Acórdão nº 1032/08.6TAVCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Abril de 2016

Data04 Abril 2016

Acordam, em conferência na secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães, 1. No despacho proferido em 17-04-2015, a Exmª juíza da secção criminal da Instância Local e Comarca de Viana do Castelo indeferiu o requerimento para solicitação de informação sobre o número de pessoas que foram atendidas em 25 de Abril de 2008 no serviço de urgência da Unidade Local de Saúde do Alto Minho, pelos médicos arguidos neste processo, desde o início do turno até à hora da alta da assistente requerida pela assistente (cfr. fls. 1125).

Inconformada, a assistente Susana M.

interpôs recurso para revogação e substituição dessa decisão por despacho que determine a a realização da diligência probatória (fls. 1154 a 1165).

A magistrada do Ministério Público na instância local de Viana do Castelo formulou resposta concluindo que o recurso deve improceder (fls. 1214 a 1216).

  1. Na sentença proferida em 18-06-2015, a Exmª juíza da secção criminal da Instância Local e Comarca de Viana do Castelo absolveu os arguidos António J.

    e Maria F.

    da prática do crime de ofensa à integridade física por negligência previsto e punido pelo artigo 148º, nº 1 do Código Penal (fls. 1181 a 1211).

    Inconformada, a assistente Susana M.

    interpôs recurso, concluindo que deve ser proferido acórdão deste tribunal da relação que revogue a sentença de primeira instância e condene os arguidos pelo cometimento do crime por que vinham pronunciados (fls. 1249 a 1275).

    O Ministério Público, representado pela magistrada na instância local de Viana do Castelo apresentou resposta concluindo a final que o recuso não merece provimento (fls. 1287 a 1301).

    A arguida Maria F.

    formulou resposta, concluindo que o recurso deve ser julgado totalmente improcedente e confirmada a sentença recorrida (fls. 1303 a 322).

    O arguido António J. apresentou igualmente resposta concluindo pela improcedência do recurso da assistente (fls. 1342 a 1357).

    Neste Tribunal da Relação de Guimarães, o Ministério Público, por intermédio de procurador-geral adjunto, exarou parecer no sentido da improcedência dos recursos (fls. 1368 a 1373).

    A assistente respondeu ao parecer do Ministério Público, reiterando a posição anteriormente expressa nas motivações.

    Recolhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

  2. No decurso da sessão da audiência de julgamento de 17-04-2015, o mandatário da assistente requereu o seguinte (transcrição): “Tendo sido referido pelas duas últimas testemunhas inquiridas que num ambiente de stress de urgência é normal passarem diagnósticos de fractura como nos autos, podendo ser essa a justificação para uma análise menos cuidada de um RX e um não diagnóstico da fractura em questão nos autos, afigura-se-nos relevante, para avaliar em concreto dessa realidade no dia dos factos ora em apreciação - 25-04-2018 - que se verifiquem o número de pessoas que foram atendidas pelos médicos aqui arguidos nesse mesmo dia no serviço de urgência na ULSAM em Viana do Castelo, desde o início do seu turno até às 11h34 (data da alta dada à assistente).

    Pelo exposto requer a V. Exª., se digne mandar oficiar àquela Unidade de Saúde Local do Alto Minho, para que venha prestar as informações acima evidenciadas.” Sobre este requerimento incidiu o despacho judicial recorrido, com o seguinte teor (transcrição): “Vigora no nosso Processo Penal o critério de necessidade no que se refere à produção de meios de prova, tal qual decorre de forma expressa, do disposto no artº 340º nº 1 do C.P.P..

    No caso de que nos ocupamos, não só esse critério da necessidade não é sustentado, pois alega-se apenas relevância, como se não vislumbra que seja necessário, ou sequer relevante à descoberta da verdade e boa decisão da causa - oficiar-se nos termos requeridos (para saber-se o número de pessoas assistidas e ainda a assistir pelos arguidos, doentes vistos pelos arguidos em internamento, actos cirurgicos praticados pelos arguidos).Com efeito, e sendo certo que é do senso comum e conhecimento geral as condições em que os utentes são atendidos e observados nos serviços de urgência (e foi apenas isso que as testemunhas disseram, nada falando e nada sabendo no caso concreto) o certo é que tal factualidade se afigura desde logo irrelevante em face do princípio da responsabilidade que recaía sobre os arguidos. Por outro lado, nem os próprios arguidos se "refugiaram" nas condições de assistência intensas no serviço de urgência para justificarem a sua conduta no dia dos factos.

    Face ao exposto, por falta de fundamento legal, aliás não invocado, indefere-se o requerido.” A questão a resolver no âmbito deste recurso consiste fundamentalmente em saber se se deve manter o juízo de desnecessidade de produção de prova decorrente da informação a prestar pelo serviço de urgência.

