Acórdão nº 30/11.7GBAVV.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Junho de 2014

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução30 de Junho de 2014
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães, 1. Nestes autos com nº 30/11.7GBAVV do Tribunal Judicial de Arcos de Valdevez, João C... constituiu-se assistente e formulou acusação particular contra Luís P..., advogado, imputando-lhe o cometimento de um crime de injúria e de um crime de difamação, previstos e punidos, respectivamente nos artigos 180.º n.º 1 e 181.º n.º 1 do Código Penal, agravados nos termos do artigo 184.º do mesmo diploma legal, por factos ocorrido no dia 24 de Janeiro de 2011 na audiência de julgamento da oposição à execução sob o n.º 173/12.0TBAVV-A, em que o assistente era oponente e o arguido mandatário de requerido.

O Ministério Público acompanhou a acusação particular, mas qualificando os factos indiciados como integrando um crime de injúria simples previsto e punido pelo artigo 181.º do Código Penal.

Procedeu-se a instrução requerida pelo arguido e após o debate instrutório, o Mm.º juiz proferiu decisão de não pronúncia.

  1. A decisão instrutória tem o seguinte teor (transcrição parcial) : “III. - Fundamentação A) De facto 1. Com relevância para a questão decidenda resulta indiciada a seguinte factualidade: 1.1. - No dia 24 de Janeiro de 2011, pelas 14h30, decorreu no Tribunal Judicial de Arcos de Valdevez, audiência de julgamento no âmbito da oposição à execução sob o n.º de processo 173j12.0-TBAW-A, em que o aqui assistente era oponente e o arguido mandatário do oponido.

    1.2. - No decorrer desse julgamento, e quando procedia à inquirição do assistente, que prestou depoimento de parte, à inquirição das testemunhas e às alegações finais, o arguido proferiu consecutivamente a alto e bom som, dirigido quer diretamente para o assistente, quer para quem se encontrava presente na sala de audiências, as seguintes expressões: "é um caloteiro, que é como se chama a quem deve e não paga!" 1.3. - O denunciado proferiu ainda diversas vezes as seguintes expressões, referindo-se sempre ao assistente: " ... vive de esquemas"; " ... não passa de um chico esperto" e " ... é um chico esperto que veio de Lisboa para enganar os parolos dos Arcos ... " 1.4. - Ainda durante a referida audiência, e já após ter sido avisado pelo Meritíssimo Juiz que realizava aquela audiência de julgamento, o denunciado referiu ainda repetidas vezes que o ofendido: " ... até podia ter gasto a quantia exequenda nas meninas ... " e que " ... vinha de Lisboa habituado a manigâncias ... ", tudo conforme consta da gravação da audiência de julgamento do processo acima referenciado.

    1.5. - Fruto da referida conduta do denunciado, o arguido foi novamente avisado pelo Meritíssimo Juiz para não continuar com aquele tipo de linguagem na audiência de julgamento.

    1.6. - As referidas expressões foram proferidas de forma a serem ouvidas por quem estava no interior da sala de audiências, o que de facto sucedeu.

  2. Com relevância para a questão decidenda não resulta indiciada, nomeadamente, a seguinte factualidade: 2.1. - O arguido quando tinha a instância ultrapassou consecutivamente os limites do respeito, da urbanidade e da obrigatória conduta de civilidade que lhe é imposto como cidadão e como advogado.

    2.2. - O Assistente é pessoa de respeito e conceituada no meio em que vive, pelo que, fruto de todo o supra exposto se sentiu profundamente ofendido, humilhado e até revoltado.

    2.3. - O denunciado agiu livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei até porque sobre ele impende o dever acrescido de conhecer a lei e de respeitar os demais dentro de um tribunal.

    2.4. - Além do mais ficou demonstrada a sua intenção em diretamente ofender e difamar o assistente, quando, após advertência do meritíssimo juiz, continuou com a referida conduta.

  3. Motivação da convicção do Tribunal Nos termos do disposto no artigo 127.° do Código de Processo Penal, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador, inexistindo, portanto, quaisquer critérios pré-definidores do valor a atribuir aos diferentes elementos probatórios.

    A convicção do Tribunal fundou-se em todos os meios de prova produzidos. Assim, teve-se em conta o interrogatório do arguido Luís P... (cfr. fls. 60-61; em síntese referiu que não teve qualquer intenção de ofender o queixoso na sua honra e consideração, o qual não conhece), as declarações ao assistente João C... (cfr. fls. 39; o qual reiterou o teor da sua queixa), os depoimentos das testemunhas Maria A... (cfr. fls. 40; Oficial de Justiça em exercício de funções neste Tribunal Judicial; não se recorda de terem sido proferidas as imputadas expressões, pois estava atenta aos seus afazeres), Cláudia C...(cfr. fls. 57; referiu que na altura estava na audiência de julgamento enquanto mandatária do denunciante e que ouviu o arguido a proferir as expressões constantes na queixa, mas não soube dizer se o denunciado teve intenção de ofender o ora queixoso).

    A dúvida sobre a responsabilidade é a razão de ser do processo. Efectivamente o processo nasce porque uma dúvida está na sua base e uma certeza deveria ser o seu fim. Mas sucede frequentemente que a dúvida inicial permanece a dúvida final, malgrado todo o esforço para a superar. Em tal situação, o princípio político-jurídico da presunção de inocência imporá sempre a absolvição do arguido.

    No caso concreto dos autos, desde logo, verifica-se manifesto que não existem indícios seguros que fundamentem a prática pelo arguido dos factos abstractamente subsumíveis aos tipos de ilícitos criminais imputados pelo assistente, no que se refere aos respetivos elementos subjetivos. Com efeito, nenhum elemento seguro e isento corrobora a versão do assistente de que o arguido, na altura no papel de mandatário forense da parte litigante contrária, teve intenção de ofender na honra e consideração o ora queixoso (por injúria ou difamação), pessoa que de resto nem conhece.

    No desempenho da sua ilustre função, o ora arguido, procurou defender os interesses do seu constituinte em audiência de julgamento. Sem dúvida que proferiu "expressões pouco simpáticas", mas temos que analisar devidamente o tempo/forma/modo em que as mesmas foram proferidas. Em primeiro lugar, importa referir que as expressões foram transmitidas oralmente, a quente, sem ter tempo para friamente se pensar no seu teor (coisa diversa seria se as mesmas fossem escritas, eventualmente na serenidade do escritório do ora arguido, em que teria tempo para refletir, escrever e possivelmente apagar as mesmas). Em segundo lugar, há que considerar que o assunto em discussão no julgamento era uma dívida, ou seja, discutia-se o alegado não pagamento por parte do ora queixoso...

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