Acórdão nº 2394/09.3TAGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelMANUELA PAUP
Data da Resolução21 de Setembro de 2015
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam em conferência na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães: I) Relatório Nestes autos de processo comum com o número acima identificado que correu termos pelo, então, 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães, foi o arguido André F.

condenado, como autor material de um crime de ofensas à integridade física por negligência, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 148º número 1, 15º alínea b) e 26º 1ª parte, do Código Penal, em concurso aparente com as contra ordenações previsto e punido pelos artigos 3º número 2, 24º número 1 e 81º números 1 e 2 do C.E. na pena de 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de 7,00€.

Inconformado com a decisão proferida, dela veio interpor recurso, nos termos e com os fundamentos que constam de folhas 1078 a 1116, que aqui se dão por reproduzidos para todos os legais efeitos e que sintetiza nas conclusões seguintes: (transcrição) 1. A sentença recorrida tem por base erros manifestos na apreciação da prova produzida, sendo patente a mescla que se verifica entre factos e afirmações de natureza conclusiva ali plasmados, bem como a insuficiência da matéria de facto provada para a condenação do arguido, pelo que importa a revogação da mencionada sentença e a sua substituição por outra que absolva o arguido nos presentes autos, em conformidade com o disposto no artigo 410.º n.º 2) alíneas a), b) e c) e no artigo 426.º do CPP).

  1. Em primeiro lugar, no que respeita ao facto provado n.º2, em particular a respeito da visibilidade no local do acidente, e ao facto provado n.º7, no que concerne à iluminação pública, salvo do devido respeito pela posição manifestada pelo Tribunal a quo, resulta das declarações do arguido, corroboradas pelo testemunho de Manuel P., André F., Orlando O. e do Sr. Agente Carlos G. que a iluminação no local era fraca, o que dificultaria, consequentemente, a visibilidade no local do acidente, sendo certo que nenhuma prova testemunhal ou documental foi produzida que permitisse afirmar o contrário, pelo que deverá este Tribunal considerar NÃO PROVADOS tais factos na parte respeitante à boa visibilidade e à iluminação por postes de iluminação pública.

  2. Tomando em consideração o facto provado n.º 8, reforçamos que a afirmação ali vertida nem sequer configura um facto, mas antes uma conclusão que é incompatível com a restante prova produzida na medida em que as narrações do Recorrente a respeito dos factos manifestam sempre uma lucidez absoluta, como se pode concluir facilmente a partir das descrições que faz da sua reação (travagem imediata) à presença do peão, sendo ainda notória nas suas declarações uma constante e extrema preocupação com o estado do ofendido, tendo sido mesmo o Recorrente a acionar os meios de socorro para se deslocarem ao local.

  3. O facto provado n.º 8 é ainda contraditório com o depoimento da testemunha André V., sendo certo que nenhuma outra testemunha afirmou que o Recorrente se encontraria em qualquer estado eufórico e/ou descontraído, tese que apenas resulta das declarações da Meritíssima Juiz no decurso da audiência de julgamento, pelo que deverá este Tribunal considerar o facto n.º8 NÃO PROVADO.

  4. No que concerne à travessia, por parte do ofendido, da faixa de rodagem, resulta das declarações do arguido, corroboradas pelo depoimento da testemunha André F. e José P., bem como do auto elaborado pelo Agente da GNR Carlos G. que o peão, ora ofendido, não iniciou qualquer travessia da faixa de rodagem, antes se manteve a deambular na faixa de rodagem de lado para lado, agindo de modo imprevisível e fora dos padrões de normalidade, pois nem sequer atualmente se recorda do que se terá passado, conforme seria expectável de um indivíduo que, na altura (encontrando-se no limiar do coma alcoólico), apresentava uma TAS de 2,57g/l, que surge acompanhada de perturbações da marcha e visão dupla, pelo que deve este Tribunal considerar o facto n.º 10 como NÃO PROVADO.

  5. A respeito da distância que medeia entre o termo da curva que antecede o local do acidente e este mesmo local, as testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento declararam sempre considerar que se tratava de uma distância entre os vinte e os vinte e cinco metros, conforme resulta das declarações do arguido e do depoimento da testemunha José P., pelo que seria impossível ao Recorrente avistar o ofendido a uma distância de cerca de 35 metros, quando nessa altura não teria ainda contornado integralmente a curva, o que apenas permite concluir que o facto n.º 11 deve ser considerado por este Tribunal como NÃO PROVADO.

  6. Em consequência, antes de contornar integralmente a curva não seria humanamente possível ao Recorrente avistar o ofendido, sendo ainda certo que, uma vez que ele declara que avista o ofendido com as luzes de cruzamento (ou “médios”) e estes apenas iluminam a uma distância de cerca de 30 metros, é incoerente que se considere que o ofendido foi efetivamente avistado a uma distância de “pelo menos trinta e cinco metros”, pelo que também este facto n.º12 deve ser considerado por este Tribunal como NÃO PROVADO.