    Em nossa apreciação, a informação pretendida pela assistente sempre seria supérflua ou inútil para a decisão da causa, quer quanto ao preenchimento do tipo negligente, quer para a eventual escolha e determinação da medida concreta da pena, por diferentes ordens de razões: Em primeiro lugar, não se vislumbra que tenha sido invocada pelos arguidos qualquer “causa de exclusão” ou de atenuação do juízo de censurabilidade da conduta decorrente do volume ou carga de exigência no serviço de urgência. A afirmação da arguida de que por natureza o serviço de urgência de destina a um atendimento “rápido” constitui um “facto notório” e as referências vagas e imprecisas das testemunhas Abel T. e Orlando P. sempre seriam insubsistentes para um juízo probatório nesse âmbito.

    Por outro lado, a informação sobre o número de pessoas assistidas e a assistir naquele dia também nunca permitiriam conhecer de forma objectiva o “contexto” em que ocorreu o exame e a consulta da assistente, que sempre se encontraria dependente do conhecimento de todo um conjunto de diversos outros elementos referentes à gravidade das situações já examinadas nesse dia e em espera para examinar, ao número de profissionais de saúde envolvidos no atendimento, aos meios técnicos disponíveis.

    Por último e mais importante, a ponderação sobre o “volume de serviço” e a consequente pressão psicológica provocada por um elevado número de pessoas para assistir, sempre seria irrelevante para desvalorizar ou, sequer, para atenuar a responsabilidade dos médicos na prestação de cuidados de saúde em serviço de urgência de uma unidade hospitalar.

    Pelo exposto, concluímos que a prova requerida se configura como desnecessária e irrelevante, pelo que se justifica o indeferimento do requerimento da assistente, em conformidade com o disposto no artigo 340.º n.º 1 e n.º 4, alínea b) do Código de Processo Civil e o recurso não merece provimento.

  3. Tendo em conta as conclusões da motivação, as questões a apreciar no recurso que incide sobre a sentença são as seguintes:

    1. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto – saber se deve ser considerado como provado, em substituição do ponto dez do elenco dos factos provados da sentença recorrida, que como consequência directa e necessária da conduta dos arguidos, a assistente sofreu dores no punho esquerdo e viu agravados os períodos de dor, doença e de afectação da capacidade de trabalho para além do período médio normal de 180 dias e que sabiam os arguidos que a sua descrita actuação os tornava incurso em responsabilidade criminal.

    2. Preenchimento dos elementos do tipo de crime de ofensa à integridade física por negligência do artigo 148.º n.º 1 do Código Penal.

  4. Matéria de facto Para a fundamentação da presente decisão, torna-se imprescindível transcrever parcialmente a sentença objecto de recurso.

    O tribunal recorrido julgou provada a seguinte matéria de facto (transcrição): 1. No dia .. de Abril de 2008, pelas 09.27h, a assistente Susana M., recorreu, na sequência de uma queda de escadas de que foi vítima na sua residência, ao Serviço de Urgência do Centro Hospitalar do Alto Minho, EPE, de Ponte de Lima, tendo aí sido assistida pela Dra. Maria A..

  5. Aí, e uma vez que a assistente se queixava de dor no punho esquerdo e apresentava deformidade (inchaço) no mesmo, foram efectuados exames radiológicos à mesma – duas incidências – e foi a ora assistente encaminhada para o Centro Hospitalar do Alto Minho, EPE, de Viana do Castelo, a fim de a mesma ser vista por um médico-especialista.

  6. Assim, para o efeito, deslocou-se a assistente ao Centro Hospitalar do Alto Minho, EPE, de Viana do Castelo, onde foi admitida pelas 11.11h do dia 25 de Abril de 2008, mais tendo o Centro Hospitalar do Alto Minho EPE, de Ponte de Lima, disponibilizado, através do sistema informático, os exames imagiológicos referidos em 2).

  7. Nesta unidade a assistente foi vista pelo Dr. António F., médico então a frequentar o internato médico desde 01.01.2007 e a formação específica em ortopedia desde 01.01.2008 e pela Dra. Francisca G., médica ortopedista, assistente hospitalar de ortopedia.

  8. Analisados os referidos exames radiológicos, consideram os ora arguidos que a assistente não apresentava sinais radiográficos evidentes de fracturas recentes.

  9. Assim, e face ao diagnóstico médico referido em 5), foi dada alta da urgência à assistente com o diagnóstico de traumatismo do punho, apenas com aplicação de ligadura e prescrição de anti-inflamatórios, nomeadamente Arthotec 75 (AINE), e indicação de vigilância de sinais de alarme e reavaliação no médico assistente se houve persistência ou agravamento das queixas.

  10. Sucede, porém, que decorrido um mês de ingestão da medicação recomendada, sem evolução favorável, a assistente deslocou-se, de novo, ao Centro Hospitalar do Alto Minho, EPE, de Viana do Castelo, onde, após realização de novo exame radiológico, lhe foi diagnosticada, pelo Dr. P…, fractura do escafóide esquerdo.

  11. A fractura do escafoide cárpico nem sempre é visível nos exames radiográficos coincidentes com o traumatismo, podendo só se identificar o traço de fractura cerca de 2 a 3 semanas depois, o que ocorre em cerca de 1/3 dos casos.

  12. No caso da assistente, logo no...

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