Acórdão nº 1575/5.9TBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução08 de Outubro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO 1.

No âmbito do Inquérito nº 1575/15.5T9BRG, a correr termos na 2ª Secção do Departamento de Investigação e Acção Penal dos Serviços do Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, foi proferido despacho de arquivamento, nos termos do disposto no Artº 277º, nº 2, do C.P.Penal, relativamente a factos participados por A. C. contra “X-Clínicas Dentárias, Lda.” e S. F., pela prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo Artº 148º do Código Penal, ou pelo crime de intervenções e tratamentos médico-cirúrgicos com violação das leges artis, p. e p. pelo Artº 150º do mesmo diploma legal.

2.

A queixosa, tendo-se constituído assistente, notificada daquele despacho de arquivamento, veio requerer abertura da instrução, nos termos contantes de fls. 181/205.

Peça processual na qual, em síntese, expende longas (dos Artºs. 1º a 62º) críticas ao Mº Público, quer em termos de incorrecta apreciação das provas indiciárias produzidas em sede de inquérito (que conduziu ao arquivamento), quer em termos de diligências que, em seu entender, foram omitidas, e que reputa de essenciais para a descoberta da verdade material, quer, finalmente, em termos de errada aplicação do “direito atinente”, sustentando que a denunciada S. F. deve ser pronunciada pela prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo Artº 148º do Código Penal, e de um crime de intervenções e tratamentos médico-cirúrgicos com violação das leges artis, p. e p. pelo Artº 150º do Código Penal, “porquanto” (1) (transcrição (2)): “(...) 64º No dia 14/1/2015, a assistente foi sujeita a um tratamento de endodontia (desvitalização) do dente 45, na X-Clínicas Dentárias, Lda, sita no Largo (...), Braga, tratamento realizado pela arguida S. F., médica dentista, melhor identificada nos autos (...).

  1. No âmbito dessa terapêutica endodôntica do dente 45, durante a irrigação do sistema de canais ter ocorrido extravasamento de hipoclorito de sódio, através do ápex para os tecidos periapicais.

  2. Na sequência desse tratamento, a assistente sentiu, imediatamente, dores intensas e paralisia facial.

  3. Que a levaram novamente a uma consulta com a aqui arguida, medica dentista, 68º Esta que, nas várias vezes que a assistente recorreu ao seu consultório médico, após o tratamento realizado em 14/1/2015, apenas fez tratamento com fármacos.

  4. No dia 20/1/2015, dada a continuação das dores intensas sentidas pela assistente, novamente se dirigiu ao consultório da arguida S. F. esta que, apenas nesta data a assistente foi dirigida para o Hospital de Braga, onde foi realizada aspiração do conteúdo do edema.

  5. Ao proceder da forma concertada atras descrita, optando por um tratamento em desuso, com sérios riscos de acidente, ciente dos riscos de tal prática, podendo optar por outros tratamentos, e verificando o acidente com o hipocloritoo de sódio, e apenas ter medicado a assistente, agiu a arguida S. F. negligenciando o dever de cuidado a que estava o brigada, violando as leges artis.

  6. Mais violou as leges artis, quando após o acidente apenas receitou medicação.

  7. Assim, a denunciada agiu de forma livre e consciente e deliberada, bem sabendo que toda a sua conduta atrás descrita era reprovável, proibida e punida por lei, no entanto, não se absteve que o fazer.

  8. Deste modo, a denunciada S. F. cometeu os crimes de ofensa à integridade física por negligência e intervenções e tratamentos medico-cirúrgicos, respectivamente previstos e punidos pelos artigos 148 nº 1 e 150° n° 2 do C.P.”.

3.

Tal requerimento de abertura de instrução foi rejeitado pelo despacho de 15/11/2017, do Mmº Juiz de Instrução Criminal do Juízo de Instrução Criminal de Braga – J2, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, por inadmissibilidade legal, nos seguintes termos (transcrição): “Inconformada com o despacho de arquivamento proferido pelo MP (fls. 155 e ss), vem a assistente A. C. requerer a abertura da instrução (fls. 181 e ss) contra S. F. – a qual assim assume a qualidade de arguida por força do disposto no artigo 57.º/1 do CPP), afirmando existência de indícios suficientes da prática por esta de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo artigo 148.º/1 do Código Penal, e de um crime de violação das leges artis, p. e p. pelo artigo 150.º do Código Penal.

Em suma, diz que: 1. No dia 14/01/2015 foi sujeita a um tratamento de desvitalização do dente 45, sendo a arguida, médica dentista, quem realizou o tratamento.

2. Durante a desvitalização ocorreu extravasamento de hipoclorito de sódio, através do ápex, para os tecidos periapicais.

3. Tendo a assistente de imediato sentido dores intensas e paralisia facial.

4. Após recorreu várias vezes à consulta da arguida mas esta apenas fez tratamento com fármacos.

5. No dia 21/01/2015, dada a continuação das dores intensas, dirigiu-se novamente a consulta com a arguida, tendo então esta a encaminhado para o Hospital de Braga, onde lhe foi realizada aspiração do conteúdo do edema.

6. Ao proceder da forma descrita, optando por um tratamento em desuso, com sérios riscos de acidente e ciente dos riscos de tal prática, podendo optar por outros tratamentos, e verificando o acidente com o hipoclorito de sódio, e apenas ter medicado a assistente, agiu a arguida negligenciando o dever de cuidado a que estava obrigada, violando as leges artis 7. Tendo ainda violado as leges artis quando após o acidente apenas recitou medicação.

8. Agiu a arguida de forma livre e consciente e deliberada, bem sabendo que todas a sua conduta era reprovável, proibida e punida por lei, no entanto não se absteve de o fazer.

Decidindo.

Como se sabe o inquérito, nos termos do disposto no artigo 262.º/1 do Código de Processo Penal, é a fase onde se prepara a decisão de acusação ou de não acusação.

Assim sendo, quando, designadamente, o Ministério Público não obtém indícios suficientes da verificação de crime ou de quem são os seus agentes, profere despacho de arquivamento nos termos do disposto no artigo 277.º/1 e 2 do Código de Processo Penal.

No caso dos autos o Ministério Público arquivou o inquérito, nos termos do disposto no artigo 277.º/2 do Código de Processo Penal.

Não se conformando, como se disse, a assistente requer a abertura da instrução, nos termos acima sumariamente expostos.

Acontece que o requerimento de abertura da instrução, quando apresentado pelo assistente, não pode ser formulado nos mesmos termos do arguido – cfr. Código de Processo Penal, Notas e Comentários, Vinício Ribeiro, 2.ª ed. p. 790).

Na verdade, o mesmo tem de equivaler a uma acusação, definindo e limitando o objecto do processo a partir da sua apresentação, não competindo ao juiz suprir as suas eventuais falhas ou insuficiências na enumeração dos factos concretos a imputar inegável e directamente ao arguido e que permitam, caso venham a mostrar-se suficientemente indiciados, o preenchimento dos elementos não só objectivos como subjectivos do tipo de crime que seja efectivamente imputado.

Na verdade para além da narração dos factos que o requerimento de abertura da instrução deve conter, susceptíveis de fundamentar a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, impõe-se, concomitantemente, que o mesmo contenha, a data e o lugar da ocorrência dos factos, o grau de participação que o arguido neles teve, sendo o caso, e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção, bem como a indicação das disposições legais aplicáveis aos factos narrados cuja autoria é imputada ao arguido, o qual deve estar identificado, ou pelo menos devem ser dadas indicações tendentes a essa identificação (artigo 287.º/2, por referencia ao artigo 283.º/3-b) e c) do CPP).

Mas não só, importa também que dele constem os elementos respeitantes ao dolo.

Como se diz no acórdão do TRE, de 24/10/2017, proc. 321/15.8PAPTM.E1: No caso de requerimento de abertura da instrução pelo assistente com pretensão de sujeição de arguido a julgamento tal peça tem mesmo que ser uma “acusação”. Tem que ser apresentada com autonomia factual. Tem que “contar uma história” apenas com factos essenciais a integrar os tipos penais pretendidos integrar – e todos eles, objectivos e subjectivos – sem adjectivações e/ou considerados probatórios ou de qualificações jurídicas de permeio.

E tais factos têm que estar concentrados seguindo uma lógica de subsunção aos diversos tipos penais pretendidos. Esta asserção liga-se, naturalmente, à ideia sabida de que é boa metodologia na dedução de uma acusação dispor do tipo penal presente na dedução desta. E a qualificação jurídica só pode surgir a final, assim como as indicações probatórias que se impõem.

Não compete ao juiz de instrução andar a escolher factos dispersos e a reduzir a factos – deduzindo as intenções dos requerentes - amálgamas de factos e considerandos probatórios e de direito.

Ora, em face dos factos supra sumariamente referidos, pretende a assistente a pronúncia da arguida S. F. pela prática, em concurso efectivo, de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo artigo 148.º/1 do Código Penal, e de um crime de violação das leges artis, p. e p. pelo artigo 150.º do Código Penal.

Dispõe o artigo 148.º do Código Penal que: 1 - Quem, por negligência, ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.

Nos termos do artigo 15.º do referido diploma legal: Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz: a) Representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas actuar sem se conformar com essa realização; ou b) Não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto.

Pode entender-se que o que é característico dos crimes negligentes, ao contrário dos crimes dolosos, é...

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