Acórdão nº 140/15.1T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 24 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelANABELA TENREIRO
Data da Resolução24 de Maio de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I- RELATÓRIO O “Banco A” intentou a presente acção declarativa de condenação contra Jorge e mulher, Maria, M. C.

e D. P.

, peticionando que se declare a simulação e consequente nulidade do negócio de partilha, celebrado entre os Réus, por escritura pública de 26 de Janeiro de 2012, da herança aberta por óbito de A. J., ordenando-se, em consequência, o cancelamento dos registos realizados com base naquele título, ou, subsidiariamente, a ineficácia desse negócio, e, neste caso, ordenada a restituição dos prédios aí adjudicados à Ré, D. P. e do direito de usufruto adjudicado à Ré, M. C., na medida do seu interesse, podendo executá-los no património dessas Rés.

Alega, para o efeito e em síntese, que detém créditos sobre os Réus Jorge e Maria no valor global de € 368.911,39 e que o negócio de partilha supra referido não correspondeu à vontade real das partes tendo sido celebrado formalmente apenas para ludibriar a Autora, impossibilitando que esta se fizesse pagar pelos bens e direitos da herança que caberiam ao Réu Jorge, uma vez que, em resultado da mesma, os bens e direitos mais valiosos foram transmitidos às Rés, M. C. e D. P.. Mais alegam que as Rés M. C. e D. P. sabiam, à data da celebração da escritura pública em causa, que os Réus, Jorge e Maria passavam por dificuldades financeiras, tendo todos a consciência que, com a celebração da partilha pelo modo como foi feita, causavam prejuízo à Autora.

Regularmente citados, contestaram os Réus defendendo-se por impugnação e alegando que, aquando da celebração da escritura pública de partilha, inexistia incumprimento das sociedades “A– Materiais de Construção, Lda.”, “A II – Estúdios de Cozinha, Lda.”, “A III – Estúdios de Cozinha B, Lda.” e “A IV–Estúdios de Cozinha P, Lda.”, relativamente aos contratos que originaram os créditos invocados pela Autora, com excepção dos valores de € 297,64 e de € 171,26 relativos a dois contratos de leasing celebrados entre a Autora e as sociedades A II e A IV.

*Proferiu-se sentença que julgou a acção parcialmente procedente, e, consequentemente: -Absolveu a Ré Maria dos pedidos contra si deduzidos; -Declarou ineficaz em relação à Autora a partilha de bens descrita nas alíneas k) a r) do ponto II.1., celebrada por escritura pública em 26 de Janeiro de 2012, relativamente aos bens descritos nesses títulos; -Reconheceu à Autora, em relação a esses bens, o direito de praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei e de executar aqueles até ao montante do crédito emergente dos contratos celebrados em 7 de Outubro de 2008 (excluindo-se os créditos proveniente dos contratos celebrados em 28 de Setembro e 1 de Novembro de 2012), mas sempre até ao limite do valor do quinhão hereditário do Réu Jorge, ou seja, até ao limite de € 56.583,19; -Julgou improcedentes, por não provados os restantes pedidos deduzidos, absolvendo dos mesmos os Réus.

* Inconformado com a sentença, o Réu, Jorge, interpôs recurso, formulando as seguintes Conclusões 1.º -A, aliás, douta decisão de que ora se recorre violou o disposto nos art.610º e 612º do Código Civil porquanto não se mostram verificados integralmente os requisitos de que depende a procedência da presente acção relativamente à invocada impugnação pauliana e consequente ineficácia do contrato de partilha celebrado entre os Réus, por escritura pública de 26 de Janeiro de 2012, da herança aberta por óbito de A. J..

2.º-Com efeito, na partilha notarial ora impugnada, ao contrário do que defende o M.mo Juiz “a quo”, não estamos perante um “negócio gratuito” mas, pelo contrário, em face de um “negócio oneroso”, circunstância esta que, por si só, determina a improcedência da presente acção, pelo que na decisão recorrida se verifica uma errada subsunção dos factos provados aos citados normativos legais.

3.º -Desde logo, in casu, ao invés do que refere o M.mo Juiz recorrido a fls.21 da decisão impugnada, não estamos perante um “acto misto” no mesmo instrumento contratual, de partilha extrajudicial por óbito de A. J. e de partilha em vida, da viúva e meeira do respectivo património, a Ré M. C., mas UNICAMENTE perante a partilha extrajudicial por óbito do referido A. J. como, de resto, melhor resulta daquela escritura notarial junta à PI como doc.34, cujo conteúdo aqui se dá reproduzido, por economia processual, o qual igualmente se mostra plasmado na alínea K) dos Factos Provados.

4.º-Tanto assim que à viúva e meeira nos bens comuns, a Ré M. C., coube tornas no valor de 143.366,11 Euros (cfr. alínea r) dos Factos Provados), que delas não prescindiu, nao as dividiu, nem tão pouco as doou pelos seus filhos, nessa escritura, sendo que ficou usufrutária do património partilhado (Alínea n) dos Factos Provados).

5.º-Consequentemente, in casu estamos apenas perante uma partilha extrajudicial por óbito de A. J. e da respectiva meação dos bens comums que integravam o património comum do casal que foi constituído por si e pela Ré M. C., com quem foi casado em primeiras núpcias de ambos e sob o regime da comunhão geral de bens (alínea k) dos Factos Provados).

6.º-Por outro lado, pese embora o M.mo Juiz recorrido faça alusão aos acórdãos do Tribunal do STJ de 16.04.2013 e de 08.11.2007 e ainda ao Acordão do Tribunal da Relação do Porto de 11.10.2012, para sustentar a sua tese de que, in casu, estamos perante um negócio gratuito, certo é que quer a Doutrina, quer a Jurisprudência largamente maioritária considera a partilha extrajudicial decorrente de óbito e consequente divisão de património, com pagamento de tornas, como negócio oneroso ! 7.º -Na Doutrina, como defensores da partilha como negócio oneroso, pode salientar-se, entre outros, o Prof.Vaz Serra, no seu trabalho titulado “Responsabilidade Patrimonial”, in BMJ nº75, pag. 248; e RLJ, Ano 102º, pag. 7 e 8; o actual Senhor Juiz do Tribunal Constitucional João Cura Mariano, na sua obra “Impugnação Pauliana”, 2ª edição, revista e aumentada, Almedina, 2008, pag. 222; o Prof.Andrea Mora, na obra “ Il Contratto Divisione”, pag.238 a 241 e 403 a 406, citada, de resto, no douto acórdão do STJ de 09.02.2012 e ainda Prof.Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição.

8.º-Enquanto que a jurisprudência largamente maioritária nesse domínio é constituída pelos acórdãos não só citados pelo M.mo Juiz “a quo”, a saber, o acórdão desta Relação de Guimarães de 09.10.2014, os acórdãos do STJ de 09.02.2012 e de 27.03.2001, como também pelo acórdão do STJ de 05.06.2003, proferido no processo n.º03B1579, e pelo acórdão igualmente do STJ de 21.04.2005, proferido no processo n.º05B725, todos acessíveis em www.dgsi.pt 9.º -Cujo entendimento comum se estriba no facto de considerarem que “ … a partilha, envolvendo para cada um dos interessados a cedência do direito indiviso sobre a totalidade dos bens, em troca do direito exclusivo àqueles que lhe são adjudicados, quando acompanhada da declaração formal da obrigatoriedade do pagamento de tornas pelo excesso recebido, por parte de um dos interessados, a favor do outro ou outros, reveste a natureza de acto oneroso. As tornas a receber constituem a contraprestação em dinheiro da parte dos bens que um dos interessados podia exigir, mas a que renuncia a favor de outro, não podendo o acto de partilha considerar-se acto gratuito quando as haja”: excerto extraído do douto acórdão desta Relação de 09.10.2014, no citado Proc.391/09.8TBPTL.G2.

10.º-E o facto de in casu não ter ocorrido o pagamento das tornas devidas à viúva e co-Ré M. C., pela filha e co-Ré D. P. (Facto Provado sob a alínea s), certo é que na alínea q) dos Factos Provados consta que, naquela escritura, ficou declarado que o co-Réu Jorge daquela sua irmã recebeu o montante de 5.392,36 Euros a título de tornas, o que, de resto, se mostra provado documentalmente nos presentes autos ! 11.º -Sendo que tal questão de pagamento efectivo, ou não, de tornas, se torna irrelevante para a caracterização da partilha notarial como acto oneroso, como bem se decidiu no douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça em 21.04.2005, no `âmbito do processo n.º 05B725, relatado pelo Excelentíssimo Conselheiro Oliveira Barros, que expressamente resume tal questão do modo seguinte: “Não pode, por conseguinte, considerar-se acto gratuito uma partilha em que - tal como celebrada pela forma solene que a lei exigia - houve lugar a tornas, sendo indiferente para o efeito da classificação desse acto como oneroso o facto de, em contrário do declarado, não terem sido efectivamente recebidas”.

12.º-Pelo que a, aliás, douta decisão recorrida, ao aderir à interpretação de que a partilha extrajudicial em causa constitui negócio gratuito, fez uma errada interpretação e aplicação das normas constantes dos art.610º e 612º do Código Civil.

13.º -Ao invés, a partilha de bens, com pagamento de tornas, constitui negócio oneroso, pelo que a procedência da impugnação pauliana depende da prova da má-fé dos intervenientes.

14.º -Essa má-fé não está comprovada nos autos.

15.º-Como, de resto, o M.mo Juiz recorrido reconhece na Motivação da Matério de Facto quando expressamente afirma que “ … as testemunhas inquiridas nada sabiam sobre as circunstâncias familiares que levaram à outorga da partilha e, por outro lado, à data do acto impugnado, nem os primeiros Réus, nem as sociedades comerciais de estes eram sócios...

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