Acórdão nº 977/17.7T8PTG.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelPAULA DO PA
Data da Resolução24 de Maio de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

P.977/17.7T8PTG.E1 Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1] I. Relatório A sociedade BB Transportes, Ld.ª, impugnou judicialmente a decisão da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) que lhe aplicou uma coima no valor de € 2.923,32, pela prática de uma contraordenação resultante da violação do disposto no artigo 15.º, n.º 7 do Regulamento CEE 3821/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, alterado pelo artigo 26.º do Regulamento CE 561/2006, do Parlamento Europeu, punida pelo disposto nos artigos 25.º, n.º 1, alínea b) e 14.º, n.º 4 da Lei 27/2010, de 30 de agosto.

No essencial, negou a prática do ilícito contraordenacional, afirmando que o condutor identificado nos autos só não apresentou a totalidade das folhas de registo dos 28 dias anteriores à ação de fiscalização, porque esteve de férias, tendo justificado perante a autoridade fiscalizadora tal situação. Mais requereu que, em caso de condenação, apenas lhe fosse aplicada uma admoestação.

O tribunal de 1.ª instância manteve a decisão condenatória proferida pela entidade administrativa.

Não se conformando com o decidido, a impugnante interpôs recurso, finalizando as suas alegações com as seguintes conclusões: «I. A ora Arguida foi condenada nos autos em epígrafe pela prática de uma contraordenação muito grave p. e p. pelo art.ª 15.º, n.º 7 do regulamento CEE 3821/85, do Conselho de 20 de Dezembro, alterado pelo 26.º do regulamento CE 561/2006, do Parlamento Europeu, e punida pelo disposto nos artigos 25º, n.º 1, al. b) e 14.º, n.º 4 da Lei n.º 27/2010, de 30/8, no pagamento de uma coima no valor de 2.923,32 € (dois mil, novecentos e vinte e três euros e trinta e dois cêntimos).

  1. No presente caso em apreço foi levantado um auto de notícia, e consequente decisão administrativa por parte da entidade competente para a instrução do processo de contraordenação, respetivamente a Autoridade para as Condições do Trabalho, contra a arguida.

  2. Temos que o condutor à data dos factos, como consta dos factos dados como provado era o Sr. CC aparecendo este como se trabalhador da empresa se tratasse, o que não ocorre no presente caso.

  3. Não integra a contraordenação p.p. pelo Artº 25º/1-b) da Lei 27/2010 de 30/08 a não apresentação, pelo motorista, do formulário a que se reporta a Decisão da Comissão de 12/04/2007. Sendo a lei OMISSA quanto às consequências da falta de apresentação das mesmas, V. Os motoristas não são obrigados a fazer-se acompanhar do aludido formulário, já que o Regulamento Europeu não estabelece a obrigatoriedade de acompanhamento do mesmo. Tal obrigação não foi transposta, inexistindo qualquer norma punitiva pela ausência de utilização do aludido formulário/declaração de atividade.

  4. Em obediência ao princípio da legalidade (Artº 2º do RGCO) impõe-se a existência de uma norma jurídica anterior à data da prática do facto que preveja a infração, bem como a consequência da mesma, o que não sucede no caso em apreço!! VII. Não podendo proceder a uma interpretação extensiva numa situação de verdadeira lacuna da lei.

  5. Neste sentido existe vária jurisprudência, como o douto Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10/06/2017, proc. n.º 2010/16.7T8.BRR.L1-4, com relator Manuel Fialho: “Comecemos pela conduta imputada á arguida – o seu motorista não possuía as últimas 28 folhas de registo do tacógrafo nem qualquer declaração.

    O Artº 15º/7 do Regulamento (CEE) nº 3821/85, na redação introduzida em virtude do Regulamento (CE) nº 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15/03/2006, dispõe que sempre que o condutor conduza um veículo equipado com um aparelho de controlo em conformidade com o anexo I, deve apresentar, a pedido dos agentes encarregados do controlo (i) as folhas de registo da semana em curso e as utilizadas pelo condutor nos 28 dias anteriores, (ii) o cartão de condutor, se o possuir e (iii) qualquer registo manual e impressão efetuados durante a semana em curso e nos 28 dias anteriores.

    Contudo, assumiu-se na sentença que, por força do Artº 2º/g) da Portaria 222/2008 de 5/03, o veículo descrito nos autos estava isento das obrigações ali mencionadas.

    Ora, a contraordenação imputada à Arguida foi a prevista no Artº 25º/1-b) da Lei 27/2010 de 30/08, lei esta que estabelece o regime sancionatório aplicável à violação das normas respeitantes aos tempos de condução, pausas e tempos de repouso e ao controlo da utilização de tacógrafos, na atividade de transporte rodoviário, transpondo a Diretiva n.º 2006/22/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, alterada pelas Diretivas n.os 2009/4/CE, da Comissão, de 23 de Janeiro, e 2009/5/CE, da Comissão, de 30 de Janeiro.

