Acórdão nº 947/17.5T8PTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelPAULA DO PA
Data da Resolução24 de Maio de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

P.947/17.5T8PTM.E1 Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1] 1. Relatório BB (A.) intentou ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, contra “CC, S.A. (R.), pedindo que: a) Seja considerada ilegítima a sanção de suspensão do trabalho por 3 dias, com perda de retribuição e de antiguidade, que lhe foi aplicada; b) A R. seja condenada a restituir à A. a antiguidade afetada pela aplicação da sanção disciplinar e a quantia de € 136,90, correspondente a 3 dias descontados na retribuição do mês de fevereiro de 2017; c) A R. seja condenada a conceder, a título definitivo, o transporte à A. de regresso à sua residência à hora de saída, nos moldes que concede aos restantes trabalhadores, colegas da A.; d) A R. seja condenada a proceder ao aumento do salário da A. no mesmo valor do atribuído aos restantes trabalhadores que detêm a mesma categoria profissional e desempenham as mesmas funções.

Alegou, em breve síntese, que mantém com a R. um contrato de trabalho, exercendo as funções de pagadora de banca num casino explorado pela R.. Sucede que a empregadora lhe instaurou um procedimento disciplinar por factos que são falsos, tendo-lhe sido aplicada a sanção disciplinar impugnada. Mais refere que tem sido vítima de discriminação a nível da atribuição de transporte e de aumentos salariais.

Frustrada a tentativa de conciliação realizada na audiência de partes, a R. veio contestar a ação, alegando que a trabalhadora praticou a infração disciplinar sancionada. Mais negou a acusada atitude discriminatória.

Dispensada a realização da audiência preliminar, foi proferido despacho saneador tabelar. Foi igualmente dispensada a seleção dos factos assentes e controvertidos.

Fixou-se o valor da ação em € 5.000,01.

Após a realização da audiência final, proferiu-se a sentença que julgou a ação improcedente e, consequentemente, absolveu a R. de todos os pedidos contra si deduzidos.

Inconformada com tal decisão, veio a A. interpor recurso da mesma, tendo arguido, expressa e separadamente, a sua nulidade, por contradição entre os fundamentos de facto e a decisão proferida quanto ao reclamado direito ao transporte. Finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões: «A - Da Nulidade Do Processo Disciplinar Pela Nulidade Da Prova Aí Produzida I. Resulta de toda a sentença que o processo disciplinar teve a sua origem em imagens captadas por videovigilância instaladas no casino, analisadas à posteriori e com elaboração de relatório, onde a A. presta o seu trabalho.

  1. Tal facto foi confirmado por todas as testemunhas que se debruçaram sobre a temática.

  2. Veja-se o que a testemunha … disse, bem como a testemunha …..

  3. A douta sentença diz, e cita-se: “Recai sobre a entidade patronal o ónus da prova dos factos que constituem a infração disciplinar, sendo certo que esta é um pressuposto necessário do poder de punir do empregador”.

  4. Mais refere, e cita-se: “A questão do visionamento das imagens é, na verdade, apenas uma questão de prova que onera, mais severamente a ré: é esta (e não a autora) quem tem o dever de provar, em Tribunal, a existência de factos que, no seu entender, constituem uma infração disciplinar, pelo que na falta das imagens cabe à ré, se o conseguir, provar os factos por outros meios”.

  5. Ora, reiterando o acima exposto verifica-se que o processo disciplinar assentou em Comunicação interna, datada de 30/09/2017, e Auto de Visionamento, datado de 30/09/2017, sendo que ambos os documentos configuraram prova no processo disciplinar e no processo laboral de cuja sentença ora se recorre.

  6. Assinam estes documentos as testemunhas … e …, ambos confirmando nos seus depoimentos que visionaram o facto (erro de troco feito pela A.), posteriormente, já passados vários dias, e em virtude de realizarem esta específica funções de relatório da atividade das mesas, conforme depoimento e data dos documentos.

  7. Ou seja, muito embora a Ré não apresente as imagens em si como prova, até porque não as tinha, nem as podia ter, verdade é que toda a prova que faz assenta no visionamento e escrutínio dessas imagens.

  8. E não é só um visionamento de rotina ou inocente, pois a Ré recebe relatório detalhado dos funcionários afetos ao CCTV sobre o trabalho desenvolvido pelos trabalhadores de serviço às bancas de jogo, utilizando esse relatório para iniciar um processo disciplinar e aplicar à Autora uma sanção.

  9. Tal conduta mais não é do que utilizar meios de videovigilância para fiscalizar o trabalho dos seus funcionários, ainda que a coberto do subterfúgio de estar a controlar a segurança do estabelecimento.

