Acórdão nº 285/11.7IDBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Fevereiro de 2013
Magistrado Responsável | MARIA LU |
Data da Resolução | 04 de Fevereiro de 2013 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência, os juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães_ I – RELATÓRIO No processo comum (com intervenção do tribunal singular) n.º285/11.7IDBRG do Tribunal Judicial de Cabeceiras de Basto, por sentença proferida em 21/5/2012 e depositada em 30/5/2012, foi decidido:
-
Condenar o arguido Gonçalo M... pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, nos termos previstos pelo art. 105. º, n.º 1 do RGIT, na pena de 400 (quatrocentos) dias de multa, à taxa diária de €.5,00 (cinco euros), o que perfaz o montante global de € 2000,00 (dois mil euros).
-
Condenar a arguida “G..., Lda”, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, nos termos dos arts 6.º, 7.º, 105.º, n.º 1 do RGIT, na pena de 400 (quatrocentos) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz o montante global de € 2000,00 (dois mil euros).
Inconformado com a decisão, o arguido Gonçalo interpôs recurso, extraindo da respectiva motivação, as seguintes conclusões [transcrição]: 1.ª) Padece a douta sentença que ora se sindica dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova, porquanto da prova documental e testemunhal produzida em audiência de julgamento não resultou provado o ponto 9. do Item 2.1, Fundamentação de Facto – Matéria de Facto Provada, que ora se impugna.
-
) Da prova produzida em audiência de julgamento não resultou provado que a sociedade arguida tinha disponibilidade financeira para, simultaneamente, pagar o imposto de IVA ao Estado e pagar os salários dos seus trabalhadores, já que ninguém o disse e nenhum documento foi junto que espelhasse tal facto; 3.ª) Pelo que se requer a reapreciação de toda a prova produzida (prova a contrario), nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 412.º do Código de Processo Penal.
-
) Pese embora tenha o Tribunal a quo dado como provado que «A arguida sociedade passa por dificuldades económico-financeiras desde 2008 e o arguido Gonçalo M... no âmbito das suas funções de gerência entregou o dinheiro que recebia a título de IVA, para pagar os salários dos trabalhadores e outras despesas correntes, tais como telecomunicações e despesas de escritório.», não colheu a aplicabilidade do conflito de deveres ou do estado de necessidade desculpante; mas mal! 5.ª) O recurso ao conflito de deveres ou ao estado de necessidade justificante ou desculpante decorre do regime geral, pois outra não foi a intenção expressa do legislador (artigo 8.º do Código Penal).
-
) A sociedade Arguida, encontrando-se a atravessar graves dificuldades económico-financeiras, admite ter utilizado os montantes do IVA para pagar aos seus trabalhadores e também para pagar despesas correntes.
-
) Não era possível cumprir simultaneamente com as duas obrigações: o pagamento do IVA ao Estado e o pagamento dos salários aos seus trabalhadores.
-
) O Recorrente deparou-se com a obrigação de cumprimento de dois deveres, incompatíveis entre si, designadamente o dever de pagar os salários dos seus trabalhadores e o dever de pagamento dos impostos, sendo que foi necessário estabelecer uma ordem de prioridades, sacrificando o dever de entregar o IVA ao Estado.
-
) Reconhecendo inequivocamente o Tribunal de 1.ª instância que a sociedade arguida utilizou os montantes de IVA para pagar os salários dos trabalhadores e outras despesas correntes, tal reconduz-se a considerar verificados os pressupostos do conflito de deveres previsto no artigo 36.º do Código Penal, pelo que sempre esta norma devia ter sido aplicada.
-
) Ao não ter reconhecido a existência de uma causa de exclusão da ilicitude da conduta imputada ao ora Recorrente, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 31.°, n.° 1, e 2, alínea c), e 36.°, ambos do Código Penal.
-
) Os factos apurados no caso sub judice integram ainda uma situação de estado de necessidade desculpante: o Recorrente afastou o perigo que incidia sobre o bem jurídico protegido vida (dos trabalhadores) que se sobrepõe de forma inequívoca às obrigações fiscais de natureza patrimonial.
