Acórdão nº 828/15.7T9STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 20 de Dezembro de 2018

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução20 de Dezembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO.

Nos autos de Processo Comum (Tribunal Coletivo) nº 828/15.7T9STR, do Juízo Central Criminal de Santarém (Juiz 2), em que é arguido AA, foi decidido: “a) Condenar AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência domestica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a), 2, 3, 4 e 5, por referência ao artigo 144.º, alínea a), do Código Penal, na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão e na pena única acessória de proibição de qualquer contacto, por qualquer meio, com a vítima MT pelo período de 5 (cinco) anos; b) Julgar integralmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido e, em consequência, condenar AA a pagar a MT a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescida de juros de mora contados, à taxa de 4 %, desde a presente data até integral pagamento; c) Condenar AA a pagar as custas criminais, fixando em 4 UC a taxa de justiça; d) Condenar o demandado no pagamento das custas civis em face do seu decaimento”.

* Inconformado com a decisão condenatória, dela interpôs recurso o arguido, formulando as seguintes (transcritas) conclusões: “1 - Compulsada a douta acusação pública, concluímos que são elencados factos ocorridos em datas não concretamente apuradas, há mais de 40 anos, supostamente ocorridos em Moçambique e ainda factos, também em datas não concretamente apuradas, ocorridos supostamente na Suíça.

2 - O artigo 4º do CP, estabelece expressamente que, salvo convenção internacional em contrário, a lei penal portuguesa é aplicável a factos praticados em território português, seja qual for a nacionalidade do agente, não cabendo o crime previsto no artigo 152º do CP na exceção prevista no artigo 5º, nºs 1 e 2, do mesmo Código.

3 - O arguido não poderá ser condenado com base nos factos supostamente praticados fora do território nacional, pelo que, os factos dados como provados nos pontos 9), 10), 11), 13) e 14), terão que ser considerados não provados, por não ser legalmente possível ao tribunal conhecê-los, já que é territorialmente incompetente para tal.

4 - Nas declarações para memória futura prestadas por MT, a mesma admite que não recebeu tratamento hospitalar de imediato por opção própria.

5 - A testemunha PP também referiu que MT esteve três dias sem receber tratamento hospitalar e que foi uma opção sua não ter recorrido ao tratamento, conforme declarações já transcritas, prestadas em 26/6/2018 (24:27 a 32:54).

6 - Também o arguido confirmou as declarações da testemunha PP, conforme declarações já transcritas, prestadas em 05/06/2018 (12:38 a 13:02).

7 - Tendo em conta a recusa de MT em receber tratamento hospitalar durante 3 dias, o que provocou necessariamente um agravamento da lesão, quer isto dizer que as Mmªs Juízes não podiam concluir que MT ficou privada do olho esquerdo em virtude da agressão.

8 - Os factos dados como provados no ponto 22) terão que ser, assim, considerados não provados.

9 - O arguido só poderá ser condenado pelo crime previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, alínea a), e nºs 2, 4 e 5 do CP, e não pelo seu nº 3, alínea a), porque da sua atuação não resultou ofensa à integridade física grave, e, assim, a moldura penal aplicável é de pena de prisão de dois a cinco anos - artigo 152º, nº 1, alínea a), e nº 2, do CP.

10 - Tendo em conta que os factos dados como provados na douta sentença, nos pontos 9), 10), 11), 13), 14) e 22) deverão ser considerados não provados pelas razões já invocadas, que o arguido se encontra a cumprir uma pena de prisão de 17 anos a partir de dezembro de 2014, que tem uma idade avançada de 70 anos, e que existem importantes circunstâncias dadas como provadas nos pontos 52), 53), 54), 55), 56), 58) e 59), que concorrem a seu favor, mostra-se adequada a aplicação de uma pena de prisão de 4 anos, suspensa na sua execução.

11 - Relativamente à matéria de facto relacionada com a perda da visão do olho esquerdo da lesada, não pode ser considerada na apreciação do valor indemnizatório a fixar, porque foi a própria lesada que concorreu para que a lesão se agravasse ao ponto de perder a vista.

12 - Acresce que, todos os factos ocorridos fora do território Português, e os danos que hipoteticamente podem ter ocasionado, não devem ser considerados na apreciação do valor indemnizatório a aplicar.

13 - O valor indemnizatório arbitrado a título de danos não patrimoniais mostra-se completamente desproporcional, violando um ponderado juízo de equidade, desajustado dos montantes habitualmente praticados pela jurisprudência vigente, mostrando-se violado o artigo 496º, nº 4, do Código Civil, ficando tais danos devidamente ressarcidos com a atribuição de uma indemnização no valor de 15.000,00 Euros”.

* A Exmª Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta, concluindo que o recurso não merece provimento.

A demandante MT apresentou também resposta ao recurso do arguido, entendendo que o mesmo é de improceder.

Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, no qual conclui que o recurso não merece provimento.

