Acórdão nº 309/16 de Tribunal Constitucional (Port, 18 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução18 de Maio de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 309/2016

Proc. nº 1000/14

3ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. A. propôs no 4.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Barcelos ação declarativa de impugnação de paternidade contra B., pedindo que se declare que o réu não é o seu pai biológico.

Conhecendo sob a forma de saneador-sentença, o tribunal de 1.ª instância julgou procedente a exceção perentória de caducidade do direito de impugnação da paternidade, em virtude do decurso do prazo de três anos previsto na alínea c), do n.º 1 do artigo 1842.º do Código Civil, na redação dada pela Lei n.º 14/2009, de 1 de abril, e em consequência, declarou extinto o direito do autor, absolvendo o réu do pedido.

Desse saneador-sentença, o autor interpôs recurso jurisdicional, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães, por Acórdão de 18/12/2012, julgado a apelação improcedente, confirmando a decisão impugnada.

Do acórdão da Relação, o mesmo autor interpôs recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), invocando a inconstitucionalidade da norma prevista na alínea c), do n.º 1 do artigo 1842.º do Código Civil, na parte em que prevê o prazo de três anos para o exercício do direito de impugnar a paternidade presumida e registada.

Por Acórdão de 16/09/2014, o STJ revogou a decisão recorrida, por considerar que «a norma constante do artigo 1842.º, n.º1, c) do CC, na dimensão interpretativa que prevê um prazo limitador da possibilidade do filho do marido da mãe propor, a todo o tempo, a ação de impugnação da paternidade, desde que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se que este último não era o seu pai biológico, é inconstitucional, por violação do direito à tutela judicial efetiva e bem assim como do preceituado pelos artigos 26.º, n.º 1. 36.º, n.º 1 e 18.º, n.º 2 da CRP».

Deste Acórdão veio o Ministério Público interpor recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional, nos termos da alínea a), do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC).

2. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto, junto deste Tribunal Constitucional, veio juntar as respetivas alegações, concluindo pela seguinte forma:

1.º - Os múltiplos argumentos, a favor ou contra a solução adotada pelo Acórdão recorrido, do Supremo Tribunal de Justiça, de 16 de setembro de 2014, relativamente à inconstitucionalidade do artigo 1842.º, n.º 1, alínea c), do Código Civil, encontram-se, ao que se julga, devidamente identificados nos sucessivos excertos feitos da profusa e rica jurisprudência do Tribunal Constitucional em matéria, quer de impugnação, quer de investigação de paternidade. O signatário, embora sem deixar de reconhecer que qualquer posição adotada, em matéria de direito de família, designadamente no domínio da filiação, é suscetível de leituras multifacetadas, assentes em conceções muito pessoais da valoração dos interesses em confronto neste tipo de relações, propende, apesar dos muitos argumentos em contrário, a concluir, tal como o Acórdão recorrido e pelas razões neste Acórdão invocadas, pela inconstitucionalidade material do artigo 1842.º n.º 1, alínea c), do Código Civil.

2.º - Com efeito, considerando que o princípio da verdade biológica parece encontrar-se subjacente às últimas alterações legislativas sobrevindas em matéria de direito de família e de filiação, a conclusão natural a retirar de tal constatação seria a de que a definição da relação jurídica familiar não deve poder ficar sujeita a prazos de caducidade que impeçam a concretização do princípio de tal verdade biológica. Tais prazos não se revelam, a esta luz, necessários, nem, sequer, razoáveis. Pegando no exemplo do caso dos autos, será que a existência de uma fundada dúvida, do filho, sobre a efetiva paternidade do presumido pai, ficará sanada pela caducidade do direito de ação de impugnação? Não persistirá tal dúvida, independentemente de, à face da ordem jurídica nacional, a mesma paternidade poder já não ser contestada? Concorrerá, em última análise, tal situação de dúvida insanável, para a estabilidade futura da vida e do relacionamento familiar entre o presumido pai e o filho? Não impede, ainda, a caducidade do direito de impugnar a paternidade que se averigue a real paternidade do Autor, caso esta paternidade seja diferente da legalmente presumida?

