Acórdão nº 2647/06.2TAGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Julho de 2014

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução10 de Julho de 2014
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os juízes na secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães, 1. Nestes autos de processo comum n.º 2647/06.2TAGMR e após a realização da audiência de julgamento por tribunal singular, o 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães proferiu sentença que concluiu com o seguinte dispositivo (transcrição) : “Pelo exposto, julgo a acusação procedente e, em consequência, decido: - Condenar o arguido Francisco L..., pela prática, em autoria material e em concurso efetivo, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 217.º, n.º 1, 218.º, n.º 1, 202.º, al. a), 14.º, n.º 1, 26.º, 1.ª parte, e 30.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 340 (trezentos e quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros); - Condenar o arguido Francisco L..., pela prática, em autoria material e em concurso efetivo, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 256.º, n.º 1, alínea c), e n.º 3, 255.º, al. a), 14.º, n.º 1, 26.º, 1.ª parte, e 30.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 340 (trezentos e quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros); - Em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, condenar o arguido Francisco L...

na pena única de 480 (quatrocentos e oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros); - Condenar o arguido nas custas criminais, fixando-se em 3 (três) UC a taxa de justiça; B – Julgar o pedido de indemnização civil deduzido a fls. 379 a 407, com a redução operada a fls. 670 a 674, parcialmente procedente por parcialmente provado e, em consequência: - Absolver a demandada “Cozinha Ú... – Comércio E..., Unipessoal Ld.

ª” do pedido de indemnização civil contra ela formulado pelos demandantes Mário S...

e Maria M...

; - Absolver a demandada “B... – Instituição Financeira de Crédito, S.A.

” do pedido de indemnização civil contra ela formulado pelos demandantes Mário S... e Maria M...; - Condenar o demandado Francisco L... a pagar aos demandantes Mário S... e Maria M... a quantia de € 1.329,82 (mil trezentos e vinte e nove euros e oitenta e dois cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde 15/05/2012 até efetivo e integral pagamento; - Condenar o demandado Francisco L... a pagar aos demandantes Mário S... e Maria M... a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, sendo € 750,00 (setecentos e cinquenta euros) para cada um dos demandantes, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a presente decisão até integral pagamento, absolvendo-o do mais pedido; Desta sentença interpuseram recurso os assistentes e demandantes Mário S...

e Maria M..., inconformados com a absolvição dos demandados civis Cozinha Ú... e B... Crédito S.A. e discordando dos valores atribuídos na sentença a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.

Com o presente recurso, os demandantes pretendem a revogação da sentença e consequente substituição por outra decisão que condene todos os demandados, solidariamente, no pagamento aos demandantes de quantia referente a juros vencidos sobre o montante debitado indevidamente pelo B... CRÉDITO S.A., da quantia de 150 € por cada mês entre Fevereiro de 2006 e Julho de 2012, em que ficaram privados do uso dos bens que lhe foram penhorados, num total de 11700 €, da quantia de 5000 € despendida pelos demandante na aquisição de bens móveis e da quantia de 7500 € a cada um dos demandantes por danos não patrimoniais.

Não houve resposta ao recurso.

Realizada a audiência a requerimento dos demandantes, cumpre apreciar e decidir.

  1. Questões a decidir Como tem sido entendimento unânime, o objecto do recurso e os poderes de cognição do tribunal da relação definem-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, onde deve sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir as razões do pedido - artigos 402º, 403.º e 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, naturalmente que sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso (cfr. Silva, Germano Marques da, Curso de Processo Penal, Vol. III, 1994, p. 320; Albuquerque, Pinto de, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª ed. 2009, pag 1027 e 1122, Santos, Simas, Recursos em Processo Penal, 7.ª ed., 2008, p. 103; entre outros os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271; de 28.04.1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, p. 196).

    Os argumentos expostos pelo recorrente, ao longo de sessenta e quatro conclusões, abrangem os seguintes temas ou questões, pela ordem lógica de conhecimento: a) Impugnação da decisão em matéria de facto; c) Verificação de fundamentos, de facto e de direito, da responsabilidade civil dos demandados; d) Valor da indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.

  2. Matéria de facto Para a fundamentação da presente decisão, torna-se imprescindível transcrever parcialmente a sentença objecto de recurso.

    O tribunal recorrido julgou provada a seguinte matéria de facto (transcrição): “Da acusação pública: 1) Em data não concretamente apurada, de inícios de Setembro de 2002, o arguido dirigiu-se aos assistentes Mário S... e Maria M..., irmão e cunhada, respetivamente, pedindo-lhes para serem fiadores num contrato de financiamento que o mesmo pretendia celebrar para a aquisição de electrodomésticos e mobiliário de cozinha.

    2) Contudo, os assistentes Mário S... e Maria M... negaram-se a assumir tal posição.

    3) Altura em que o arguido, aproveitando o facto de ter na sua posse cópia dos documentos de identificação dos assistentes Mário S... e Maria M..., decidiu, sem o conhecimento deles e contra a sua vontade, realizar um contrato de financiamento de crédito obrigando-os ao respetivo pagamento, de forma a adquirir o mobiliário e equipamento de cozinha sem pagar o respetivo preço.

    4) Assim, em execução do planeado, em 6 de Setembro de 2002, o arguido dirigiu-se às instalações da sociedade “Cozinha Ú... – Comércio E..., Unipessoal, Ld.ª ”, sita no Edifício P..., M..., 4810-000 Guimarães, e, aí, escolheu o equipamento e o mobiliário de cozinha que pretendia adquirir, entregando os elementos de identificação dos assistentes Mário S... e Maria M... para a celebração do contrato de financiamento.

    5) De seguida, o arguido manuscreveu, em impresso próprio titulado por “contrato de financiamento para aquisição de bens de consumo duradouros”, no local de assinatura do 1.º mutuário, o nome do assistente / seu irmão “Mário L...”, trocando por força do hábito a ordem dos apelidos, e no local do 2.º mutuário, o nome da assistente / sua cunhada “Maria M...”, assim criando a aparência de que tais nomes tinham sido assinados pelos próprios ou com a sua autorização.

    6) E de igual forma, preencheu e assinou os nomes dos assistentes Mário L... e Maria M... na livrança n.º 21179 subscrita para garantia do bom e integral pagamento do contrato de financiamento, assim como na convenção de preenchimento da livrança.

    7) O crédito teve aprovação imediata, com pagamento pela assistente “B... – Instituição Financeira de Crédito, S.A.” à “Cozinha Ú... – Comércio E..., Unipessoal Ld.ª” do montante financiado de € 7.213,00, pelo que o mobiliário e equipamento de cozinha foram entregues ao arguido, que os fez seus.

    8) Na sequência da celebração de tal contrato, em que o financiamento seria pago em 36 mensalidades, a primeira no valor de € 312,91 e as restantes no valor de € 276,84, no total de € 10.002,31, a primeira com vencimento em 5/10/2002 e as restantes em igual dia dos meses subsequentes, foram debitadas diretamente de uma conta conjunta titulada pelos assistentes Mário S... e Maria M... várias prestações no valor total de € 4.186,87 (quatro mil cento e oitenta e seis euros e oitenta e sete cêntimos).

    9) E a entidade financeira / a assistente “B... – Instituição Financeira de Crédito, S.A.”, quando deixou de conseguir o pagamento do valor correspondente às prestações ainda em dívida, executou a livrança que servia de garantia ao empréstimo, subscrita pelo arguido em nome dos assistentes Mário S... e Maria M..., preenchendo-a com o valor ainda em dívida, de € 5.957,00 (cinco mil novecentos e cinquenta e sete euros), na sequência do que foram penhorados bens móveis da propriedade dos assistentes Mário S... e Maria M....

    10) Jamais o arguido deu conta dos seus atos aos assistentes Mário S... e Maria M..., usando o seu nome, assinatura e documentos, entre o mais, sem lhes comunicar o que quer que fosse e sem deles obter autorização para tal, bem sabendo que estes não o autorizariam a agir do modo como agiu.

    11) Ao assim actuar, o arguido bem sabia que mediante a aposição de uma assinatura com o nome de Mário S... e Maria M... na posição de mutuários do contrato descrito em 5), e subscritores da livrança descrita em 6), forjava um contrato e um título de crédito destinado a instruí-lo, obtendo para si uma vantagem patrimonial que sabia ser ilegítima, sendo certo que estava ciente que dessa forma abalava a fé pública associada a esses documentos.

    12) O arguido sabia que a entidade financeira se sabedora das circunstâncias em que os assistentes Mário S... e Maria M... apareceram no contrato de financiamento de crédito como mutualistas e na livrança como subscritores, jamais aprovaria o dito “contrato de financiamento” descrito em 5).

    13) Não obstante, agiu o arguido em execução do plano que concebeu, com o propósito concretizado de forjar o contrato...

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