Acórdão nº 1011/11.6GBBCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Setembro de 2012
Magistrado Responsável | FERNANDO CHAVES |
Data da Resolução | 10 de Setembro de 2012 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães I – Relatório 1.
Nestes autos de processo comum com intervenção do tribunal singular n.º 1011/11.6GBBCL, a correr termos no 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Barcelos, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido Rui F..., com os sinais dos autos, imputando-lhe a prática de um crime de violência doméstica previsto e punido pelo artigo 152.º, nºs 1, a) e 2 do Código Penal.
Na sequência da abertura de instrução requerida pelo arguido veio este a ser pronunciado pelos factos e incriminação constantes da acusação pública.
* Ao abrigo do disposto nos artigos 71.º, 74.º e 77.º do Código de Processo Penal foi deduzido pedido de indemnização civil pela assistente Ana L..., a qual pede que o arguido, em virtude dos factos praticados, seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 2.500,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, calculados desde a data da notificação até integral pagamento.
* Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença que decidiu absolver o arguido da prática do crime por que vinha pronunciado, assim como do pedido de indemnização civil que contra ele foi deduzido.
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Inconformada com a sentença, dela interpôs recurso a assistente Ana L..., retirando da sua motivação as seguintes conclusões (transcrição): “A.
Nas circunstâncias melhor descritas nos autos, o Arguido Rui F...
procurou a ora Recorrente, sua ex-cônjuge, deslocando-se, nos dias 13 de Junho, 10 de Julho e 10 de Agosto de 2011, à sua habitação, na qual se introduziu sem autorização, revistando todas as divisões e compartimentos e a ela se dirgindo com imputações, impropérios e ameaças de morte e de violência física e sexual.
B.
No dia 13 de Junho e 10 de Julho, o Arguido praticou os factos descritos na presença da filha menor de ambos.
C.
E, no dia 10 de Agosto, agrediu fisicamente a Recorrente agarrando-a pelo pescoço e empurrando-a para trás, após a mesma ter solicitado a intervenção da GNR.
D.
O Arguido actuou da forma descrita, mesmo após se ter comprometido perante o mesmo julgador, em sede de audiência de discussão e julgamento realizada no âmbito do processo comum singular n.º 1608/10.1GBBCL, a não estabelecer qualquer contacto físico ou verbal com a aqui Recorrente.
E.
Por sentença proferida em 24 de Abril de 2012, o Arguido foi, porém, absolvido da prática do crime de violência doméstica de que vinha pronunciado na sequência dos factos descritos.
F.
Tendo a decisão absolutória se baseado, essencialmente: a) nas declarações do Arguido que negou o que lhe era imputado explicando que se dirigiu à habitação na noite do dia 10 de Julho para se inteirar do estado de saúde da sua filha que, naquela manhã, havia sofrido ligeira entorse, e b) nas declarações da Testemunha Ricardo M...
, militar da GNR, que explicou que, no dia em que se deslocou à habitação da ora Recorrente (10 de Agosto), a mesma se limitou a dizer que o Arguido não poderia, com ela, contactar fisica ou verbalmente, o que, para o tribunal a quo, demonstra a não ocorrência de violência doméstica porquanto a Recorrente não afirmou, naquele momento, de tal ter sido vítima.
G.
Concluiu o Meritíssimo Juiz a quo inexistirem factos que conduzam à condenação do Arguido, não tendo resultado provada a prática pelo Arguido de qualquer facto qualificado na lei penal como crime.
H.
Não poderá, contudo e salvo o devido respeito, a aqui Recorrente conformar-se com tal decisão a qual enferma de lapsos e de erros manifestos quer na apreciação da prova quer no seu enquadramento jurídico.
I.
Com efeito, o crime de violência doméstica traduz-se, geralmente, na ocorrência intra muros de maus tratos, sendo, por conseguinte, comum a escassez de elementos de prova que fundamentem a verificação deste tipo legal.
J.
Ao julgador razoável e experiente caberá, pois, a minuciosa interpretação dos factos e a correcta subsunção dos mesmos ao direito, o que, naturalmente, dependerá de um conhecimento adequado do fenómeno social subjacente à problemática da violência doméstica.
K.
