Acórdão nº 329/16.6T9GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelAUSENDA GON
Data da Resolução19 de Junho de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na Secção Penal, do Tribunal da Relação de Guimarães: O assistente K. D.

, inconformado com o despacho judicial que rejeitou, por legalmente inadmissível, o requerimento de abertura de instrução que deduzira contra F. E.

e A. B..

, interpôs recurso suscitando nas respectivas conclusões as questões de saber se aquela decisão viola o dever de fundamentação e se deve ser revogada porque o dito requerimento pode ser admitido liminarmente já que obedece a todos requisitos exigidos pelos artigos 287º, nº 2 e 283º, nº 3 do C. do Processo Penal, contendo a narração dos factos imputados, as normas jurídicas aplicáveis e os meios de prova que justificam a pronúncia dos arguidos.

O recurso foi admitido por despacho proferido a fls. 374.

O Ministério Público apresentou resposta à motivação, considerando que o requerimento de abertura de instrução deduzido pelo assistente é exequível e perfeitamente legal, por ter observado o disposto nos arts. 287º, nº 2 e 283, nº 3, al. b) e c), do CPP, e por conter todos os elementos objectivos e subjectivos típicos do crime de denúncia caluniosa p. e p. pelo artigo 365º, nº 1, do C. Penal e de falsidade de testemunho p e p. pelo art. 360º, nºs 1 e 3, do mesmo diploma legal que são imputados aos arguidos, inexistindo qualquer causa que determine a sua rejeição, defendendo, assim, o provimento do recurso.

O recorrido A. B.. também respondeu, sustentando a fundamentação da decisão recorrida.

Neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, convocando os fundamentos aduzidos pelo Ministério Público de 1ª instância, pugnando que deve ser dado provimento ao recurso e, consequentemente, revogada a decisão recorrida.

Foi cumprido o art. 417º, nº 2, do CPP.

*Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (arts. 402º, 403º e 412º, nº 1, do CPP), sem prejuízo das questões que importe conhecer oficiosamente, por obstarem à apreciação do seu mérito, importa apreciar e decidir as acima enunciadas questões, naquelas suscitadas. Para tanto, deve considerar-se como pertinentes ao conhecimento do objecto do recurso os elementos considerados na decisão instrutória recorrida (transcrição): «Não se conformando com o despacho de arquivamento de fls.178 e ss, o assistente veio, a fls. 186 e ss, requerer abertura de instrução.

Após análise crítica dos elementos probatórios, apresenta a sua versão dos factos, concluindo dever ser proferido despacho de pronúncia por crimes de denúncia caluniosa pp pelo artº 365ºdo CP e de falsidade de testemunho, pp pelo artº 360 do CP (sem qualquer indicação de qual o número dos referidos preceitos legais).

***Cumpre proferir despacho liminar, sendo certo que o requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução – artigo 287º, n.º 3 do Código de Processo Penal.

O tribunal é competente.

O requerimento é tempestivo.

O requerente tem legitimidade – artigo 287º, n.º 1, al. b).

Importa, agora, apreciar a admissibilidade legal da instrução.

Findo o Inquérito, o Ministério Público proferiu de despacho de arquivamento (cfr. Fls. 178 e ss).

Inconformado, o denunciante, constituído assistente, veio a fls. 186 e ss, abertura de instrução.

Nesse requerimento, conforme se alcança da simples leitura do mesmo, o assistente coloca em crise os fundamentos do despacho de arquivamento, faz apreciação crítica dos elementos de prova e apresenta a sua versão dos factos.

No entanto, e pese embora a exposição das razões de facto relativamente ao despacho de arquivamento, o requerimento não reveste o formalismo de uma acusação, definindo e delimitando o objecto da instrução.

Analisada a peça processual de abertura de instrução, conclui este Tribunal que não se verificam os requisitos necessários para permitir uma abertura de instrução.

Vejamos.

