Acórdão nº 1695/09.5TAGMR-C.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 06 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelLAURA MAUR
Data da Resolução06 de Março de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães Na Comarca de Braga, Guimarães, Instância Central, 2ª Secção de Instrução Criminal – J1, foi, em 04-07-2016, proferido o seguinte despacho (transcrição): “Do requerimento da arguida G. M. a fls. 2193 e ss em que suscita a irregularidade(s) da decisão instrutória: A decisão instrutória proferida não padece de qualquer irregularidade porque fundamentada, de facto e de direito (ainda que não ao encontro das expectativas da arguida requerente), com apreciação das questões suscitadas, sendo que o dever de fundamentação das decisões judiciais não exige nem se esgota com apreciação de cada questão suscitada pelos arguidos, antes uma apreciação global das mesmas.

Assim e sem necessidade de maiores considerandos, indefere-se a requerida reparação da decisão instrutória.

Notifique.” * A arguida G. M., a fls.2208 a 2232 dos autos principais (fls.84 a 103 deste Apenso), interpõe recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões: 1. O presente recurso vem interposto da decisão instrutória proferida e do despacho posterior que indeferiu a arguição de irregularidade, uma vez que a decisão instrutória não se pronuncia sobre questões colocadas no requerimento de abertura da instrução.

  1. O presente recurso é admissível porquanto, no caso sub judice, se verifica uma verdadeira e completa ausência de apreciação judicial da decisão do Ministério Público (acusação).

  2. A decisão instrutória na parte em que não se pronunciou sobre aquelas questões, afronta directamente um dos princípios mais estruturantes do processo penal: o princípio da fundamentação das decisões dos tribunais, prevista no artº 205º nº1 da Constituição que estipula que as decisões judiciais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.

  3. Aliás, a interpretação que extraída do disposto no artº 310º nº1 do Código de Processo Penal, no sentido de que é irrecorrível a decisão instrutória de pronúncia que cooneste a acusação em termos factuais na medida que não decida ou seja omissa quanto a questões levantadas em sede de requerimento de abertura de instrução é inconstitucional por violação do disposto nos artºs 32º nº1 e 9º e 205º nº1 da Constituição, devendo aquela norma ser desaplicada, à luz do preceituado no disposto no artº 204º da Constituição.

  4. O despacho posterior à decisão instrutória que indeferiu a reparação da decisão instrutória, é também recorrível por ter a aqui recorrente arguido irregularidade processual por violação do preceituado in artº 97º nº 5 do Código de Processo Penal.

  5. Nenhuma norma do Código de Processo Penal afasta a recorribilidade das decisões posteriores à decisão instrutória que cooneste factualmente a acusação, designadamente o despacho posterior à decisão de pronúncia que indefira a irregularidade decorrente da omissão de pronúncia da decisão instrutória quanto a questões trazidas à fase da instrução, através do requerimento de abertura da instrução.

  6. Assim, tem que funcionar o princípio geral do artº 399º do Código de Processo Penal.

  7. Por outro lado, a recorribilidade do despacho posterior à decisão instrutória de pronúncia que indefere a arguição de irregularidade por omissão de pronúncia é recorrível, por imperativo constitucional.

  8. De facto, a lei ordinária, nos artºs 97º nº5 e 379º nº1 al. a) do Código de Processo Penal prevê que as decisões judiciais devem ser fundamentadas de facto e de direito, sendo que não faz qualquer destrinça entre as decisões finais ou interlocutórias, sendo que tais normas surgem como corolário do princípio da fundamentação das decisões dos tribunais, prevista no artº 205º nº1 da Constituição que estipula que as decisões judiciais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.

  9. E a forma prevista na lei é a de que estas sejam fundamentadas de facto e de direito quer (no caso da decisão instrutória) quanto à avaliação dos indícios, quer quanto à avaliação de eventuais nulidades ou outras questões de que lhe incumba conhecer (artº 308º nº3 do Código de Processo Penal).

  10. Pelo exposto, é inconstitucional a interpretação que se extraia das disposições conjugadas dos artºs 97º nº5, 123º nº1, 308º nº1 e 3, 310º nº1 e 399º do Código de Processo Penal, no sentido de que é irrecorrível a decisão posterior à decisão instrutória de pronúncia do arguido por factos que coonestem os constantes da acusação, que indefira a arguição de irregularidade decorrente de omissão de pronúncia ou falta de fundamentação da decisão instrutória no que toca ao conhecimento de questões suscitadas no requerimento de instrução, por violação do disposto nos artºs 20º nº1, 32º nº1 e 205 nº1 da Constituição.

  11. E enunciem-se singelamente as questões enunciadas no requerimento de abertura de instrução que foram ignoradas pela decisão instrutória.

  12. A primeira versava sobre a qualificação dos crimes em questão (artºs 8º a 30 do RAI), pois que tratando-se de crimes essencialmente dolosos e não se encontrando previstos tais tipos de crime na sua forma negligente, o dolo deveria estender-se a todos os elementos do tipo, designadamente aos elementos que agravam ou qualificam a conduta.

  13. Nesta sede, seria necessário ainda que que o arguido representasse a quisesse realizar o tipo de crime, sendo que, para descrever o dolo, não bastaria alegar-se, utilizando-se a por demais glosada fórmula de que o arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo da ilicitude da sua conduta, como se fazia na acusação pública.

  14. De facto, essa expressão, quando desacompanhada de outras que no caso se imponham consoante o tipo de crime, dificilmente constituiria base factual bastante (cfr. a abundante jurisprudência e doutrina referida no RAI).

  15. Ora, a mesma exigência relativamente ao dolo deveria ser colocada relativamente aos elementos qualificativos e agravativos do tipo de crime.

  16. A acusação não fez descrever descrever o dolo da qualificação da burla, ou seja que a arguida previu e quis causar prejuízo ou ter benefício de valor elevado, ou melhor dito, que a arguida previu e quis prejudicar o lesado ou obter benefício para si de valor superior a 5100 € (102€x50) – artº 202º al. a) do Código Penal.

  17. A acusação não descreveu igualmente o dolo relativo à agravação do crime de falsificação, ou seja, que a arguida sabia que os documentos em causa eram autênticos e que, apesar disso, os quis falsificar.

  18. A segunda questão versava sobre saber-se se a receita médica era (ou não) um documento autêntico (artºs 31º a 39º do RAI).

  19. No Requerimento de Abertura de Instrução explicou-se detalhadamente que da acusação não constavam narrados factos que permitissem caracterizar qualquer um dos documentos como incorporando qualquer das características mencionadas nas alíneas do nº 1, do artigo 256º do Código Penal.

  20. Depois, a acusação não afirmou qual a autoridade ou oficial público que tinha exarado qualquer dos documentos aí referidos e que a receita médica não corporiza qualquer documento autêntico, pelo que também por esta ordem de razões, a arguida não podia ser pronunciada por tal crime.

  21. A terceira questão...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT