Acórdão nº 53/09.6TACMN.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 18 de Março de 2013

Data18 Março 2013

Processo n.º 53/09.6TACMN.G1 Acordam, em conferência, na Secção Criminal deste Tribunal: Relatório No Tribunal Judicial de Caminha, por decisão proferida em 12/07/2012, em processo comum com intervenção do tribunal singular, foram cada uma das arguidas Susana E... e Maria M... condenadas, pela prática, em co-autoria, de um crime de peculato p. e p. pelo art.º 375º n.º 1 do Código Penal (a partir de agora apenas designado por CP), nas penas de 15 meses de prisão, suspensas na sua execução por igual período, na condição de pagarem ao assistente Município de Caminha a quantia que foram solidariamente condenadas a pagar, em sede de pedido de indemnização civil.

Desta decisão interpuseram ambos as arguidas recurso (respectivamente, a fls. 673 a 686 e 579 a 645), nos quais aduzem as seguintes questões: 1 – A primeira arguida Susana E..., a de não ter sido feita qualquer prova da prática por si dos factos que lhe eram imputados, pelo que, deveria ter sido absolvida, a de ter sido violado o princípio constitucional da presunção de inocência, designadamente porque era à acusação que competia provar que as “movimentações bancárias inusitadas” eram provenientes da prática do crime, e, subsidiariamente, a diminuição considerável da ilicitude nos termos da alínea d) do n.º 2 do art.º 31º do CP, face ao comportamento assumido pelo assistente, que facilitou o prolongamento da situação, devendo por isso ser reduzida a metade a indemnização civil.

2 – A segunda recorrente Maria M... alega estar ferida a decisão recorrida de nulidade, por excesso de pronúncia (por entender não poderem ter sido dados como provados os factos por si referidos a fls. 634, sem ter sido observado o disposto nos art.ºs 358º e 359º do Código de Processo Penal, a partir de agora apenas designado por CPP) e por falta de fundamentação da matéria de facto e de exame crítico da prova, concretamente quanto aos factos por si referidos a fls. 635 e 636. Acrescenta estar a decisão recorrida afectada do vício da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, designadamente, por não terem sido dados como provados os pontos 14, 18 e 19 da acusação, ter sido violado o princípio da presunção de inocência, e haver erro de julgamento quanto aos factos referidos a fls. 643, que entende deverem ter sido dados como não provados, com a sua consequente absolvição.

A Magistrada do M.P. junto do tribunal e o demandante civil Município de Caminha responderam àqueles recursos, respectivamente e em relação aos dois, a fls. 833 a 856, e o assistente, a fls. 857 a 862 (recurso da arguida Susana) e 863 a 880 (recurso da recorrente Maria M...), pugnando ambos pela total improcedência dos mesmos.

A recorrente Maria M... também respondeu ao recurso da co-arguida, nos termos de fls. 825 a 832.

A Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta junto deste tribunal emitiu o douto parecer de fls. 893 a 895, pugnando também pela total improcedência dos recursos interpostos, parecer ao qual apenas a recorrente Etelvina respondeu (fls. 904 a 906).

Foram colhidos os vistos legais, e procedeu-se à conferência, cumprindo decidir.

***** ***** Fundamentação de facto e de direito Na decisão recorrida, foram considerados provados e não provados os seguintes factos, com a motivação que também se transcreve: 1.1 FACTOS PROVADOS com interesse para a decisão da causa: A arguida Susana E... é funcionária da Câmara Municipal de Caminha, tendo iniciado funções no dia 01/06/2006, com a categoria de auxiliar de serviços gerais, em regime de contrato de trabalho a termo resolutivo, vínculo que manteve até 22/12/2008, data em que celebrou com o Município contrato individual de trabalho por tempo indeterminado, com a mesma categoria. Em 01/01/2009, transitou para o regime de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, com a categoria de assistente operacional da carreira geral assistente operacional.

No período de 06/08/2007 a 14/12/2008 a arguida Susana E... exerceu as funções de assistente operacional no ferryboat de Caminha.

No exercício dessas funções era responsável pela emissão de bilhetes e pelo recebimento do respetivo preço, que cobrava aos utentes do ferryboat na travessia entre Caminha e La Guardia.

Tinha depois a responsabilidade, decorrente do exercício daquelas funções, de entregar as receitas assim arrecadadas, no final do próprio dia da cobrança, na Secção de Contabilidade, Aprovisionamento e Património da Câmara Municipal de Caminha, de acordo com o artigo 72º do “Manual de Procedimentos” daquele Município.

Entre o dia 15/08/2008 e o dia 14/12/2008, a ora arguida Susana E... foi emitindo e cobrando diariamente os bilhetes do ferryboat, tendo recebido o valor dos bilhetes correspondente, conforme consta descrito nos documentos de fls. 28 a 32, que aqui se dão como reproduzidos para todos os efeitos legais.

