Acórdão nº 230/14.8GAAMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Setembro de 2017

Data11 Setembro 2017

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

(Secção penal) I. RELATÓRIO No processo comum singular n.º 230/14.8GAAMR da instância local de Amares, secção de competência genérica, juiz 1, da comarca de Braga, foram submetidos a julgamento os arguidos “JC & JM, Lda.”, Manuel e Martins, com os demais sinais dos autos.

A sentença, proferida a 15 de março de 2017 e depositada no mesmo dia, tem o seguinte dispositivo: «5.1.

- Condenar os arguidos Manuel e Martins, a prática um crime de violação de regras de segurança, p. e p. pelo art.º 152.º-B, n.ºs 1, 2 e 4, al. b) do Código Penal, por referência ao art.º 11.º, n.ºs 1 e 2, al. a), do mesmo diploma, e aos art.ºs 281 e 282.º, ambos do Código do Trabalho, art.ºs 15.º, n.º 1 e 20.º, da L. n.º 102/09, de 10/9, art.ºs 3.º, 4.º, 6.º, 8.º e 20.º, al. a), todos do DL n.º 50/05, de 25/2, e art.ºs 6.º e 9.º, ambos da Portaria n.º 348/93, de 1/10, na pena de três anos de prisão, suspensa na sua execução.

5.2.

- Condenar a arguida JC & JM, LDA., na prática um crime de violação de regras de segurança, p. e p. pelo art.º 152.º-B, n.ºs 1, 2 e 4, al. b) do Código Penal, por referência ao art.º 11.º, n.ºs 1 e 2, al. a), do mesmo diploma, e aos art.ºs 281 e 282.º, ambos do Código do Trabalho, art.ºs 15.º, n.º 1 e 20.º, da L. n.º 102/09, de 10/9, art.ºs 3.º, 4.º, 6.º, 8.º e 20.º, al. a), todos do DL n.º 50/05, de 25/2, e art.ºs 6.º e 9.º, ambos da Portaria n.º 348/93, de 1/10, na pena de trezentos e sessenta dias de multa, à taxa diária de quatrocentos euros.

5.3.

- Condenar cada um dos arguidos no pagamento de 4 UC`s de taxa de justiça, e nas custas do processo.

5.4.

- Deposite a sentença.

5.5.

- Após trânsito, remeta boletim à D.S.I.C.» Inconformados, os três arguidos interpuseram recurso conjunto, apresentando a competente motivação, que rematam com as seguintes conclusões: 1- «Os recorrentes vêm condenados pela prática do crime previsto em art. 152º-B, n.º 1 CP, por referência ao art. 11º, n.º 1 e 2, al. a) do mesmo diploma no caso da pessoa colectiva, e aos arts. 281º e 282º do Código do Trabalho (doravante, CT), arts. 15º, n.º 1 e 20 da Lei n.º 102/09, arts. 3º, 4º, 6º 8º e 20º, al. a) do Decreto-Lei n.º 50/05 e arts. 6º e 9º do Decreto-Lei n.º 348/93.

2- Ora, já em sede de contestação os arguidos haviam pugnado pela nulidade da acusação deduzida pelo MP por violação do disposto no art. 283º, n.º 3, al. c) CPP.

3- O tipo de crime remete para o preenchimento de disposições legais ou regulamentares, integrando as mesmas da legislação extra-penal no direito penal desta forma.

4- Tal não pode significar qualquer relaxamento do princípio da tipicidade, constitucionalmente consagrado nos arts. 29º, n.º 1 e 3 CP.

5- A remissão em bloco realizada pela acusação para 30 normas como integrando o art. 152º-B, CP, que a acusação realiza subverte por completo o princípio da tipicidade de tal forma a que não é concretamente identificável o tipo de crime imputável aos arguidos na medida em que não são identificadas as regras legais ou regulamentares violadas.

6- Esta imputação carece de concretização porquanto uma regra legal ou regulamentar violada integra o tipo de ilícito por remissão; logo, não é indiferente para o preenchimento objectivo e subjectivo do mesmo a norma, o dever de comportamento concretamente violado pelos agentes.

7- O Tribunal a quo considera que o pedido de decretamento de nulidade da acusação com o fundamento alegado é extemporâneo.

8- Só que o art. 311º, n.º 3 CPP converte a a nulidade resultante da omissão das disposições das als. a), b) e c) do art. 283º, n.º 3 CPP em autêntica nulidade insanável e de conhecimento oficioso. É que os vícios contidos no art. 311º, n.º 3 CPP são sobreponíveis às matérias do art. 283º, n.º 3, al. a) b) e c) CPP, conforme citada doutrina.

9- Portanto, a nulidade contida no art. 283º, n.º 3, al. c) CPP é de conhecimento oficioso (art. 311º, n.º 3 CPP), não sendo o requerimento da mesma jamais extemporâneo, não se podendo recusar o Tribunal a decidi-lo sob pena de violação de proibição de non liquet, assim se requerendo a V. Exas. que determinem.

10- Subsidiariamente, ao considerar que o que vem de se alegar tem manifesta falta de fundamento legal, a sentença a quo que considera a acusação como sendo válida ao remeter em bloco para 30 disposições legais a integração do art. 152º-B CP é inconstitucional à luz do disposto no art. 29º, n.º 1, 3 e 4 CRP e omite fundamentação em violação do disposto no art. 374º, n.º 2 CPP.

