Acórdão nº 1097/12.6TBGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25 de Setembro de 2012
Magistrado Responsável | FILIPE CARO |
Data da Resolução | 25 de Setembro de 2012 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I.
D.., casado, residente no Bairro..– Ponte da Barca, instaurou acção declarativa, sob a forma de processo sumário, contra V..Empresa de Água e Saneamento.., EIM S.A, com sede na Rua.., Guimarães; EP – Estradas de Portugal S.A, ..,Braga, e Companhia de Seguros.., S.A., Rua .., Lisboa, alegando, aqui em sínteses, que no dia 15 de Maio de 2011, ao conduzir o seu veículo com matrícula .. na E.N. 101 em Serzedelo, Guimarães, pela meia faixa direita, destinada à sua circulação, com toda a atenção e cuidado, caiu repentinamente num buraco aberto no pavimento da via, de onde resultaram vários danos no veículo cuja reparação orça em € 4.106,86.
O buraco fora aberto na faixa de rodagem pelos serviços da R. V.. para reparar o rebentamento de uma conduta de água que subterraneamente atravessa aquela estrada, desconhecendo-se se tinha autorização da R. Estradas de Portugal, S.A. para o efeito, e o acidente ocorreu depois da reparação da conduta, mas antes de taparem o buraco, sem que deixassem qualquer tipo de sinalização ou informação sobre a sua existência. Nenhum condutor de veículos automóveis ou outros que circulasse naquela estrada, com a atenção devida, poderia aperceber-se da cratera do buraco existente no asfalto.
Demanda a R. Companhia de Seguros.., S.A. por ter informação de que a V.. celebrou com ela um contrato de seguro que, porventura, cobrirá os riscos dos trabalhos efectuados pela mesma nas vias públicas.
Propõe a acção contra a Estradas de Portugal, S.A., porque lhe cabe, por direito de exploração, a obrigação de vigilância e cuidado de manter a Estrada Nacional 101 com a possibilidade de circulação segura e cómoda dos utentes dessa mesma estrada, sem a existência de crateras e buracos imprevistos e imprevisíveis, que podem ocasionar sinistros como o dos autos ou de consequências mais gravosas, não tendo dado cumprimento a esse dever de diligência e vigilância.
Por causa dos danos, o A. teve despesas e ficou temporariamente privado do uso do veículo, o que também dá origem à obrigação de indemnizar.
Termina com o seguinte pedido: «Nestes termos e nos melhor de direito, deve a presente acção ser julgada procedente por provada, e por via dela os R.R. condenados solidariamente, a pagar ao A. a quantia já liquidada de 4.128,86 euros, acrescida de juros legais a partir da data de citação até efectivo e real pagamento e ainda a quantia de trinta euros diários, acrescida de juros legais, tudo contado a partir da data de citação e até que os R.R. dêem ordem de reparação da viatura sinistrada, e esta seja efectivamente reparada e entregue ao A., bem como custas e todas as despesas do processo» (sic) Citada, a R. V.. Empresa de Águas e Saneamento de.., E.I.M., S.A. ofereceu contestação, abrindo incidente de intervenção de terceiros principal provocada de C..,S.A.
Começou por invocar a excepção da incompetência do tribunal em razão da matéria alegando que, sendo a contestante uma empresa intermunicipal de capitais públicos, cujo objecto principal se relaciona com a gestão e exploração dos sistemas públicos de captação, tratamento e distribuição de água para consumo publico e de drenagem e tratamento de águas residuais na área dos municípios de.., é uma pessoa colectiva de direito público, pelo que, com base na sua alegada responsabilidade civil extracontratual, a acção deve ser tramitada na jurisdição administrativa, conforme decorre do art. 4°, n.º l, al. g), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF).
Ainda que dando a 1ª R. a execução de uma obra na rede de abastecimento de água e saneamento, de empreitada a uma empresa privada, actuou no âmbito da gestão pública da rede pública de saneamento, o que configura um acto de gestão pública de bens essenciais de natureza pública e interesse comum. Atendendo às funções da R., à sua natureza jurídica, ao carácter público da via em causa nestes autos, entre outros factores, é evidente que o facto danoso cuja prática se imputa à R. foi praticado (ainda que através de terceiros) no exercício de uma actividade de gestão pública, por delegação de poderes públicos que têm origem nas Autarquias Locais, e não como um qualquer particular.
Com efeito, entende que é competente para apreciar o litígio o tribunal Administrativo e Fiscal, onde, na sua perspectiva, a acção deve ser intentada, devendo a contestante ser absolvida da instância, ao abrigo dos art.ºs 493º, nº 2 e 494º, al. a), do Código de Processo Civil.
Para além desta excepção dilatória, invocou ainda a sua ilegitimidade, alegando, além do mais, que todos os factos passíveis de vir a permitir concluir pela efectivação de responsabilidade civil extra-contratual, apenas podem ser imputados ao empreiteiro, C.., S.A., porquanto a primeira R. não teve qualquer intervenção directa no local em causa nestes autos, sendo que qualquer defeito na execução das obras que tenha permitido a subsistência ou surgimento de um buraco na estrada, é da responsabilidade do empreiteiro. Além disso, a obra estava ainda dentro do prazo de garantia a que estava obrigado o empreiteiro pela boa execução dos trabalhos.