Mas, ainda que pudesse considerar-se não resultar, in casu, provada em pleno a factualidade imputada ao Arguido, não poderia concluir-se pela manifesta inexistência de factos que evidenciem a prática de maus tratos psíquicos.
L.
Na verdade, a ratio do tipo legal de crime de violência doméstica reside na protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana, sendo o bem jurídico protegido, em particular, a saúde nas suas vertentes física, psíquica e mental.
M.
A incriminação em causa visa, neste sentido, salvaguardar, também, o normal desenvolvimento da personalidade contra os comportamentos que perturbem o bem-estar emocional, o sossego e a tranquilidade, nomeadamente aqueles que se manifestam sob a forma de abuso verbal, ameaças, intrusões e provocações, o que inequivocamente ocorreu, repetidas vezes, no caso presente.
N.
Entre o Arguido e a Recorrente existe compromisso, declarado ele perante o mesmo julgador no âmbito do mencionado processo-crime, de não contactarem fisica ou verbalmente, e as questões relativas à filha menor de ambos são desde sempre, resolvidas através da irmã do Arguido, pessoa da confiança de ambos.
O.
Tal é revelador da animosidade existente e, particularmente, da perturbação, intranquilidade e desassossego que o Arguido provoca na Recorrente sendo certo que foi sempre o Arguido quem procurou estabelecer contacto com a Recorrente contra a vontade da mesma, o que, aliás, motivou o presente processo.
P.
Resultou, na verdade, provado, na sentença recorrida, que, no dia 10 de Julho de 2011, o Arguido esperou pelo regresso da Recorrente a sua casa, junto da residência da mesma.
Q.
Deu-se, também, como provado que, no dia 10 de Agosto de 2011, o Arguido se introduziu na habitação da Recorrente sem sua autorização onde encetou uma discussão, sem fundamento R.
E, embora o Arguido tenha explicado que no referido dia 10 de Julho apenas pretendia inteirar-se do estado de saúde da sua filha que havia sofrido uma ligeira entorse – o que no entender da Recorrente é inusitado e implausível atendendo a que o Arguido havia sido anteriormente informado por pessoa de confiança que se tratava de algo insignificante –, certo é que o mesmo não tinha fundamento para os factos ocorridos no dia 10 de Agosto.
S.
Por conseguinte, os referidos comportamentos demonstram inequivocamente o desrespeito do Arguido pelo que havia assumido em tribunal e, particularmente, pela vontade e pela privacidade da Recorrente, consubstanciando a prática de maus tratos psíquicos com consequências no bem estar emocional da Recorrente, aliás, atestadas pelas testemunhas, embora ignoradas pelo tribunal recorrido.
T.
Refere, na verdade, a Testemunha Ricardo M...
, militar da GNR que se deslocou à habitação da Recorrente no dia 10 de Agosto após a mesma ter solicitado a intervenção da GNR, que a Recorrente «estava notoriamente perturbada com a situação» (Cfr.
CD; Testemunha Ricardo M...; 00:03:05 a 00:03:30).
U.
A perturbação da Recorrente é, também, atestada pelo facto de, perante o comportamento violento do Arguido, a mesma ter contactado a amiga, Testemunha Carmen B...
que perante o tribunal afirmou ter ouvido, através do telefone, o Arguido «a falar alto» (Cfr.
CD; Testemunha Carmen B...; 00:02:33 a 00:02:55) e a que Recorrente «estava assustada» (Cfr.
CD; Testemunha cit.; 00:01:31 a 00:02:00).
V.
Circunstância essa que não foi devidamente valorada pelo Merítissimo Juíz a quo.
W.
Confrontados com todas esta evidências, não se entende que o tribunal a quo tenha considerado tal factualidade insuficiente para se concluir pela verificação do crime de violência doméstica, pelo menos, sob a forma de maus tratos psíquicos os quais, obviamente, compreendem os factos descritos e dados como provados pelo tribunal recorrido X.
Face ao exposto, resta concluir que o tribunal recorrido interpretou incorrectamente o n.º 1 do artigo 152.º do Código Penal, nomeadamente por ter entendido, erroneamente, que os factos dados como provados não integram o conceito de maus tratos psíquicos para os efeitos do referido artigo, devendo, por conseguinte, ser revogado a douta decisão e substituída por outra que condene o Arguido pela prática dos factos constantes da...
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