    De acordo com a norma tipificadora, constitui contraordenação muito grave a não apresentação, quando solicitada por agente encarregado da fiscalização, (b) de cartão de condutor, das folhas de registo utilizadas e de qualquer registo manual e impressão efetuados, que o condutor esteja obrigado a apresentar.

    Vigora em matéria contraordenacional o princípio da legalidade de acordo com o qual só será punido como contraordenação o facto descrito e declarado passível de coima por lei anterior ao momento da sua prática (Artº 2º do DL 433/82 de 27/10, aplicável ex vi Artº 549º do CT).

    Por outro lado, constitui contraordenação laboral o facto típico, ilícito e censurável que consubstancie a violação de uma norma que consagre direitos ou imponha deveres a qualquer sujeito no âmbito de relação laboral e que seja punível com coima (Artº 548º do CT).

    Ora, evidenciando a sentença que o veículo reportado nos autos estava isento das obrigações cujo incumprimento é pressuposto do facto típico, não vemos como, sem mácula para o indicado princípio da legalidade, sancionar a arguida pela contraordenação que lhe foi imputada.

    Refere a sentença que uma Decisão da Comissão de 12/04/2007 previu a obrigação de um formulário relativo às disposições em matéria social no domínio das atividades de transporte rodoviário, a qual no seu considerando (1) consigna que, “Nos termos da Diretiva 2006/22/CE, a Comissão elaborará um formulário eletrónico, que possa ser imprimido, destinado a ser utilizado quando o condutor tiver estado em situação de baixa por doença ou de gozo de férias anuais, ou quando tiver conduzido outro veículo, isento da aplicação do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março de 2006, relativo à harmonização de determinadas disposições em matéria social no domínio dos transportes rodoviários, que altera os Regulamentos (CEE) n.º 3821/85 e (CE) n.o 2135/98 do Conselho e revoga o Regulamento (CEE) n.º 3820/85 do Conselho”. E conclui que o condutor estava obrigado a apresentar o formulário a que se reporta tal Decisão por ser essa a única forma de o agente autuante poder apurar qual a real situação do veículo e do seu condutor.

    Discordamos de uma tal conclusão.

    Efetivamente a referida Decisão estabeleceu, tendo como destinatários os Estados Membros, um formulário a preencher pelo empregador nos casos de condução de veículo não abrangido pelo Regulamento (CE) nº 561/2006.

    Tal instrumento é obrigatório para os Estados Membros conforme emerge de quanto se dispõe no Artº 288º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

    Contudo, da existência do formulário a preencher para estes específicos casos não decorre diretamente a instituição de uma qualquer contraordenação, situação que carece de lei instituidora. É, aliás, a própria sentença que assume que a lei é omissa quanto às consequências de não apresentação do anexo a que se refere a Decisão, visto não prever qualquer sanção ou responsabilidade contraordenacional.

    Todavia, vem a concluir que não estando punida a omissão em causa, há uma lacuna que tem que ser integrada por via interpretativa.

    Cumpre antes de mais salientar que a interpretação extensiva não serve a integração de lacunas. Esta é regulada pela analogia. E, em matéria de qualificação criminal ou contraordenacional não é permitido o recurso à analogia (Artº 1º/3 do CP), situação que constituiria violação expressa do já mencionado princípio da legalidade.

    Na verdade, em matéria de direito sancionatório público aplicam-se, no essencial, as garantias vigentes no direito penal, especialmente aquelas que se prendem com a segurança, certeza, confiança e previsibilidade, estando fora de causa a interpretação analógica e, bem assim, a extensiva sempre que da mesma resultem questionadas aquelas garantias.

    Assim, se do Artº 25º/1-b) da Lei 27/2010 – norma tipificadora- não consta a menção à obrigação de apresentação do formulário referido na citada Decisão, não pode o intérprete decidir pela respetiva inclusão no tipo legal ou partir do pressuposto que é intenção do legislador a respetiva inclusão.

    Por outro lado, e contrariamente ao que se diz na sentença, não basta a qualquer motorista afirmar que o veículo está isento do cumprimento das obrigações reportadas no Artº 15º/7 do Regulamento Europeu. Necessário é que se verifiquem os pressupostos de aplicação da isenção.

    Concluindo, subscreve-se a motivação apresentada pela Recrte. Quando afirma que inexistindo qualquer norma que imponha ao condutor a obrigação de apresentação do formulário e qualquer norma punitiva da ausência de utilização do mesmo, não se pode ter como obrigatória a utilização de um tal documento e, muito menos, como verificada a prática de uma contraordenação.

    Por outras palavras, não...

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