Cumprido o disposto no nº 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal, não foi apresentada qualquer resposta.

Efetuado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência.

II - FUNDAMENTAÇÃO.

1 - Delimitação do objeto do recurso.

Quatro questões, em breve síntese, são suscitadas no recurso interposto pelo arguido, segundo o âmbito das correspondentes conclusões, as quais delimitam o objeto do recurso e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal: 1ª - Incompetência do tribunal a quo para apreciar e julgar os factos ocorridos fora do território Português.

  1. - Impugnação alargada da matéria de facto (do facto provado relativo à existência de nexo causal entre a agressão do arguido e a perda de visão no olho esquerdo da vítima - conforme factos constantes do acórdão sub judice sob os nºs 19 a 22 -), com a correspondente diferente qualificação jurídica dos factos.

  2. - Medida concreta da pena de prisão aplicada (pena que deve ser fixada em 4 anos, suspensa na respetiva execução).

  3. - Montante da indemnização atribuída a título de ressarcimento dos danos sofridos pela demandante.

2 - A decisão recorrida.

O acórdão revidendo é do seguinte teor (quanto aos factos, provados e não provados, e quanto à motivação da decisão fáctica): “FACTOS PROVADOS Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos com interesse para a boa decisão da mesma: 1) AA e MT casaram entre si no dia 26 de Novembro de 1967.

2) AA e MT tiveram dois filhos, PD, nascida em 3 de Dezembro de 1968, e HD, nascido em 5 de Dezembro de 1977.

3) Ao longo do seu casamento, AA e MT mantiveram uma relação e viveram em conjunto em Portugal, em Moçambique, na Suíça cerca de 30 (trinta) anos e, finalmente, na residência sita na Travessa…, Casais, desde data não apurada, desde a data em que contraíram matrimónio até ao dia 21 de Dezembro de 2014.

4) Durante toda a relação, AA ingeria bebia alcoólicas em excesso e manifestava ciúmes a MT.

5) Durante toda a relação, AA agrediu diversas vezes MT com murros na cabeça e pontapés na barriga.

6) Durante toda a relação, AA dirigiu a MT diversas vezes palavras como “Puta”, “Vaca”, “Tu não vales nada nada”, “ Bruxa”, “Não prestas para nada” e “vou-te matar, eu mato-te”.

7) AA disse igualmente diversas vezes a MT, que esta tinha amantes e de não ter casado consigo virgem.

8) Durante o relacionamento, AA dormia habitualmente com armas, cujas características concretas não se apuraram, debaixo da almofada.

9) Em data não concretamente apurada, há cerca de 44 (quarenta e quatro) anos, em Moçambique, AA desferiu em MT, na presença da filha menor, PD, murros na cabeça e empurrões.

10) Noutra ocasião, em data não concretamente apurada, há cerca de 44 (quarenta e quatro) anos, em Moçambique, AA discutiu com MT, na presença da filha menor, PD, tendo-lhe atirado o prato com comida para cima, causando-lhe ferimentos no braço.

11) Noutra ocasião, em data não concretamente apurada, há cerca de 43 (quarenta e três) anos, em Moçambique, num parque de estacionamento, MT discutiu com AA sobre uma possível traição amorosa, na presença da filha menor, PD, tendo aquele desferido chapadas e murros na cabeça da ofendida.

12) Noutra ocasião, em data não concretamente apurada, no Pintado, Portugal, numa noite de Natal, AA, na presença da filha menor, PD, disse para MT, que estava com o filho menor HD ao colo, “suas putas, o que estão a fazer a olhar para mim” e atirou-lhe um banco, atingindo-a de raspão, na cara.

13) Noutra ocasião, em data não concretamente apurada, mas durante a constância do matrimónio e o período em que o casal residiu em conjunto em Genéve, na Suíça, AA discutiu com MT, na presença da filha menor, PD, tendo aquele desferido golpes nas pernas da mesma, com correntes de pneus do carro, causando-lhe dores e hematomas.

14) Em data não concretamente apurada, há cerca de 20 (vinte) anos, na Suíça, AA fechou MT e a filha em comum, na cozinha da residência que habitavam e despejou um extintor pela fechadura, enquanto dizia que matava a primeira.

15) Em data não concretamente apurada, aproximadamente no ano 2000, em Martinchel, Tomar, dentro do carro, AA discutiu com MT, dizendo-lhe “cala-te, vai para o caralho, puta, vaca”.

16) Mais tarde, nessa noite, na residência que habitavam, AA desferiu murros e chapadas na cabeça de MT, tendo a filha, PD, pedido ao arguido para parar.

17) Nesse instante, AA mostrou uma pistola, cujas características não se apuraram e disse: “Parou, vocês parem, não digam mais nada que eu preciso de arejar”.

18) Em data não concretamente apurada, em Portugal, na residência onde habitavam, AA, na sequência de uma discussão apontou uma faca a MT, chamou-lhe de “puta” e “vaca” e arremessou aquele objeto na sua...

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