Acórdão nº 1221/16.0JABRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Setembro de 2018
Magistrado Responsável | CLARISSE GON |
Data da Resolução | 10 de Setembro de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO - 1.
No processo comum, com intervenção de Tribunal singular, com o nº 1221/16.0JABRG, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, no Juízo Local Criminal de Guimarães – Juiz 2, foi proferida sentença, datada, lida e depositada a 8 de Março de 2018 (fls. 147, 148 e 149), com a seguinte “Decisão” (transcrição): “Pelo exposto, decide-se absolver a arguida Maria, pela prática do crime de incêndio p. e p. pelo artº 274º, nº 1 e 2, al. a), e 3 do Código Penal de que vinha acusada.
Sem custas.
Proceda ao depósito.
Notifique.” - 2.
Não se conformando com essa decisão, o Digno Magistrado do Ministério Público interpôs recurso (de fls. 151 a 158), apresentando as seguintes “conclusões” (transcrição): “1. Nos presentes autos, a arguida Maria foi absolvida da prática de um crime de incêndio, previsto e punido pelos art.ºs 274.º/1, /2, al. a), e /3 do Código Penal.
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Tal como resulta da fundamentação de facto da sentença recorrida, a única razão pela qual se considerou não provado que a arguida foi a autora da fogueira referida no facto provado 9 e causa do incêndio descrita nos restantes factos provados foi a circunstância de se ter considerado que o depoimento da única testemunha - militar da GNR - não podia ser valorado relativamente às declarações que ouviu da arguida, por constituir uma conversa informal.
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Sucede que todos os factos presenciados pelo militar da GNR, incluindo as declarações da arguida, localizaram-se numa fase em que esta testemunha ainda procurava perceber qual era a causa do incêndio, ainda não sabendo se tinha sido cometido algum crime, mormente pela arguida.
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O referido na conclusão anterior resulta do primeiro parágrafo da página 5 da sentença recorrida e das declarações que a testemunha prestou a 00:52 e ss., 02:04 e ss., 03:04 e ss. e 14:45 e ss. da respectiva gravação áudio3 .
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Actualmente, a larga maioria da jurisprudência dos Tribunais Superiores defende a admissibilidade do depoimento de OPC sobre aquilo que presenciaram numa fase informal/cautelar, como é o caso dos autos, mesmo relativamente a declarações de pessoas que, posteriormente, venham a ser constituídas arguidas, tendo em conta: o poder - dever de recolha de indícios, imposto pelo art.º 249º do Código de Processo Penal; e a circunstância da proibição do art.º 356º/7 do Código de Processo Penal visar evitar a frustração do direito ao silêncio do arguido, o qual só existe, porém, após o momento em que se deve instaurar inquérito e/ou proceder a interrogatório como arguido.
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Pelo exposto, o depoimento da testemunha militar da GNR deve ser valorado relativamente ao facto de ter ouvido a arguida a referir que tinha sido ela a autora da fogueira – causa do incêndio, tal como consta das declarações prestadas a 03:04 e ss.
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Em consequência, o facto 9 dos factos provados deverá passar a ter uma redacção que atribua a autoria da fogueira – causa do incêndio à arguida, sugerindo-se que passe a constar que “A arguida ateou uma fogueira no seu terreno”.
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Em consonância com tal alteração, os elementos subjectivos do crime e constantes dos factos não provados c), d), g) e h) deverão passar para os factos provados, com as precisões necessárias para se reportarem aos factos provados, sugerindo-se a seguinte redacção: 17) A arguida quis praticar o facto referido em 9, com o propósito concretizado de incendiar o mato e a vegetação rasteira localizada no seu terreno.
18) Quanto a esta parte, a arguida agiu livre, deliberada e conscientemente, apesar de saber que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
19) A arguida não previu a possibilidade do fogo provocado por si assumir as dimensões e causar o perigo descritos nos factos povoados 10 a 12, como podia e devia ter feito, pelo que ateou o fogo.
20) Quanto a esta parte, a arguida agiu de forma livre e descuidada, apesar de saber que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
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Tendo em conta as elevadíssimas exigências de prevenção geral, a arguida deverá ser condenada a uma pena de prisão de 2 anos e 5 meses, suspensa por igual período.
Pelo exposto, roga-se que ao abrigo dos arts.º 426º/1, a contrario, 428º e 431º, al. b), do Código de Processo Penal, se altere a decisão de facto da forma supra defendida e, em consequência, se condene a arguida na pena de prisão de 2 anos e 5 meses, suspensa por igual período, pelo crime pelo qual vinham acusada, assim se fazendo Justiça.” (fls.158).
- 3.
A arguida não apresentou qualquer resposta.
- 4.
Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de se conceder “provimento ao recurso.” (fls. 178).
- 5.
No âmbito do disposto no artº 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não houve qualquer resposta.
- 6.
Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no disposto no artº 419º, nº 3, al. c) do citado código.
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FUNDAMENTAÇÃO É sabido que, sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, as conclusões do recurso delimitam o âmbito do seu conhecimento e destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer as razões pessoais de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida (artºs 402º, 403º, 412º, nº 1, todos do Código de Processo Penal).
A questão central do recurso é, tão só, a de saber se pode, ou não, ser valorado o depoimento do militar da GNR sobre aquilo que presenciou numa fase primária, informal e/ou cautelar e sobre o que lhe...
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