No período de 15/08/2008 a 14/12/2008, não fez a entrega, nos cofres da autarquia de Caminha das quantias que a esse título recebeu, nesse período de tempo, as quais perfizeram o montante total de 17.681,20€ (dezassete mil seiscentos e oitenta e um euros e vinte cêntimos).

As arguidas Susana E... e Maria M... que, então, partilhavam a mesma residência e viviam em economia comum, decidiram de forma concertada e em conjugação de esforços, apropriar-se das referidas quantias, em proveito comum, como efetivamente fizeram, apesar de ambas saberem que o dinheiro deveria ser entregue nos cofres da Câmara Municipal de Caminha, uma vez que a arguida Susana E... a ele teve acesso em razão das funções que exercia junto desse município e se encontrava vinculada, em razão dessas mesmas funções, a proceder à sua entrega.

As duas arguidas sabiam que agiam pela forma descrita sem o consentimento e em prejuízo do Município de Caminha, aproveitando-se da ausência de intervenção da Câmara Municipal de Caminha, que tendo tido conhecimento da situação, apenas em 15/12/2008 dirigiu notificação à arguida Susana E... para repor a quantia em falta e regularizar as entregas dos apuros futuros e em 16/12/2008 decidiu a abertura de processo de averiguações com vista a apurar os montantes não entregues e as eventuais responsabilidades, tendo entretanto, entre julho e dezembro de 2008, mantido a ora arguida Susana E... no exercício das mesmas funções, cobrando e recebendo as quantias correspondentes aos bilhetes que emitia e que diariamente continuava a não entregar.

Na sequência desta decisão, foi instaurado processo disciplinar à arguida Susana E..., no qual foi proferida decisão que aplicou à referida arguida pena de suspensão de 240 dias, cumprida de 26.06.2009 a 20.02.2010.

Por acordo entre a arguida Susana E... e a Câmara Municipal de Caminha, vem sendo descontada no seu vencimento, nos meses em que são pagos os subsídios de férias e de Natal, a quantia correspondente a 1/6 do seu vencimento, tendo já sido descontada a quantia total de 819,37€.

Assim, agiram as arguidas, durante o lapso de tempo referenciado, reiterando sucessivamente os mesmos propósitos, cometendo de forma homogénea os repetidos atos criminosos, favorecidos pelas mesmas circunstâncias exteriores e servindo-se dos mesmos métodos que, sucessiva e repetidamente, se foram revelando aptos para atingir os fins.

As arguidas agiram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei como crime.

MAIS SE PROVOU: Do relatório para determinação da sanção relativo à arguida Susana E... consta, além do mais:” Após a morte do progenitor, Susana E... afastou-se da família de origem, alegadamente por não ter boa relação com a progenitora, tendo-se refugiado na amizade e no apoio da sua coarguida neste processo, com quem residia. Posteriormente, há cerca de dois anos, Susana E... e a sua hospedeira Maria M... acabaram por se desentender, alegadamente na sequência do relacionamento que a primeira estabeleceu com um namorado, com o qual passou a morar em Vilar de Mouros. Entretanto, tendo terminado a relação com o namorado, regressou a casa da mãe, restabelecendo as ligações familiares com esta, com quem continua a residir em Monção. Neste contexto, a arguida dispõe de apoio familiar e, tendo sido reintegrada nos quadros da Câmara Municipal de Caminha, tem ocupação profissional, parecendo-nos que, na eventualidade de aplicação de medida e se a moldura penal assim o permitir, reunirá condições para a execução de medida na comunidade.” Do relatório para determinação da sanção relativo à arguida Maria M... consta, além do mais:”…enviuvou há cerca de três anos… A arguida desenvolve a atividade de ajudante de lar na “Casa de Repouso da Confraria do Bom Jesus dos Mareantes” desde há 27 anos, encontrando-se atualmente suspensa, na sequência de inquérito em processo disciplinar que lhe foi movido pela entidade patronal, há cerca de 2 meses, visando o despedimento. Os rendimentos da arguida são constituídos pelo seu vencimento (cerca de 500,00€), pela pensão de sobrevivência que lhe foi atribuída após a morte do marido (316,00€) e pelo valor do arrendamento de 4 quartos a estudantes (120€ cada), no total de 480,00€. Refere que tem encargos fixos elevados, entre os quais destaca, para além dos consumos de água e luz, seguros e impostos, as prestações mensais de empréstimos contraídos para efetuar obras na casa, cujos valores totalizam cerca de 400,00€. Maria M..., natural de Caminha, onde reside, está bem integrada nesse meio, ainda que sejam referenciados alguns conflitos com a vizinhança, que parecem caracterizar o seu estilo relacional. Após os desentendimentos com a sua coarguida neste processo, tendo esta deixado de residir na sua casa, Maria M... mora só e, embora considere que tem com os hóspedes que acolhe em sua casa um ambiente familiar, parece ter dificuldade em gerir emocionalmente a perda daquele relacionamento, motivo que, refere, a mantém sob acompanhamento psiquiátrico. Em termos profissionais, Maria M... encontra-se suspensa das suas funções, aguardando a conclusão do processo disciplinar que...

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