Acórdão nº 119/11.2GCVRM.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 07 de Outubro de 2013
Magistrado Responsável | JO |
Data da Resolução | 07 de Outubro de 2013 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência, os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães, I – RELATÓRIO 1. Nestes autos de processo comum n.º 119/11.2GCVRM do Tribunal Judicial de Vieira de Minho após a realização da audiência de julgamento por tribunal singular, a Mmª juíza proferiu a sentença que conclui com o seguinte dispositivo (transcrição) : “Pelo exposto, decido: 1) Absolver o arguido António R..., pela prática, como autor material, de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal. 2) Absolver o arguido António R..., pela prática, como autor material, de um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153º, do Código Penal.3) Sem custas.4) Condenar o arguido Manuel G...pela prática, como autor material, de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal, na pena de 160 (cento e sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz o montante global de € 960,00 (novecentos e sessenta euros).(…)” II) Julgo parcialmente procedente o pedido de indemnização cível deduzido pelo demandante António R... contra o demandado Manuel G..., condenando-o:
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No pagamento ao demandante da quantia de € 850,00 (oitocentos e cinquenta euros), a título de danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da presente sentença. b) No pagamento ao demandante da quantia de € 9,60 (nove euros e sessenta cêntimos), a título de danos patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da notificação do pedido atéintegral pagamento.(…)” 2.
Inconformado, o arguido Manuel G...
interpôs recurso pedindo a revogação da sentença condenatória, quer na parte crime, quer na acção civil enxertada.
O Ministério Público, representado pela magistrada no Tribunal Judicial de Vieira do Minho, apresentou resposta concluindo que a sentença deve ser mantida.
O ofendido e demandante civil António R...
formulou igualmente resposta afirmando que deve negar-se provimento ao recurso.
O recurso foi admitido, por despacho judicial 04-06-2013, com o efeito devido.
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Neste Tribunal da Relação de Guimarães, onde o processo deu entrada a 14-06-2013, o Exm.º. Procurador-Geral Adjunto emitiu fundamentado parecer, onde suscita a ocorrência de uma questão prévia que deve conduzir a repetição da produção de prova em audiência de julgamento.
Seguidamente, o arguido apresentou resposta ao parecer do Ministério Público, reiterando o alegado na motivação do recurso.
Recolhidos os vistos do juiz presidente da secção e do juiz adjunto e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO 4. Questão prévia Da admissibilidade do recurso em matéria cível Vem o arguido-demandado recorrer, além do mais, da condenação no pagamento ao demandante de uma indemnização no valor global de oitocentos e cinquenta e nove euros e sessenta cêntimos Prescreve o artigo 400.º n.º 2 do Código de Processo Penal que o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada e estabelece o artigo 24.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro) que em matéria cível a alçada dos tribunais de 1ª instância é de € 5000 (cinco mil euros).
A quantia peticionada inicialmente (1500 €) já se continha claramente na alçada do tribunal recorrido e o valor que veio a ser fixado na sentença é manifestamente inferior a metade da alçada do tribunal de primeira instância, pelo que a decisão neste âmbito é irrecorrível.
O recurso não deveria ter sido admitido nesta parte e agora não pode prosseguir.
Sendo inquestionável que anterior decisão neste âmbito não constitui caso julgado formal, nem vincula o tribunal superior (artigo 414.º n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Penal), impõe-se a rejeição liminar do recurso na parte que se restringe à acção civil enxertada.
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Questões a decidir Como tem sido entendimento unânime, o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, onde deve sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir as razões do pedido - artigos 402º, 403.º e 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, naturalmente que sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso (cfr. Silva, Germano Marques da, Curso de Processo Penal, Vol. III, 1994, p. 320; Albuquerque, Pinto de, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª ed. 2009, pag 1027 e 1122, Santos, Simas, Recursos em Processo Penal, 7.ª ed., 2008, p. 103; entre outros os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271; de 28.04.1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, p. 196).
As questões a apreciar, por terem sido suscitadas pelo recorrente e pelo Ministério Público no seu parecer são as seguintes :
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Ineficácia da prova produzida; b) Insuficiência da matéria de facto para a decisão, erro notório na apreciação da prova; c) Impugnação da decisão em matéria de facto; d) Medida da pena.
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Da ineficácia da prova produzida O Exm.º Procurador-geral Adjunto considerou que deve ser declarada a ineficácia da prova produzida e consequente invalidade da sentença recorrida, o que necessariamente implica a repetição de toda a prova em audiência, invocando, em síntese, que decorreu um período superior a trinta dias entre duas sessões da audiência, circunstância que foi mesmo reconhecida por despacho judicial transitado em julgado. Em resposta, o demandante e recorrido considera que não houve trânsito em julgado de despacho que designou data para o reinício da audiência de julgamento por se tratar de despacho que não admite recurso.
