Acórdão nº 207/14.3T9VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelF
Data da Resolução09 de Janeiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Gumarães I. RELATÓRIO No processo de instrução nº 207/14.3T9VNF, da instância central de Guimarães, 2ª secção de instrução criminal, juiz 1, da comarca de Braga, em que é arguido Vitor O., com os demais sinais dos autos, foi, em 7 de março de 2016, proferido despacho de rejeição, por inadmissibilidade legal, do requerimento de abertura de instrução apresentado pela assistente Maria A..

*Inconformada, a assistente Maria A. interpôs recurso, apresentando a competente motivação, que remata com as seguintes conclusões: «A Recorrente no requerimento de abertura de instrução imputou ao denunciado a prática de um crime de abuso de poder previsto e punido pelo artigo 382º do Código Penal e não um crime de dano como, por lapso, é referido em algumas partes do douto despacho recorrido.

2- No RAI é feita a descrição precisa e completa dos factos que a assistente entende estarem indiciados, integradores tanto dos elementos objetivos como dos elementos e subjetivos do crime de abuso de poder, que justificam a aplicação ao denunciado de uma pena ou de uma medida de segurança.

3- Dos factos narrados pela assistente no RAI, designadamente, quanto aos elementos subjetivos do crime de abuso de poder, podemos realçar os seguintes:

  1. Que o denunciado, quando notificou o Ministério Público, da venda e respetivas condições, ocultou propositadamente, que sabia que a assistente e o seu falecido marido, não estavam ausentes em parte incerta e que tinha conhecimento da sua residência, do seu número de telefone e do seu e-mail, pelo que, violou conscientemente, a obrigação de os notificar sobre a modalidade da venda, o local, a data da mesma e do respetivo valor base (art. 886º-A do anterior C.P.C.).

  2. Que o denunciado voltou a violar conscientemente a obrigação de notificar o Denunciante a e esposa, na qualidade de Executados, da aceitação e venda da proposta particular de compra do prédio penhorado pelo preço escandaloso de € 15.000,00 (quinze mil euros), o que fez em manifesto abuso de poder, em benefício ilegítimo do comprador e em prejuízo dos executados.

  3. Que o denunciado praticou os referidos factos, no exercício das suas funções de agente de execução, abusando dos poderes e violando os deveres inerentes às suas funções, com manifesta intenção de obter um benefício ilegítimo para a empresa compradora, a F…, S.A., NIPC …, com sede na Avenida R…, V.N. Famalicão, tendo com tal atuação causado graves prejuízos à assistente e seu falecido marido.

  4. Esta omissão é tanto mais grave, porquanto, o denunciado procedeu à venda do prédio do Denunciante, pelo preço de apenas € 15.000,00 (quinze mil euros), poucos meses depois de ele próprio o ter avaliado no montante de € 80.000,00 (oitenta mil euros) e quando a quantia exequenda era de apenas € 1.638,86 (mil seiscentos e trinta e oito euros e oitenta e seis cêntimos).

  5. O denunciado não esclareceu as questões colocadas nos artigos 37º a 47º do RAI, porque usando do seu poder discricionário na referida venda executiva, omitiu todas as diligências a que estava obrigado com a intenção descarada de beneficiar a empresa compradora, conduta que era proibida e punida por lei.

4- Estes factos, salvo melhor opinião, são integradores dos elementos subjetivos constitutivos do crime de abuso de poder imputado ao denunciado no RAI.

5- De facto, facilmente se pode concluir que qualquer cidadão médio sabe que é algo de profundamente censurável e contrário à lei, num processo judicial ocultar factos essenciais e comunicar factos falsos, designadamente, ocultar que conhecia a residência e contactos dos executados e dá-los como ausentes em parte incerta; como qualquer cidadão médio sabe que é contrário à lei omitir conscientemente diligências processuais legalmente previstas de forma a impedir os executados de exercer os seus direitos no processo, com a intenção de beneficiar uma empresa terceira.