  7. No que diz respeito ao facto n.º13, escusamo-nos de repetir o já alegado relativamente ao estado eufórico e descontraído, parte que deverá, salvo o devido respeito, ser considerada conclusiva e, em todo o caso, não provada, acrescentando ainda que o arguido referiu, por repetidas vezes, que a sua intenção nunca foi contornar o peão, mas antes travar, travar sempre, sendo certo que a testemunha José Pereira, que seguia com o Recorrente no veículo atropelante, também referiu no seu depoimento que este travou bruscamente, e a testemunha André V., que seguia no veículo imediatamente a seguir, também declarou expressamente que o Recorrente travou e tentou desviar-se o máximo que pode, prova que, conjugada, não permite senão concluir, salvo o devido respeito pela opinião contrária, que o facto n.º13 deve ser considerado por este Tribunal como integralmente NÃO PROVADO.

  8. O ofendido agiu imprevisivelmente e forçou o Recorrente a limitar-se a reagir ao seu comportamento tentando parar antes de o atingir e desviar-se dele quando viu que não tinha outra alternativa, factos que em caso algum permitem concluir que o Recorrente se terá atrapalhado, aliás, muito pelo contrário, pois o veículo ficou imediatamente imobilizado no local do embate e, segundo as declarações do arguido e o testemunho de André V. no mesmo sentido, o ofendido terá ficado encostado ao para-choques do carro, não a um metro de distância deste, pelo que também o facto n.º 14 deve ser considerado por este Tribunal como NÃO PROVADO.

  9. Apesar de ter tentado travar, foi impossível ao Recorrente antecipar o comportamento do peão, que deambulava de lado para lado, e antecipar-se a este, pelo que o embate foi inevitável, devendo este Tribunal considerar como NÃO PROVADO o facto n.º 15.

  10. Resulta da prova produzida que o ofendido apresentou-se na faixa de rodagem do Recorrente sem qualquer pré-aviso e sem se assegurar de que era visto pelos veículos que circulavam na Estrada Nacional, mantendo-se naquela faixa, destinada ao trânsito de veículos, por período superior àquele que seria necessário ao seu simples atravessamento, em consequência disto, o Recorrente travou e, logo que percebeu que não ia conseguir parar o veículo a tempo, procurou desviar-se, pelo que é manifesto que o causador do acidente foi o ofendido, pois o Recorrente fez tudo o que se encontrava ao seu alcance para não embater no ofendido, o que permite concluir que este Tribunal deve entender NÃO PROVADO o facto n.º 24.

  11. Inexistiu, portanto, negligência por parte do recorrente, que nunca representou como possível a realização do facto passível de preencher o tipo de crime, tendo em atenção as regras da experiência comum e o padrão normal de circulação rodoviária.

  12. Pois era imprevisível e manifestamente anómalo que qualquer peão se apresentasse, na faixa de rodagem, a alguns metros do veículo e ali se mantivesse por período superior àquele que seria necessário ao seu efetivo atravessamento, principalmente durante a noite.

  13. Nestas circunstâncias, o condutor adotou o comportamento que lhe seria exigível, isto é, travou de modo a permitir ao peão a efetivação de tal travessia em condições de segurança, de acordo com o padrão de razoabilidade que deve ser seguido pelo agente em conformidade com o estabelecido no artigo 24.º n.º2 do Código da Estrada, segundo o qual o recorrente não deveria diminuir subitamente a velocidade do veículo, mas procurar reduzir a velocidade certificando-se de que daí não resultaria perigo para os outros utentes da via, nomeadamente para os condutores dos veículos que o seguiam.

  14. E travar progressivamente era mesmo o comportamento mais adequado tendo em conta o local em que se deu o acidente, imediatamente após uma curva e mal iluminado, designadamente tendo em consideração as consequências que poderiam advir de uma imobilização imediata do veículo imediatamente após a curva que, no caso, sempre seria de todo em todo manifestamente impossível.

  15. Foi, portanto, o ofendido que atuou de modo imprevisível e errático, confundindo o Recorrente e criando perigo e violando regras básicas de circulação e segurança rodoviária, como afirma o próprio Tribunal a quo.

  16. O peão nem mesmo se certificou que tendo em conta a distância que o separava dos veículos que transitavam na Estrada Nacional e a respetiva velocidade, poderia efetuar tal travessia sem perigo de acidente, nem procurou efetivar tal travessia de forma célere.

  17. Pois, aliás, o ofendido apresentava uma taxa de álcool de 2,57g/l de sangue e, no momento do embate, encontrava-se no meio da via pública, alegando posteriormente em sede de julgamento que não se lembra de nada do que teria acontecido no dia do acidente, pelo que nada do que foi posteriormente afirmado pelo ofendido em julgamento deverá relevar como prova, por se tratar de meros comportamentos que este “idealmente” teria tido, provavelmente até sem a menor...

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