Preceitua o artigo 287 n.º 2 do CPP que o requerimento de abertura de instrução pelo assistente (…) deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito da discordância relativamente à acusação ou não acusação. Trata-se de uma imposição legal essencial para que o arguido tenha a plena noção daquilo que o assistente o acusa e possa defender-se convenientemente, em respeito ao princípio do contraditório.

O assistente tem que, ainda que sumariamente, delimitar os factos suficientes para integrar todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo criminal que entende ter sido violado, sendo estes factos que delimitam a actividade investigatória do juiz de instrução criminal. Como resulta do artigo 303.º e 309.º do CPP o juiz de instrução criminal está limitado nos seus poderes de cognição pelo requerimento do assistente para que se abra a instrução. Os factos apresentados pelo assistente são a base de trabalho do juiz de instrução criminal, já que a instrução não é um suplemento de investigação e não visa a substituição do MP na função investigatória, conforme pretende o requerente. O escopo legal da instrução é a comprovação judicial da decisão acusatória ou do arquivamento em ordem a submeter ou não a causa a julgamento. Não é uma segunda fase investigatória desta feita levada a cabo pelo juiz , mas sim uma fase processual essencialmente garantística, adequando-se perfeitamente à natureza, que segundo a Constituição lhe cabe, de direito das pessoas e garantia do Processo Penal .

A instrução não é um novo inquérito: não se visa um juízo sobre o mérito, mas apenas um juízo sobre a acusação, em ordem verificar da admissibilidade da submissão do arguido a julgamento com base na acusação que lhe foi formulada.

Como sabemos visa-se nesta fase do processo alcançar não a demonstração da realidade dos factos, mas tão-só indícios, sinais, de que um crime foi cometido por determinado arguido, isto porque as provas a reunir não são pressuposto de uma decisão de mérito, mas de decisão processual da prossecução dos autos para julgamento (cfr. Acórdãos da Relação de Coimbra de 20.10.93, in CJ; IV, 261 e de 31.03.93, in CJ, II, 66, que seguimos de perto). Deve, assim, o juiz de instrução compulsar e ponderar toda a prova recolhida e fazer um juízo de probabilidade sobre a condenação do arguido e, em consonância com esse juízo, remeter ou não a causa para a fase de julgamento. No fundo, a fase de instrução permite que a actividade levada a cabo pelo Ministério Público durante a fase do inquérito possa ser controlada através de uma comprovação, por via judicial, traduzindo-se essa possibilidade na consagração, no nosso sistema, da estrutura acusatória do processo penal, a qual encontra assento legal no artigo 32.°, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa. Por isso, a actividade processual desenvolvida na instrução é materialmente judicial e não materialmente policial ou de averiguações - Acórdão da Rel. de Lisboa de 12.07.1995, CJ XX-IV-140, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, pág. 128. A necessidade do assistente indicar no seu requerimento os factos que considere indiciados ou que pretende vir a indiciar justifica-se pelo facto do requerimento equivaler à acusação, definindo e delimitando o objecto do processo a partir da sua apresentação. Substancialmente o requerimento de abertura de instrução formulado pelo assistente contém uma verdadeira acusação. Os requisitos a que deve obedecer uma acusação constam do artigo 283.º do CPP, ali se estabelecendo, nomeadamente nas alíneas a), b) e c), aplicável ao requerimento de abertura de instrução ex vi n.º 2 do artigo 287.º CPP, que a acusação contém, sob pena de nulidade, as indicações tendentes à identificação do arguido, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada e a indicação das disposições legais aplicáveis. Ou seja, o assistente deverá descrever factos que permitam identificar no tempo e espaço acções (ou omissões), típicas, ilícitas, culposas e puníveis, pois só indiciariamente provados factos que permitam o preenchimento destes elementos é que se poderá afirmar a existência de um crime. Constituindo o RAI uma “verdadeira” acusação deveria, em segmento próprio, e devidamente autonomizado, cumprir-se o disposto no art. 283.º do CPP, nomeadamente, identificando na peça processual o arguido cabalmente, indicar as disposições legais aplicáveis e concretizando todos os factos que permitam a subsunção no crime pelo qual se pretende a pronúncia, ou seja, em local perfeitamente delimitado...

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