos 50º e 53º, nºs 1 e 4, do Código Penal).

  2. Condenar o arguido JM em 4 UC's de taxa de justiça (cfr. artigo 513º do Código de Processo Penal e artigo 8º do RCP e Tabela III anexa).

  3. Isentar os assistentes do pagamento da taxa de justiça, nos termos do que vai no artigo 517º do Código de Processo Penal.

    Parte Cível a. Pelo exposto, julgamos parcialmente procedente, por parcialmente provado, o PIC formulado pelos demandantes, pais da vítima CC , de menor idade e em sua representação, AA e BB e, consequentemente, condenamos o demandado JM a pagar aos demandantes, a título de danos não patrimoniais, a quantia de 5.000,00€, acrescida de juros vencidos e vincendos, desde a notificação para contestar e até efetivo e integral pagamento.

  4. Custas na proporção de 40% para o demandado e 60% para os demandantes”.

    * O arguido recorreu dessa decisão, extraindo da respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões: “I. O ora Recorrente foi condenado, como autor material e na forma consumada pela prática de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 171.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 3 anos e 3 meses de prisão e na condenação no pagamento de Indemnização Cível a título de danos não patrimoniais aos Demandantes, no valor de 5.000,00 € (Cinco mil Euros), acrescidos de juros vencidos e vincendos, desde a notificação para contestar e até efetivo e integral pagamento, bem como no pagamento de 4UC’s de taxa de justiça e 40% do valor das custas processuais do PIC.

    1. Como suporte para a condenação de que foi alvo o Tribunal a quo considerou provada a seguinte matéria de facto jurídico-penalmente relevante: “h) A dada altura, o menor CC estava ao colo do arguido e este introduziu a mão por dentro das calças e cuecas que a criança trazia vestidas e em ato contínuo introduziu um dedo no ânus do menor, friccionando o mesmo com força, provocando dor à criança”.

      “k) Ao atuar da forma descrita, o arguido quis e logrou satisfazer os seus instintos libidinosos, atuando por gestos e atos na pessoa do menor, bem sabendo que o mesmo mais não era do que uma criança, com menos de catorze anos de idade, aproveitando-se, assim, da sua inexperiência e ingenuidade e da relação de proximidade que mantinha com o mesmo, e que, desse modo, o ofendia na sua autodeterminação e desenvolvimento sexual, o que quis e logrou conseguir”.

      “ l) O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei e, ainda assim, não se inibiu de a realizar”.

      No entanto, relativamente ao facto h), constatamos que os factos k) e l), bem como a integralidade do PIC, encontram-se conectados vitalmente a este, dependendo direta e unicamente da sua verificação probatória.

      Como tal debruçou-se o presente recurso sobre a prova produzida face ao mesmo e a validade e certeza probatória da mesma.

    2. Da Análise da Prova Produzida: a) Da Prova Pericial Nenhuma da prova pericial trazida aos autos pela Acusação e demais partes (Relatório de Perícia de Natureza Sexual em direito Penal de fls. 131 e ss, Relatório de Perícia Psicológica relativo a menor de fls. 143 e ss) confirma a ocorrência de lesões resultantes de abuso sexual, salientando apenas a não exclusão dessa hipotética possibilidade ou a possível coerência de estado psicológico de quem o alegou.

      Não tendo sido feita prova de nenhum facto.

  5. Da Prova Documental Nenhum dos Documentos trazidos aos autos pela Acusação e demais partes (Assento de Nascimento de fls. 20, Cópia de transcrição de mensagens trocadas entre a progenitora do menor e arguido de fls. 80 e 81 e a Informação clínica de fls. 84 a 86 já referida neste articulado) vem confirmar ou atestar a possibilidade de ocorrência de qualquer ato de abuso sexual.

    Não tendo sido feita prova de nenhum facto.

  6. Da Prova Testemunhal Do depoimento de todas as testemunhas ouvidas pelo Tribunal se retira globalmente que, nenhuma das testemunhas ouvidas presenciou qualquer ato de abuso sexual, inclusive a testemunha MJ que esteve a uma curta distância do menor CC e do Arguido durante todo o tempo, tendo-se ausentado apenas por um minuto.

    Acrescenta a testemunha JL, que no minuto em que a testemunha MJ se ausentou de ao pé do Arguido e do menor CC, a mesma (que os observava) não viu nada de anormal ou que dessa forma constituísse um crime.

    Pelo que a existir a mera possibilidade da prática do facto, a mesma se revela bastante reduzida.