6- Acresce que nos presentes autos não estamos perante um cidadão médio, mas sim perante um agente de execução, que é quem atualmente dirige todo o processo executivo.

7- O RAI faz uma indicação e enunciação dos factos concretos e determinados que consubstanciam a prática pelo denunciado de um crime de abuso de poder, pelo que a instrução não é inexequível. 8- Por outro lado, o RAI contém todos os requisitos legalmente exigíveis para a acusação pública, pelo que não padece de nenhum vício que determine a sua nulidade.

9- De facto, a Recorrente procedeu no RAI a uma narração dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao denunciado, em obediência escrupulosa aos comandos legais constantes dos artigos 287.º e 283.°, nº 3, ambos do CPP.

10- Assim, salvo o devido respeito por opinião contrária, deveria o Meritíssimo Juiz de Instrução ter recebido o RAI, determinado a respetiva abertura e ordenado a subsequente tramitação processual, com a produção dos atos de instrução requeridos e que se mostrem pertinentes à demonstração dos factos que se espera provar com a instrução.

11- Ao decidir em sentido contrário, o Tribunal “a quo” fez uma incorreta interpretação e aplicação dos artigos 287º, nºs 1, 2 e 3 e 283º, nº 3 do CPP, bem como violou o artigo 20º nº 1 da Constituição da República Portuguesa.»*O recurso foi admitido para este Tribunal da Relação de Guimarães por despacho datado de 2 de maio de 2016.

O Ministério Público junto do Tribunal a quo respondeu, pugnando pelo provimento do recurso, por entender que requerimento de abertura de instrução observa o disposto nos artigo 287.º, n.º 2 e 283., n.º 3, als. b) e c), do Código de Processo Penal, já que contém todos os elementos objetivos e subjetivos típicos do crime de abuso de poder da previsão do artigo 382.º que nele é imputado ao arguido, inexistindo qualquer causa que determine a sua rejeição.

Nesta Relação, a Ex.ma Senhora Procuradora-Geral adjunta proferiu douto parecer, igualmente no sentido de que o recurso merece provimento.

*Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, sem resposta.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

*II. FUNDAMENTAÇÃO Conforme é jurisprudência assente, o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respetiva motivação, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer Cf. artigo 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, v.

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*1. Questão a decidir Face às conclusões extraídas pela recorrente da motivação apresentada, a questão a decidir é a de saber se é admissível o requerimento de abertura de instrução formulado pela assistente Maria A..

*2. A decisão recorrida tem o seguinte teor: «Requerimento de abertura de instrução formulado pela assistente Maria A. a fls. 488 e ss Não se conformando com o despacho de arquivamento proferido a fls. 475, a assistente Maria A., veio a fls. 488 e ss requer a abertura de instrução.

Alegou, para tal e em sínteses, que: - discorda em absoluto do despacho de arquivamento; - Após, procede aos motivos pelos qual discorda dos fundamentos do despacho de arquivamento, e elenco os factos que, na sua perspectiva se encontram indiciado, concluindo que o denunciado omitiu todas as diligências que estava obrigado, com intenção descarada de beneficiar a empresa compradora, conduta que era proibida e punida por lei.

Conclui pela imputação ao arguido de um crime de abuso de poder p. p. pelo artº 382º do CP.

***Cumpre proferir despacho liminar, sendo certo que o requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução – artigo 287º, n.º 3 do Código de Processo Penal.

O tribunal é competente.

O requerimento é tempestivo.

O requerente tem legitimidade – artigo 287º, n.º 1, al. b), do CPP.

Importa, agora, apreciar a admissibilidade legal da instrução.

Findo o Inquérito, o Ministério Público proferiu despacho de arquivamento (cfr. Fls. 475).

Inconformado, a denunciante, constituída assistente, veio requerer, a fls. 488 e ss, abertura de instrução, com a invocação do supra referido.

Apreciemos.

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