11- Com efeito, e sumariando jurisprudência variada citada em corpo de motivação, recorde-se que a especificação das concretas normas jurídicas não pode deixar de envolver a determinação da alínea do preceito indicado na acusação: assim, o acórdão 81/09.1GCLSA-A.C1, datado de 04/14/2014, do Tribunal da Relação de Coimbra.

12- Não há razão para que raciocínio sobre a al. b) do n.º 3 do art. 283º CPP não seja aplicável à al. c) do mesmo preceito, mutatis mutandis, na medida em que também é abrangido pelo art. 311º, n.º 3 CPP.

13- Pelo exposto, mal andou a sentença a quo devendo ser substituída por acórdão que julgue tempestivo, porquanto suscitando questão de conhecimento oficioso, o requerimento de nulidade da acusação pelos motivos apresentados e que julgue o mesmo procedente, determinando a pronúncia de nulidade da mesma e arquivamento dos autos ou subsidiariamente, a absolvição dos arguidos.

14- Os recorrentes impugnam o facto dado como provado n.º 4 com base nas declarações dos arguidos prestadas na audiência de julgamento de 06/03/2017 identificadas em corpo de texto da motivação de recurso, devendo ser alterado o mesmo no sentido de apenas considerar que só Manuel praticou actos subsumíveis a qualquer tipo penal na medida em que foi ele que contratou, seja sob que modalidade seja, a vítima para prestar serviços naquele dia fatídico.

15- Resultando absolvido da prática de qualquer ilícito Martins que não teve qualquer intervenção nos autos.

16- Impugnam-se os factos dados como provados 3, 4, 5, 8 e 9 na medida em que referem que o falecido era trabalhador da sociedade arguida.

17- Por um lado, tal asserção é uma conclusão jurídica que não pode ser considerada em sede de matéria de facto.

18- A consideração da vítima como trabalhador é um conceito jurídico que permite a sua subsunção ao regime do contrato de trabalho (vd. art. 11º e 12º CT) e, em concreto, o modo de aplicação das disposições da Lei n.º 102/09 aos autos (questão central na aplicação do art. 152º-B CP que penaliza a conduta dos arguidos por força do disposto no art. 15º, n.º 13 da Lei n.º 102/09).

19- Caso não se considere que a vítima era trabalhador da sociedade arguida, esta é equiparada a empregador – o que implica que todas as disposições legais e regulamentares atinentes à sua segurança no local de trabalho correm única e exclusivamente por sua conta, jamais podendo ser a sociedade arguida e os arguidos responsáveis pelo perigo que resulta da sua inobservância.

20- Ao considerar que a vítima era trabalhador da sociedade no acervo factual da sentença a quo, o Tribunal entorta de forma irremediável a sua apreciação jurídica e não deixa margem à correcta aplicação do direito aos factos, inviabilizando a ponderação da aplicação do art. 15º, n.º 13 da Lei n.º 102/09 aos autos porquanto tal consistiria em contradição do direito com a matéria provada uma vez que esta já inclui um conceito jurídico – a vítima era trabalhadora.

21- Daí que, primeiramente e antes de mais, a sentença a quo erra na interpretação que faz das regras de elaboração da sentença ao inserir qualificações jurídicas no acervo de matéria factual, devendo toda a referência feita ao “trabalhador Arménio” no acervo factual, em particular nos factos 3, 4, 5, 8 e 9 ser substituída por referência à “vítima Arménio”, na esteira de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça melhor citada em corpo de texto de motivação.

22- Que Arménio não era trabalhador da sociedade arguida resulta com clareza dos depoimentos de Manuel, João (irmão do falecido), Tiago, António – todos demonstrativos da ausência de vínculo laboral ou subordinação ou dependência económica do falecido da sociedade arguida.

23- Deve ser expurgada qualquer referência à condição de trabalhador do falecido da matéria de facto pelos motivos supra expostos, com a consequência em sede de aplicação de direito de falta de reunião de pressupostos para imputação do tipo de ilícito objectivo.

24- Impugna-se os factos dados como provados 6 e 7 com base nos depoimentos melhor situados de Sofia e de José, devendo ser provado que não havia fios escarnados nos cabos do gerador, por um lado, e pelo outro que a vítima Arménio agarrou os alicates do gerador com ambas as mãos.

25- Pessoa alguma agarra ambos os cabos de gerador com as mãos desprotegidas da mesma foram que pessoa alguma coloca os seus dedos numa tomada de electricidade. O comportamento do falecido assim provado interrompe o nexo de causalidade de qualquer actuação ou omissão dos arguidos, constitui única causa do sinistro (associada à recusa em usar o equipamento de protecção colocado à disposição) o que determina a ausência de culpa dos arguidos na comissão de qualquer ilícito.

26- Por outro lado, a alteração de factos da acusção produzida antes da leitura da sentença é verdadeiramente nula na medida em que leva ao acervo da matéria factual um objecto distinto de litígio que não foi alvo de contraditório e interrogatório junto das testemunhas. Com efeito, a acusação refere que o falecido teria perecido por força do agarre de cabos de fios de luz com pontas escarnadas; foi isso que sempre se debateu, jamais as condições do gerador e da manipulação dos seus cabos, pelo que a alteração fere o direito de defesa e de contraditório dos arguidos.

27- Impugna-se o facto número 8 porquanto resulta do depoimento identificado de Manuel, João, José, que havia constante sensibilização dos gerentes da sociedade arguida para a utilização dos equipamentos de...

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