O circunstancialismo processual com interesse para a decisão desta questão prévia é o seguinte:
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A audiência de julgamento, presidida pela Exmª juíza Natacha Castelo Branco Carneiro teve início em 28 de Março de 2012, com tomada de declarações dos arguidos e depoimentos de testemunhas (cfr. fls. 219 a 221) e prosseguiu em 23 de Abril de 2012, com inquirição de testemunha (cfr. fls. 222 e 223) e em 14 de Maio de 2012.
b) Nesta sessão da audiência de 14 de Maio de 2012 houve inquirição de testemunhas, alegações e ultimas declarações dos arguidos, após o que a Exmª juíza proferiu despacho designado o dia 23 de Maio de 2012 para a leitura da sentença (cfr. fls. 224 a 227); c) No dia designado para a leitura da sentença, a Exmª juíza, considerou verificada uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação. Procedeu a devida comunicação e, a requerimento, concedeu prazo para os arguidos se pronunciarem quanto a essa alteração dos factos.
Em consequência, designou o dia 13 de Junho de 2012 para a leitura da sentença, (cfr. acta de fls. 229 e 230); d) Os arguidos pronunciaram-se sobre a alteração que lhes foi comunicada, sem que tenham de alguma forma requerido a produção de qualquer prova, designadamente por declarações dos arguidos, do assistente e das partes civis ou por testemunho (cfr. fls. 231 a 233); e) Em 12 de Junho de 2012, a leitura da sentença foi adiada, na sequência de comunicação da Exmª juíza que se encontrava doente e impossibilitada de comparecer (cfr. fls. 235); f) Em 26 de Junho de 2012, um outro Exmº juiz titular do processo proferiu o seguinte despacho (transcrição integral): “Para julgamento designo o próximo dia 18 de Outubro de 2012, às 9h00m, Para a eventualidade de não ser possível a realização na data indicada, de harmonia com o disposto no artigo 312.º n. 2 do C.P.P. designo, desde já, o dia 18 de Outubro de 2012, pelas 13h45m.” (cfr. fls. 236); g) No 18 de Outubro de 2012, um terceiro Exmº juiz titular do processo proferiu despacho dando sem efeito a designação de data para a realização de audiência de julgamento, considerando, em síntese, que anteriormente tinha decorrido toda a produção de prova perante a Exmª juíza Natacha Castelo Branco, nunca tinha sido excedido o limite temporal de trinta dias fixado no n.º 6 do artigo 328.º do Código do Processo Penal entre duas sessões da audiência e esse limite não é aplicável à fase da elaboração e leitura da sentença (cfr. 290 e 291).
h) A Exmª juíza Natacha Castelo Branco procedeu elaboração da sentença que foi lida e depositada em 21 de Janeiro de 2013 (cfr. fls. 302 a 326).
Apreciando e decidindo: A questão fundamental consiste em saber se a prova oralmente produzida na audiência de julgamento perdeu eficácia.
Segundo tem sido sublinhado, os princípios da oralidade e da imediação - princípios fundamentais do processo penal – impõem que a apreciação conjunta da matéria de prova decorra numa audiência unitária e continuada. Assim é que a audiência deve decorrer sem qualquer interrupção ou adiamento até ao seu encerramento, com as interrupções estritamente necessárias; Se não puder ser concluída no dia em que se tiver iniciado a audiência é interrompida, para continuar no dia útil imediatamente posterior. Se a simples interrupção não for bastante, ainda é admissível o adiamento da audiência. Porém, a interrupção e o adiamento dependem sempre de despacho fundamentado do presidente. Certo é ainda que o adiamento não pode exceder trinta dias e se não for possível retomar a audiência neste prazo, perde eficácia a produção de prova já realizada (artigo 328.º, n.ºs 1 a 6 do Código do Processo Penal).
Neste âmbito, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 11/2008, de 29.10.2008, proferido no processo 07P4822 uniformizou jurisprudência estabelecendo que a perda de eficácia abrange apenas a prova produzida com sujeição ao princípio da imediação e ocorre independentemente da existência de documentação a que alude o artigo 363.º do Código do Processo Penal.
A fixação de uma dilação máxima de trinta dias visa seguramente impedir que a memória das provas produzidas oralmente na audiência se desvaneça na mente do julgador ou que fique afectada “imagem...
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