Acórdão nº 1528/14.0PBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução04 de Abril de 2016
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência na secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães, 1.

Por sentença proferida após a realização da audiência de julgamento, o tribunal singular da Instância Local e Comarca de Braga condenou o arguido José F.

como autor material de um crime de violência doméstica, previsto e punido no artº 152º, nº 1, al. a) e 2 do Código Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período de tempo, subordinada à condição de pagar à ofendida, no prazo de um ano após o trânsito, a indemnização em que vai condenado (€5.310,00).

Na parcial procedência do pedido de indemnização civil, foi o arguido-demandado condenado no pagamento à demandante Alda M. da quantia total de cinco mil euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da sentença até integral pagamento, a título de indemnização por danos não patrimoniais; e a quantia de trezentos e dez euros, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, desde a data da notificação do pedido até integral pagamento.

O arguido interpôs recurso pugnando pela revogação da sentença e consequente absolvição do cometimento do crime de violência doméstica por que vem condenado. Da motivação, o recorrente extraiu as seguintes conclusões (transcrição): “1º - O presente recurso é interposto da matéria de facto e de direito (artº412º do C.P.P) 2º - Tendo em conta as provas produzidas nos autos, consubstanciada nos documentos escritos, nas declarações prestadas pelo arguido e pela assistente e os depoimentos de todas as testemunhas, transcritos e em anexo sob documento nº1, com indicação na motivação, não poderia ter sido dado como provados os factos elencados nos números 3º; 5º a 22º; 25º a 31º; 34º a 48º da douta sentença; 3º - Sem qualquer fundamento, ou suporte na prova produzida, limitando-se a sentença a reproduzir, palavra por palavra, o constante na acusação pública e o Pedido de Indemnização Civil; 4º - Face à matéria de facto produzida em sede de audiência de julgamento e sua conjugação com a documentada nos autos, aqueles mesmos factos (3º; 5º a 22º; 25º a 31º; 34º a 48º) da acusação pública e do PIC deveriam ter sido considerados como NÃO PROVADOS, já que está demonstrado nos autos a forma diferente da actuação concreta por parte do arguido; 5º - Face à matéria de facto produzida em sede de audiência de julgamento e sua conjugação com a documentada nos autos resulta clara contradição com a douta decisão em crise; 6º - Existe, ainda, contradição insanável da fundamentação e erro notório na apreciação da prova a determinar decisão diversa da recorrida, nos termos das disposições conjugadas dos artºs 410º, nº2 als. b) e c) e 412º, nº3 als. A) e b) do Cód.Proc.Penal que assim foram violadas. São estes os pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados e cuja prova, pelo seu reexame, impõe decisão diversa da recorrida – artº 412º, nº3 als. A) e b) do CPP -; 7º - Resulta da motivação que o tribunal a quo não deu igual tratamento e valorização às declarações proferidas pelo arguido e pela assistente; não deu igual tratamento e valorização aos depoimentos das testemunhas de acusação e do PIC e as testemunhas de defesa.

8º - Na douta sentença e o do confronto com a prova produzida – declarações e depoimentos – resulta a não observação das regras da imparcialidade; 9º - Da análise da prova produzida perpassa a desvalorização das declarações do arguido e dos depoimento das testemunhas de defesa sem qualquer fundamento válido e objectivo dessa desvalorização; 10º - Não resulta da motivação expressa pela Meretíssima Sra Juiz a quo que na fixação da matéria de facto assente tenha sido feito uso dos critérios de razoabilidade e bom senso e regras da experiência comum, os quais, na plenitude da sua aplicabilidade conduzem-nos a conclusão contrária e distinta da expressa na douta sentença, permitindo a devida contextualização dos factos e o apuro da verdade, com alteração da matéria de facto nos termos preconizados.

11º A convicção do Tribunal a quo formou-se com base em erro manifesto, contrária às regras elementares da lógica ou da experiência comum, sendo evidente os princípios contraditórios em que ela alicerçou a decisão, não logrando formar uma convicção de certeza; 12º A douta sentença em crise ainda padece da violação das regras da experiência e acolhe a extrapolação de presunções indevidas.

13º O arguido não praticou o crime previsto e punível pelo Artigo 152º, nº1, al. a) e nº2 do Código Penal.

14º - Conforme o douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, a 08/07/2015, em que é Relator o Senhor Desembargador José Carreto, in www.dgsi.pt, cujo sumário, com a devida vénia, transcrevemos: “O crime de Violência doméstica não é, nem pode ser, um crime que, no final da vivência em comum de duas pessoas, vistoriando retroativamente, vá julgar o modo como o casal viveu a vida em comum e puni-los como se fosse um crime de “regime.” 15º - Na procedência das conclusões anteriores, terá forçosamente o arguido de ser absolvido.