  10. Ora, o artigo 20.º (Meios de vigilância a distância), do Código do Trabalho, estabelece: 1 - O empregador não pode utilizar meios de vigilância a distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador. 2 - A utilização de equipamento referido no número anterior é lícita sempre que tenha por finalidade a proteção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da atividade o justifiquem.

  11. Mas a utilização lícita é aquela para qual se destina a autorização especificamente dada pela entidade competente, ou seja, uma utilização de proteção e segurança, e nunca uma utilização de fiscalização, ainda que a posteriori, do desempenho profissional dos trabalhadores.

  12. Aliás, assim estabelece o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 03-05-2006, assim sumariando: I - A licitude da videovigilância afere-se pela sua conformidade ao fim que a autorizou.

    II - Sendo o fim visado pela videovigilância exclusivamente o de prevenir ou reagir a casos de furto, vandalismo ou outros referentes à segurança de um estabelecimento, relacionados com o público - e, ainda assim, com aviso aos que se encontram no estabelecimento ou a ele se deslocam de que estão a ser filmados - só, nesta medida, a videovigilância é legítima.

    III - A videovigilância não só não pode ser utilizada como forma de controlar o exercício da atividade profissional do trabalhador, como não pode, por maioria de razão, ser utilizado como meio de prova em sede de procedimento disciplinar pois, nestas circunstâncias, a divulgação da cassete constitui, uma abusiva intromissão na vida privada e a violação do direito à imagem do trabalhador - art.os 79.º do Código Civil e 26.º da Constituição da República Portuguesa - criminalmente punível - art.º 199.º, n.º 1, alínea b) do Cód. Penal.

    IV - Embora o reconhecimento dos direitos de personalidade do trabalhador no âmbito da relação de trabalho só tenha tido consagração expressa no Código do Trabalho, já anteriormente se entendia que os direitos fundamentais consagrados na Constituição da República Portuguesa - Capítulo L Título II - e previstos no Código Civil - art.º 70.º e seguintes - tinham aplicação plena e direta aos trabalhadores no âmbito da execução do contrato de trabalho, uma vez que a celebração deste não implica a privação dos direitos que a Constituição reconhece a qualquer cidadão e o trabalhador não deixa de ser um cidadão como qualquer outro.

  13. Assim também o Acórdão do mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, de 18-05-2005, de onde se retira: «No que concerne à videovigilância a lei é clara em não permitir a utilização desses meios com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhar (art. 20.º n.º 1 do Código do Trabalho).

    Há porém situações excecionais em que é permitida a utilização desse equipamento, o que sucede sempre que tenha por finalidade a proteção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da atividade profissional o justifique - n.º 2 do art. 20.º do CT.» XV. Também o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 17-12-2014, prevê que “Não é admissível como meio de prova, em processo laboral, a captação de imagens por sistema de videovigilância; a consequência legal dessa utilização ilícita dos meios de vigilância à distância é a invalidade da prova obtida para efeitos disciplinares.”.

  14. E a verdade é que esses meios foram utilizados, embora, em diferido, controlando efetivamente e exclusivamente a prestação do trabalho efetuado pela Autora.

  15. Ora, a lei é bem clara e assim também é o seu sentido, na Lei do Jogo, artigo 52.º, n.º 4: “As gravações de imagem ou som feitas através do equipamento de vigilância e controlo previsto neste artigo destinam-se exclusivamente à fiscalização das salas de jogos, seus acessos e instalações de apoio, sendo proibida a sua utilização para fins diferentes e obrigatória a sua destruição pela concessionária no prazo de 30 dias, salvo quando, por conterem matéria em investigação ou suscetível de o ser, se devam manter por mais tempo, circunstância em que serão imediatamente entregues ao serviço de inspeção da Inspeção-Geral de Jogos, acompanhadas de relatório sucinto sobre os factos que motivaram a retenção, só podendo ser utilizadas nos termos da legislação penal e do processo penal.”.

  16. Logo, as imagens de videovigilância não podem servir para produção de relatórios de erros dos trabalhadores, salvo em caso de matéria penal, porque tal escopo não cabe na autorização nem na lógica legal que preside à autorização da videovigilância.

  17. Tanto assim foi que as imagens foram destruídas! XX. Assim, só resta concluir, que, embora a obtenção das imagens em causa tenha sido lícita, a sua utilização no contexto do procedimento disciplinar instaurado pela Ré contra a Autora gera a nulidade da prova assim obtida, prova na qual a Ré fundou o procedimento, e a consequente sanção disciplinar, e portanto determina a ilicitude desta última.

  18. Veja-se que é a testemunha … que admite, frontalmente, o uso específico das imagens, com relatório específico, para instruir processo disciplinar XXII. Além disso a Autora não teve nunca possibilidade de as visionar para confirmar o conteúdo das mesmas, perigando assim a sua defesa, pela violação do direito ao...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT