Acórdão nº 1446/15.5T9BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelAUSENDA GON
Data da Resolução05 de Novembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório No processo comum, com intervenção de tribunal singular, com o nº 1446/15.5T9BRG, que corre termos no Juízo Local Criminal de Braga, Comarca de Braga, foi proferido despacho, ao abrigo do art. 311º, n.º 2, al. a), e n.º 3, al. d), do CPP, a rejeitar a acusação deduzida pelo Ministério Público contra o arguido J. R.

, imputando-lhe a autoria de um crime de descaminho¸ previsto e punido pelo artigo 355º do C. Penal.

Inconformado com a referida decisão, o Ministério Público interpôs recurso, cujo objecto delimitou com as seguintes conclusões: «1) Na sequência da acusação deduzida pelo Ministério Público contra o arguido J. R., pela prática de um crime de descaminho, p. e p. pelo artigo 355º, do Código Penal, o Mmo. Juiz, entendendo que a mesma era manifestamente infundada uma vez que os factos nela descritos não constituem crime, nos termos do artigo 311º, n.º 2, al. a) e n.º 3 al. d) do CPP, rejeitou-a e determinou o arquivamento dos autos.

2) No despacho de que ora se recorre, o Mmo Juiz considerou que os factos descritos na acusação não configuram um crime de descaminho porquanto na descrição objectiva da acusação não consta qualquer concreto ato de destruição, danificação ou inutilização, total ou parcialmente, ou, por qualquer forma, subtracção ao poder público dos bens penhorados.

3) Ora, discordamos por considerar que os factos constantes da acusação configuram a prática pelo arguido de um crime de descaminho, devendo o mesmo, por conseguinte, ser sujeito a julgamento por tais factos.

4) Entendemos que para haver o preenchimento do desenho típico previsto no artigo 355ºdo Código Penal, não se mostra necessário apurar que destino foi dado aos bens sujeitos ao poder público, bastando pois que o arguido, notificado para se pronunciar quanto à localização mesmos, nada diga ou não apresente qualquer justificação para a sua conduta.

5) Com efeito, são diversos os acórdãos que consideram que não se mostra necessário apurar que destino foi dado pelo arguido aos bens para que estejamos perante a prática do crime de descaminho.

6) Assim, sendo controversa a questão jurídica em análise o Mmo Juiz à quo não poderia com base na mesma, tomando logo partido por uma das várias posições defendidas pela jurisprudência, rejeitar a acusação, considerando-a manifestamente infundada.

7) Tal posição apenas poderia ser tomada em julgamento, momento em que lhe é pedido que faça tal ponderação.

8) Uma decisão de rejeição de uma acusação apenas pode incidir sobre as situações em que os factos constantes da mesma não constituem crime de forma inequívoca.

9) Concluindo, resta dizer que a acusação deduzida nos autos contém todos os elementos típicos (objectivos e subjectivos) do crime de descaminho, p. e p. pelo artigo 355º do Código Penal imputado ao arguido; 10) Em conformidade com o explanado, discorda-se inteiramente com o despacho recorrido, que violou, designadamente, o disposto nos art.º 355º do Código Penal e o artigo 311º, n.º 2, al. a) e n.º 3, al. d), do Código de Processo Penal.».

Por concluir que os factos descritos na acusação preenchem todos os elementos do tipo do crime de descaminho, pede a substituição da decisão recorrida por outra que receba a acusação e designe data para a realização da audiência de discussão e julgamento.

O recurso foi regularmente admitido.

O arguido J. R. respondeu, defendendo que dos factos constantes da acusação não se retira que, enquanto fiel depositário, intencionalmente, tenha destruído ou feito desaparecer parte dos bens, de forma a causar a impossibilidade de ser satisfeito o direito do credor no âmbito da acção executiva, pelo que não se pode concluir pela subsunção do seu comportamento ao tipo de crime previsto no art. 355º do C. Penal.

Neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto e fundamentado parecer no sentido expendido pelo Ministério Público na 1ª Instância, sustentando que a acusação contém todos os elementos objectivos e subjectivos do crime que é imputado ao arguido e que, de todo o modo, estando-se numa fase de mera indiciação, é precipitada a sua rejeição, uma vez que a questão ainda não se encontra sedimentada na jurisprudência, existindo posições contraditórias.

Foi cumprido o art. 417º, nº 2, do CPP.

Efectuado exame preliminar, foram colhidos os vistos.

*II – Fundamentação Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (art. 412º, n.º 1, do CPP), sem prejuízo das questões que importe conhecer oficiosamente, por obstarem à apreciação do seu mérito, suscita-se neste recurso a questão de aferir se a acusação pública, rejeitada pelo despacho recorrido, é manifestamente infundada, por os factos nela descritos não constituírem crime. Para tanto, deve considerar-se como pertinentes ao conhecimento do objecto do recurso os elementos considerados na decisão recorrida (excertos): «(…) QUESTÃO PRÉVIA: Nos termos do disposto no artigo 311.º, n.º 2, do Código de Processo Penal – adiante designado pela sigla C.P.P. -, “se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente despacha no sentido: O n.º 3 do artigo 311.º do C.P.P., estatui que “para efeitos do disposto no número anterior, a acusação considera-se manifestamente infundada: d) Se os factos não constituírem crime”.

(…) O arguido J. R. encontra-se acusado da prática de um crime de descaminho, previsto e punido pelo artigo 355.º do C.P..

Estatui o supra referido tipo-de-ilícito jurídico-penal: “Quem destruir, danificar ou inutilizar, total ou parcialmente, ou, por qualquer forma, subtrair ao poder público a que está sujeito, documento ou outro objeto móvel, bem como coisa ou animal que tiverem sido arrestados, apreendidos ou objeto de providência cautelar, é punido com pena de prisão até 5 anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.” Como refere a Dra. Cristina Líbano Monteiro, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Coimbra Editora, 2001, tomo III, página 419, o bem jurídico protegido é a autonomia intencional do Estado, concretizada através de uma ideia de inviolabilidade das coisas sob custódia pública.

Seguindo de perto o Acórdão do Tribunal de Relação do Porto de 5 de novembro de 2014, (…) http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/47a1e834d01dc95f80257d94003c2ac4?OpenDocument&Highlight=0, descaminho, “a ação...

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