16º - Decidida a condenação do arguido ainda não está preenchido o requisito do nº2 do Art.152º do Código Penal, atenta a não presença do filho do G. e a tenra idade do filho A., este com 2 meses e 14 dias à data da ocorrência do último facto assente na douta sentença.

17º - O valor da indemnização por danos não patrimoniais afere-se através do recurso ao critério da equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do agente, a sua situação económica e as demais circunstâncias do caso que a justifiquem nos termos do disposto nos artºs 494º e 496º do Código Civil.

18º - O arguido não praticou qualquer facto ilícito de onde possa decorrer a obrigação de indemnização a que foi condenado; 19º - o valor da indemnização pelo dano não patrimonial fixada pela douta sentença mostra-se totalmente desajustado e desconforme com a aplicada em casos idênticos, que tem vindo a ser fixada em valores que variam entre 750,00€ e 1.000,00€; 20º - No uso do juízo de equidade que deve presidir à sua fixação deverá aquele valor indemniza-tório ser reduzido, para valor não superior a 1.000,00€, sempre na esteira da aplicação daquele princípio.

21º - A douta decisão em crise violou os seguintes preceitos jurídicos: Código Penal: artigo 152, nº1, al.a) e nº2 Código de Processo Penal: artº410º.” A assistente Alda M.

apresentou resposta, concluindo que o recurso deve improceder.

O Ministério Público, por intermédio do magistrado na Instância Local de Braga, formulou igualmente resposta, concluindo que o recurso não merece provimento.

Neste Tribunal da Relação de Guimarães, o Ministério Público, aqui representado pelo procurador-geral adjunto, emitiu fundamentado parecer no sentido da total improcedência do recurso do arguido.

Não houve resposta ao parecer. Recolhidos os vistos e realizada a conferência na primeira data disponível cumpre apreciar e decidir.

  1. O objecto do recurso e o poder de cognição deste tribunal da relação definem-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, onde deverá sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir as razões do pedido - artigos 402º, 403.º e 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, naturalmente que sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso (cfr. Silva, Germano Marques da, Curso de Processo Penal, Vol. III, 1994, p. 320; Albuquerque, Pinto de, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª ed. 2009, pag 1027 e 1122, Santos, Simas, Recursos em Processo Penal, 7.ª ed., 2008, p. 103; entre outros os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271; de 28.04.1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, p. 196).

    As questões a apreciar são as seguintes: a) Vícios decisórios de contradição insanável da fundamentação e de erro notório na apreciação da prova; b) Enquadramento jurídico-penal; c) Valor da indemnização cível.

  2. Para fundamentação da presente decisão, torna-se necessário transcrever parcialmente a sentença recorrida.

    O tribunal judicial de primeira instância julgou provada a seguinte matéria de facto (transcrição) : “1. O arguido José F. e a assistente Alda M. casaram um com o outro, no dia 15/02/2002, com convenção antenupcial, no regime de separação de bens.

  3. O casal tem dois filhos, G. e A., nascidos em 18/03/2006 e 27/05/2014 respectivamente.

  4. No mês de Julho de 2014, o arguido e a ofendida separaram-se.

  5. Desde que casaram até à data da respectiva separação, o arguido e a ofendida residiram na habitação, sita na Rua N…, concelho de Braga.

  6. Desde data não concretamente apurada, mas, logo após terem contraído casamento e enquanto viveram juntos, o arguido sujeitou a ofendida ao seu controlo de movimentos, desde logo controlando as suas saídas e o seu horário e local de trabalho, restringindo os seus contactos com terceiros, pondo em causa a paternidade dos dois filhos de ambos, iniciando discussões sem qualquer razão aparente.

  7. Assim, nesse período, desde data não apurada, o arguido impunha à ofendida a obrigação de efectuar uma chamada telefónica para o arguido, a fim de assinalar a sua saída do trabalho, e, caso a mesma não o fizesse, iniciava, à sua chegada a casa, uma discussão.

  8. Acresce que, caso por algum motivo, a ofendida trabalhasse para além da sua hora habitual de saída, o arguido telefonava para o seu posto de trabalho, perguntando se a mesma ainda se encontrava a trabalhar, com vista a confirmar a explicação por aquela apresentada.

  9. Sempre que a ofendida se ausentava da casa de morada de família e demorava mais do que o habitual, o arguido contactava-a para o seu telemóvel, exigindo, com foros de seriedade, a sua localização e o motivo do seu atraso.

  10. Em 2010, o arguido passou a desconfiar que o primeiro filho do casal (G.) não era seu filho, disse à ofendida que a criança não era dele, humilhando-a, tendo realizado o respectivo teste de paternidade, o qual confirmou ser o pai.

  11. Em data não concretamente apurada, mas no início do ano...

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