    Não tendo sido feita prova de nenhum facto.

    1. Relativamente ao facto h), o Tribunal na sua douta Decisão considerou ademais na fundamentação do facto e relativamente ao ato em si: “(…) relativamente ao ato em si, resultou o mesmo das declarações prestadas para memória futura perante o Mmº Sr. Juiz de Instrução. Na verdade, o menor declarou, em declarações absolutamente isentas e coerentes, que o arguido lhe tinha “metido o dedo no rabiosque com força”. A pergunta feita esclareceu que tal tinha sucedido quando o tio MJ, naquele dia, entrou dentro de casa, pelo que se encontrava sozinho com o arguido (…)”.

      Ora da fundamentação acima se retira que o alegado ato foi única e exclusivamente suportado pelas declarações do menor CC.

      Sem qualquer outro suporte probatório e tendo inclusive algumas das alegações realizadas pelo menor resultado em factos considerados como não provados pelo Tribunal a quo na sua Decisão (“a. Situações como as descritas sob o ponto 8 da acusação já tinham acontecido antes deste dia 02.04.2015, em número de vezes e em circunstâncias não concretamente apuradas mas, pelo menos, por uma vez”), não é legalmente possível fundar a condenação do Arguido ora Recorrente unicamente nestas declarações do menor CC, ou dessa forma atribuir-lhes certeza probatória.

    2. Os Princípios da Presunção de Inocência e “in dubio pro reo”, Princípios Constitucionais previstos no Artigo 32.º, n.º 2, 1.ª Parte, da C.R.P., determinam vinculativamente o Tribunal, impondo ao Julgador a obrigação de não se pronunciar desfavoravelmente ao Arguido, quando não existir certeza sobre os factos essenciais para a Decisão.

      Não tendo o Tribunal logrado provar o facto h), e encontrando-se a presente decisão suportada por meras possibilidades hipotéticas conforme demonstrado, apenas resta dentro da Lei Fundamental da nossa República e das mais elementares garantias da Lei do Penal decidir pro reo.

    3. Persistindo uma dúvida quanto à realidade/prova dos factos da Acusação e subsistindo a condenação do Arguido ora recorrente apenas na mera hipótese e possibilidade, não pode o Tribunal transformar essa mera possibilidade em certeza jurídica, certeza que, entenda-se, é impossível de justificar através do uso da experiencia comum, uma vez que, pelas regras da experiencia comum se deve interpretar a concretização de provas, que no presente caso são inexistentes.

      Sendo notório então, pela simples lógica e pela experiência comum, que sem a prova de nenhum dos factos alegados na Acusação não existiu qualquer crime.

    4. Pesando tudo o supra explanado, deve o Tribunal decidir sobre toda a matéria que não se veja afetada por uma insanável dúvida, o que não foi feito na douta decisão.

    5. Deve, então, o facto h) bem como os factos k) e l), bem como a integralidade do PIC, serem dados como não provados.

      Em suma, nos presentes autos, não só ficou cabalmente provado que o Recorrente não praticou o crime em que foi condenado, como foi criada uma inultrapassável dúvida razoável quanto aos factos pelos quais vem acusado, tendo a condenação do ora Recorrente tido como base a violação de elementares Princípios e Garantias Legais e uma notória apreciação errada da prova.

      Termos em que e nos melhores do Direito deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogado o Acórdão recorrido, tudo com as legais consequências.

      Fazendo-se, assim, a habitual e necessária Justiça”.

      * O Ministério Público junto do tribunal de primeira instância e os assistentes AA e BB apresentaram resposta ao recurso, entendendo que o mesmo não merece provimento.

      Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pronunciando-se no sentido de o recurso dever improceder.

      Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada qualquer resposta.

      Foram colhidos os vistos legais.

      Procedeu-se à conferência, cumprindo, agora, apreciar e decidir.

      II - FUNDAMENTAÇÃO 1 - Delimitação do objeto do recurso.

      Tendo em conta as conclusões acima enunciadas, que delimitam o objeto do recurso e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal, e em breve resumo, é apenas uma a questão suscitada pelo recorrente: impugnação da decisão fáctica, sendo de absolver o arguido da prática dos factos delitivos que lhe são imputados (porquanto as declarações do menor ofendido - ouvido em “declarações para memória futura” e constituindo a única prova produzida sobre os factos - não são suficientemente consistentes e credíveis para sustentar a condenação; e, ainda, por aplicação do princípio in dubio pro reo e do...

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