3.º - Não parece, contudo, que a última jurisprudência deste Tribunal Constitucional vá no sentido propugnado pelo Acórdão recorrido do Supremo Tribunal de Justiça. Este Tribunal entendeu, designadamente no Acórdão 401/11, atrás citado, que «o direito ao conhecimento da paternidade biológica, assim como o direito ao estabelecimento do respetivo vínculo jurídico (…), cabem no âmbito de proteção quer do direito fundamental à identidade pessoal (artigo 26.º, n.º 1, da Constituição), quer do direito fundamental de constituir família (artigo 36.º, n.º 1, da Constituição). Considerou, por outro lado, que «a ascendência assume especial importância no itinerário biográfico, uma vez que ela revela a identidade daqueles que contribuíram biologicamente para a formação do novo ser. O conhecimento dos progenitores é um dado importante no processo de autodefinição individual, pois essa informação permite ao indivíduo encontrar pontos de referência seguros de natureza genética, somática, afetiva ou fisiológica, revelando-lhe as origens do seu ser. É um dado importantíssimo na sua historicidade pessoal. Como expressivamente salienta Guilherme de Oliveira, «saber quem sou exige saber de onde venho» (em “Caducidade das ações de investigação”, ob. cit., pág. 51), podendo, por isso dizer-se que essa informação é um fator conformador da identidade própria, nuclearmente constitutivo da personalidade singular de cada indivíduo» (cfr. supra nº 48 das presentes alegações). No entanto, «isso não impede, contudo, que o legislador possa modelar o exercício de tais direitos em função de outros interesses ou valores constitucionalmente tutelados. Não estamos perante direitos absolutos que não possam ser confrontados com valores conflituantes, podendo estes exigir uma tarefa de harmonização dos interesses em oposição, ou mesmo a sua restrição».

4.º - Como igualmente referido no Acórdão 401/11 (cfr. supra n.º 49 das presentes alegações), sendo tais considerações igualmente aplicáveis, por analogia, em matéria de ações de impugnação de paternidade: “Ora, o meio, por excelência, para tutelar estes interesses atendíveis públicos e privados ligados à segurança jurídica, é precisamente a consagração de prazos de caducidade para o exercício do direito em causa. Esses prazos funcionam como um meio de induzir o titular do direito inerte ou relutante a exercê-lo com brevidade, não permitindo um prolongamento injustificado duma situação de indefinição, tendo deste modo uma função compulsória, pelo que são adequados à proteção dos apontados interesses, os quais também se fazem sentir nas relações de conteúdo pessoal, as quais, aliás, têm muitas vezes, como sucede na relação de filiação, importantes efeitos patrimoniais. Apesar da inexistência de qualquer prazo de caducidade para as ações de investigação da paternidade, permitindo que alguém exerça numa fase tardia da sua vida um direito que anteriormente negligenciou, poder corresponder a um nível de proteção máximo do direito à identidade pessoal, isso não significa que essa tutela otimizada corresponda ao constitucionalmente exigido. Como já vimos, o direito ao estabelecimento do vínculo da filiação não é um direito absoluto que não possa ser harmonizado com outros valores conflituantes, incumbindo ao legislador a escolha das formas de concretização do direito que, dentro das que se apresentem como respeitadoras da Constituição, se afigure mais adequada ao seu programa legislativo. Assim o impõe a margem de liberdade que a atividade do legislador democrático reclama. Caberá, assim, nessa margem de liberdade do legislador determinar se se pretende atingir esse maximalismo, protegendo em absoluto o referido direito, ou se se opta por conceder proteção simultânea a outros valores constitucionalmente relevantes, diminuindo proporcionalmente a proteção conferida aos direitos à identidade pessoal e da constituição da família. Ao ter optado por proteger simultaneamente outros valores relevantes da vida jurídica através da consagração de prazos de caducidade o legislador não desrespeitou, as fronteiras da suficiência da tutela, uma vez que essa limitação não impede o titular do direito de o exercer, impondo-lhe apenas o ónus de o exercer num determinado prazo. É legítimo que o legislador estabeleça prazos para a propositura da respetiva ação de investigação da paternidade, de modo a que o interesse da segurança jurídica não possa ser posto em causa por uma atitude desinteressada do investigante, não sendo injustificado nem excessivo fazer recair sobre o titular do direito um ónus de diligência quanto à iniciativa processual para apuramento definitivo da filiação, não fazendo prolongar, através de um regime de imprescritibilidade, uma situação de incerteza indesejável. Necessário é que esse prazo, pelas suas características, não impossibilite ou dificulte excessivamente o exercício maduro e ponderado do direito ao estabelecimento da paternidade biológica.”-

5.º - Relativamente à norma da alínea c), do n.º 1 do artigo 1842.º do Código Civil, este Tribunal Constitucional considerou, especificamente: - no Acórdão 279/08, de 14 de maio, concluiu «que a norma do artigo 1842.º, n.º 1, alínea c), do Código Civil, na medida em que prevê, para a caducidade do direito do filho maior ou emancipado de impugnar a paternidade presumida do marido da mãe, o prazo de um ano a contar da data em que teve conhecimento de...

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