Perspectiva assim a sua absolvição da instância por ilegitimidade passiva, requerendo a intervenção principal do referido empreiteiro.
Passou depois a contestante a impugnar grande parte dos factos articulados pelo A., fazendo ainda notar que, pelo objecto das suas atribuições nunca será seu o dever de vigilância das vias rodoviárias, mas do Município ou da Estadas de Portugal, S.A.
Em todo o caso, ainda qua alguma responsabilidade houvesse da parte da R. contestante, sempre a sua responsabilidade civil estaria transferida para a R. Companhia de Seguros.., S.A. até ao montante de € 5.000.000,00 por força de apólice de seguro entre elas existente.
Terminou assim: «Termos em que deve: a) na procedência da excepção de incompetência, julgar-se o tribunal incompetente em razão da matéria para conhecer da presente acção; b) julgar-se a primeira R. parte ilegítima na presente acção e, em consequência, absolvê-la da instância; ou quando assim não se entenda, c) julgar-se a acção totalmente improcedente por não provada e, em consequência, a R. ser absolvida do pedido, isto com as consequências legais; d) ser admitida a intervenção principal requerida, nos termos do art. 325° e seguintes do Código de Processo Civil, sendo a empresa C.., S.A., com sede na Av.., Porto, NIPC 500 326 002, chamada a intervir por meio de citação para contestar, seguindo-se os ulteriores termos legais.
A EP - Estradas de Portugal, S.A. também contestou a acção, começando por suscitar a incompetência material do tribunal comum, alegando que a contestante é uma pessoa colectiva de direito público e que o acto (omissão de vigilância e sinalização) pelo qual se pretende responsabilizá-la foi praticado no âmbito de uma actividade de gestão pública. Para o desenvolvimento da sua actividade, a R. assume a posição do Estado, mas por questões de oportunidade, eficiência, agilidade e transparência adopta a forma de sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos (cf. artigo 3.° do Decreto Lei n.º 558/99 de 17 de Dezembro, alterado e republicado pelo Decreto-lei nº n.º 300/2007, de 23/8). O facto de ser uma sociedade anónima não é suficiente para a qualificar como uma entidade privada e não afecta a natureza do regime jurídico (administrativo) pelo qual a R. rege a sua actividade, como sejam a contratação de serviços de terceiros (código de contratos públicos), fiscalização da estrada (contra-ordenações e intimações), aprovações, autorizações e licenciamentos de obras dentro ou fora da zona da estrada (código de procedimento administrativo), liquidação e cobrança de taxas (código de procedimento e processo tributário e lei geral tributária), pelo que deve ser qualificada como pessoa colectiva de direito público.
Acrescenta que a situação dos autos integra a al. g) do nº 1 do art.º 4º do ETAF.
Por outro lado, a conservação de uma estrada, mais precisamente da EN 101 (local do acidente), insere-se no âmbito do desempenho das atribuições da R. (cf. n.º 1, do art.º 4°, nº 1, do art.º 10º, ambos do Decreto-lei nº 374/2007), com vista à realização dos seus fins, pelo que tais actos, considerando esses fins, são necessariamente de direito público, sejam eles de construção, de conservação, sinalização ou de mera fiscalização. Por isso a R. não está despida do seu jus imperii, actuando, por isso, fora de uma posição de paridade com os particulares, do seu regime e condições, e na prossecução de um fim público com vista à realização de uma finalidade colectiva. Neste aspecto trata-se de um acto de gestão pública. Caso se classificasse a R. como entidade privada (o que não se aceita), sempre seria competente para conhecer do presente pedido o tribunal administrativo por integração dos requisitos previstos na al. i), do n.º 1, do artigo 4.° do novo ETAF.
Ainda por outra via, se compete aos tribunais administrativos e fiscais apreciar os litígios que tenham por objecto a responsabilidade civil extracontratual do Estado nos domínios de gestão pública, então caberá aos mesmo tribunais, por força de norma especial (al. h), do n.º 2, do artigo 10.° do Decreto-lei nº 374/2007), apreciar litígios cujo objecto seja a responsabilidade civil extracontratual da R.
Concluiu, quanto a este ponto, que o Tribunal Judicial de Guimarães é manifestamente incompetente em razão da matéria para apreciar o presente pedido relativamente à R., sendo a incompetência conhecida e declarada oficiosamente pelo tribunal ou a pedido de qualquer das partes (artigo 102.° do Código de Processo Civil).
Passou a impugnar parcialmente os factos e culminou assim o seu articulado: «Deve ser julgada procedente a exceção deduzida e, em consequência, a aqui R. absolvida da Instância, desde já se manifestando o desacordo no aproveitamento dos articulados deduzidos.
Caso assim não se entenda, deve ser julgado improcedente, por não provado, o pedido...
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