-
) A situação de perigo era actual, não foi criada pelo Arguido, protegeram-se os interesses de terceiro, e o meio foi adequado a afastar o perigo.
-
) Ao não ter o Tribunal a quo reconhecido a existência desta causa de exclusão da culpa, foi violado o disposto nos artigos 31.°, n.° 1, e 2, alínea b), e 35.°, ambos do Código Penal.
-
) Entende-se ainda que não estão preenchidos os elementos subjectivos do tipo do crime de abuso de confiança fiscal, nomeadamente a actuação dolosa; 15.ª) Tendo sido violado o artigo 105.º do RGIT.
-
) O Recorrente foi condenado na pena de 400 (quatrocentos) dias de multa à taxa diária de €5,00 (cinco euros), o que perfaz o montante global de €2.000,00 (dois mil euros).
-
) Como sendo o limite máximo da pena de multa aplicável neste tipo legal de crime 360 dias, não podia o Recorrente ter sido condenado na pena de 400 dias, por ser esta superior ao limite máximo.
-
) A pena aplicada ao Arguido na douta sentença em sindicância é ilegal, tendo-se violado o n.º 1 do artigo 105.º do RGIT.
O Ministério Público junto da 1ªinstância respondeu ao recurso, defendendo que houve erro na determinação da medida concreta da pena, uma vez que a pena de multa aplicada ultrapassou o limite máximo da moldura penal prevista no art.105.º n.º1 do RGIT, o qual tipifica o crime de abuso de confiança fiscal, pelo que a pena de 400 dias de multa deve ser reduzida, mantendo-se quanto ao mais a decisão recorrida [fls.553 a 566].
Admitido o recurso e fixado o seu efeito, foram os autos remetidos ao Tribunal da Relação.
Nesta instância, a Exma.Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, concluindo nos termos da resposta apresentada pelo Ministério Público na 1ªinstância [fls.608 a 609].
Cumprido o disposto no art.417.º n.º2 do C.P.Penal, não foi exercido o direito de resposta.
Colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
II – FUNDAMENTAÇÃO Decisão recorrida A sentença recorrida deu como provados e não provados os seguintes factos, a que se seguiu a respectiva motivação: 2.1. Matéria de Facto provada Da audiência de julgamento resultaram provados, com interesse para a decisão da causa, os seguintes factos: “1. O arguido Gonçalo M... é sócio gerente da empresa arguida denominada “G..., Lda”, sociedade por quotas, com o CAE 082990, contribuinte n 502.943.01, com sede na Casa de Santo Antonino, Alvite, Cabeceiras de Basto, sendo tal empresa sujeito passivo de IRC, tendo a mesma por objecto o exercício da actividade de representação de produtos alimentares e vestuário, formação profissional e consultadoria agrícola, entre outras, estando, a mesma, inscrita em sede de IVA no regime normal de periodicidade trimestral, na Repartição de Finanças de Cabeceiras de Basto 2. Desde o dia 1 de Março de 1993 até à data em que foi decretada a insolvência da sociedade, que o arguido Gonçalo M... exerceu o cargo de sócio-gerente da empresa arguida denominada “G..., Lda”.
-
Durante o 3º trimestre de 2010 o arguido Gonçalo M..., agindo sempre em nome da sociedade arguida, procedeu à retenção das quantias de IVA recebidas dos seus clientes, no valor de 10.985,16 euros, não as entregando, como era sua obrigação legal, à Administração Fiscal, enriquecendo assim o património da sociedade arguida na exacta medida em que empobreceu o do Estado.
-
Durante o 1.º trimestre de 2011, o arguido Gonçalo M..., agindo sempre em nome da sociedade arguida, procedeu à retenção das quantias de IVA recebidas dos seus clientes, no valor de 10.634,97 euros, não as entregando, como era sua obrigação legal, à...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO