Acórdão nº 1090/16.0T9VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Dezembro de 2018

Magistrado ResponsávelAUSENDA GON
Data da Resolução17 de Dezembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I- Relatório.

Na sequência do arquivamento do inquérito por parte do Ministério Público, a assistente R. B.

requereu a abertura de instrução, visando a pronúncia do arguido J. P.

pela prática de um crime de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelos arts. 171º, n.º 2 e 177º, n.º 1 alínea a) do Código Penal, tendo o Sr. Juiz de instrução proferido despacho de rejeição do requerimento, por inadmissibilidade legal da instrução.

Inconformada com a referida decisão, a assistente interpôs recurso, sustentando que deve ser admitida a abertura da instrução, mediante a formulação das seguintes conclusões (sic): 1) A Recorrente logrou demonstrar ao Tribunal a quo que os factos praticados pelo Arguido se consubstanciam na prática de um crime de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelos artigos 171.º, n.º2 e 177.º, n.º1, al. a), ambos do Código Penal.

2) A Recorrente concretizou no seu requerimento de abertura de instrução os factos suscetíveis de uma incriminação penal, indicando as datas das ocorrências, o local, o grau de participação dos factos praticados pelo Arguido, os quais conduziram à prática do crime supra identificado, cumprindo, assim, de forma cabal, o disposto no artigo 283º, n.º3, al) b) do CPP.

3) O requerimento de abertura de instrução apresentado pela Recorrente indica, de forma clara, precisa e detalhada os elementos de prova do presente inquérito que foram desconsiderados na decisão de arquivamento, sem qualquer justificação ou fundamento para tal.

4) Apesar de constar nos presentes autos três relatórios psicológicos decorrentes do acompanhamento feito pela Dra. F. S., os quais são determinantes para o apuramento da verdade material e da boa decisão da causa, o Tribunal a quo não os considerou nem sequer os mencionou na fundamentação que determinou o arquivamento dos presentes autos.

5) Além disso, o relatório pericial requerido no âmbito do presente processo foi alvo de reclamação por parte da Recorrente, pretendendo esta ver esclarecidas algumas questões quanto às conclusões nele apresentadas.

6) Encontra-se a correr termos no Juízo de Família e Menores de Matosinhos – J3 do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, sob o Processo n.º2177/16.4T8MTS, uma ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais da menor C. B., Ofendida nos presentes autos, filha da aqui Recorrente e do Arguido.

7) Em virtude da correlação existente entre este processo crime e o processo de regulação das responsabilidades parentais da Ofendida C. B., por requerimento datado de 15 de Novembro de 2017, a Recorrente, na qualidade de representante legal da sua filha, remeteu o relatório pericial para o processo n.º 2177/16.4T8MTS, assim como a reclamação da perícia realizada.

8) Posteriormente, por requerimento enviado em 16 de Novembro de 2017, a Assistente comunicou aos presentes autos que tinha enviado para o processo de responsabilidades parentais o requerimento de reclamação do relatório da perícia, reiterando o seu teor e considerações tomadas, com o intuito de, a final, o mesmo também ser apreciado nos presentes autos.

9) No âmbito do Processo n.º 2177/16.4T8MTS foi proferido despacho, pronunciando-se sobre a junção aos autos do relatório pericial e aos esclarecimentos pretendidos pela Recorrente quanto às conclusões desse relatório o qual refere que, não obstante a perícia ter sido solicitada no processo crime, “por forma a evitar (pelo menos por ora) submeter a menor a nova perícia agora nestes autos com vista a dissipar ou esclarecer o pretendido pela progenitora, defere-se o requerido a fls. 187 e ss., notificando-se o INML em conformidade”, tendo a Recorrente e o INML sido notificados do mesmo no dia 29 de Janeiro de 2018.

10) Até à presente data, não consta qualquer requerimento por parte do INML em resposta ao despacho acima mencionado, existindo, somente uma comunicação datada de 11 de Junho de 2018, a qual informa que os pedidos de perícia sobre os progenitores seguirão com a brevidade possível.

11) Não consta, de igual modo, nos presentes autos, qualquer resposta quanto ao esclarecimento requerido pela Assistente/Recorrente quanto ao Relatório elaborado pelo INML, indicou a Recorrente no seu requerimento, como atos de instrução a ser levados a cabo pelo Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal do Tribunal a quo, nos termos do disposto no artigo 287º, n.º2 do CPP, diligências no sentido de ordenar ao INML a prestação de esclarecimentos quanto às questões levantadas no seu requerimento de Abertura de Instrução.

12) A Recorrente indicou no seu requerimento de abertura de instrução que os factos denunciados são suscetíveis de, em abstrato, configurar a prática de um crime de abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelas disposições conjugadas do artigo 171º n.º2 e 177º n.º1 a), ambos do Código Penal, ficando, desse modo, plenamente preenchido o preceituado no artigo 283.º, n.º3, al) c), do CPP.

13) Nos termos do disposto no artigo 287º, n.º 3 do CPP, cujo teor se transcreve: “O requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução”.

14) Salvo melhor entendimento, nunca poderia o requerimento de abertura de instrução apresentado pela Recorrente ser indeferido, na medida em que o mesmo foi apresentado dentro do prazo legalmente previsto e o presente processo admite a fase de instrução.

15) E não poderia ser indeferida a abertura da instrução, com o fundamento na falta de enumeração “de forma cabal, precisa, concreta e determinada dos factos que pretende ver indiciados”, uma vez que a Recorrente referiu todos os elementos constantes no artigo 283º, n.º2 als. b) e c) do CPP.

16) Sem prescindir, ainda que por mera hipótese (o que só academicamente se concebe), se verificasse a necessidade de interpretação do teor requerimento de abertura de instrução, tal como o Tribunal a quo refere no seu despacho, tal circunstância nunca poderia fundamentar o indeferimento da abertura de instrução requerida pela Recorrente, conforme entendimento do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 17/11/2010, em que é Relator José Manuel Araújo Barros, do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 17/04/2012, em que é Relator Proença da Costa e do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 06/12/2011, em que é Relator Carlos Berguete Coelho.

17) Pelo exposto, não se verificando quaisquer fundamentos que obstam à admissibilidade da abertura da instrução requerida pela Assistente/Recorrente, em virtude de estarem devidamente preenchidos os pressupostos das alíneas b) e c) do n.º3 do artigo 283º, por remissão do artigo 287º, n.º2, ambos do CPP, deverá a decisão de rejeição do requerimento de abertura de instrução ser revogada e, em consequência, ser declarada a abertura da instrução e levadas a cabo as diligências probatórias requeridas pelo Assistente/Recorrente, devendo, a final, ser proferido despacho de pronúncia.

TERMOS EM QUE, NOS DE MAIS DE DIREITO, E POR TUDO O QUE MAIS QUE V.ªS EX.ªS DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE O RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE ADMITA A ABERTURA DA INSTRUÇÃO REQUERIDA PELA ASSISTENTE.

Foi admitido o recurso, a que o Ministério Público junto da 1ª Instância respondeu, aduzindo, em apertada síntese, que o requerimento de abertura da instrução não consubstancia, em qualquer dos seus segmentos, uma acusação em sentido material, não tendo por isso objecto, não merecendo censura o despacho recorrido.

O arguido também respondeu, concluindo que o requerimento formulado pela assistente apenas contém uma mera impugnação do despacho de arquivamento, não consubstanciando uma verdadeira acusação, não lhe imputando em concreto qualquer facto com relevância criminal.

Neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu fundamentado parecer em que, perfilhando o entendimento da Colega de 1ª instância, igualmente conclui que no requerimento de abertura da instrução não está alegada qualquer factualidade que permita afirmar o preenchimento dos elementos objectivos e, sobretudo, subjectivo do tipo legal de crime de abuso sexual de criança agravado imputado ao arguido, pugnando pela improcedência do recurso.

Cumprido o art. 417º, n.º 2, do CPP, não foi apresentada resposta.

Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.

*II- Fundamentação.

Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (art. 412º, n.º 1, do CPP), sem prejuízo das questões que importe conhecer oficiosamente por obstarem à apreciação do seu mérito, suscita-se neste recurso a questão de saber se o requerimento de abertura da instrução consubstancia uma verdadeira acusação permitindo submeter o arguido a julgamento.

Para tanto, devem considerar-se os extractos do despacho recorrido que a seguir se enunciam: «(…) Em face do quadro legal exposto, conclui-se que o requerimento de abertura da instrução formulado pelo assistente não se pode bastar com a mera impugnação do despacho acusatório, tendo que consubstanciar uma verdadeira acusação, impondo-se que contemple os elementos enunciados porque é através do requerimento de abertura da instrução que se define o thema probandum.

No caso de arquivamento do processo pelo Ministério Público, e tal como claramente decorre do disposto nos artigos 288.º, n.º 4, e 309.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o requerimento de abertura da instrução é que define e limita o objeto do processo a partir da sua formulação, dando-se assim expressão prática à estrutura acusatória do processo do processo penal, consagrada no art.º 32.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, salvaguardando igualmente o princípio do contraditório e o direito de defesa do arguido.

Conforme igualmente vem observando a jurisprudência nacional, são, em suma, “os princípios da vinculação temática e da garantia de defesa do arguido impõem ao...

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