Acórdão nº 169/17 de Tribunal Constitucional (Port, 05 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução05 de Abril de 2017
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 169/2017

Processo n.º 152/2017

3ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), dos acórdãos daquele Tribunal, de 24 de novembro de 2016 e de 19 de janeiro de 2017.

2. Pela Decisão Sumária n.º 116/2017, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«4. Nos termos do artigo 79.º, n.º 1, da LTC, as alegações do recurso de constitucionalidade são sempre produzidas no Tribunal Constitucional e são precedidas de notificação nesse sentido.

Não obstante terminar a sua peça processual referindo-se a tal regime e invocando este preceito legal, o certo é que o recorrente apresentou, não um requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, com estrita observância dos elementos impostos pelo artigo 75.º-A da LTC, mas sim verdadeiras alegações.

Não obstante, em atenção ao princípio do aproveitamento dos atos processuais – e por se tratar de um processo de natureza urgente – o Tribunal apreciará o requerimento, mas na estrita medida em que contenha os elementos previstos no referido artigo 75.º-A, n.º 1, da LTC.

5. De acordo com o requerimento de interposição do presente recurso de constitucionalidade, o recorrente pretende recorrer de ambos os acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

Desta forma, a admissibilidade do recurso será apreciada separadamente quanto a cada uma das decisões recorridas, na medida em que convocam juízos diversos.

6. Consideremos, em primeiro lugar, o acórdão de 24 de novembro de 2016.

Segundo o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º, da Constituição da República Portuguesa, e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, «identificando-se assim, o conceito de norma jurídica como elemento definidor do objeto do recurso de constitucionalidade, pelo que apenas as normas e não já as decisões judiciais podem constituir objeto de tal recurso» (v. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 361/98).

O recorrente articula nestes termos o objeto do recurso de constitucionalidade, que divide em cinco questões: i) violação ao Art.º 126º, nº 1 e nº 2, al. b) do C.P.P; Art.2 2º, nº4 da C.R.P; Art.2 5º da C.R.P; Art.º 32º, nº 8 da C.R.P; Art.º 3º da C.E.D.H e Art.º 6º, nº 1 da C.E.D.H; ii) Tal entendimento normativo é inconstitucional, por flagrante, desproporcionada, intolerável e iníqua denegação do Direito ao Recurso, tal como está consagrado no Art.º 20º, n.º 4 da C.R.P; Art.º 32º, nº 1 da C.R.P e no Art.º 2º do Protocolo nº7 à Convenção Europeia dos Direitos do Homem; iii) garantias de defesa consagradas pelo Art.º 61º, nº 1 al. b) e f) do C.P.P; Art.º 20º, n.º 4 da C.R.P; Art.º 32º, n.º 5, n.º 7 e n.º 10 da C.R.P e pelo Art.º 6º, n.º 1 e n.º 3 al. d) Convenção Europeia dos Direitos do Homem; iv) violação autónoma do princípio da presunção de inocência, consagrado no Art.º 20º, n.º 4 da C.R.P; Art.º 32º, nº2 da C.R.P. e no Art.º 6º, nº 2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e v) o Tribunal de 1ª Instância não assegurou que a causa fosse examinada com o tempo que lhe era exigido a fim de possibilitar a A. uma defesa adequada e correta, tal como estabelecido no Art.º 20º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa e no Art.º 6, nº 1 da C.E.D.H.

7. O que é comum a todas as questões elencadas pelo recorrente é a circunstância de não se tratarem de questões de constitucionalidade normativa e, como tal, de não constituírem objeto idóneo de recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º, da Constituição da República Portuguesa, e da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, da LTC.

Assim, no que diz respeito ao artigo 52.º da Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, o que está em causa, segundo o recorrente, é a violação direta desse preceito pelo Tribunal e não qualquer inconstitucionalidade de que a norma nele contida padeça.

Na segunda questão, reportada aos artigos 127.º e 374.º do Código de Processo Penal, o que está em causa é a discordância do recorrente face ao julgamento da matéria de facto efetuado pelas instâncias, designadamente quanto à valoração ou não de determinados meios de prova que considerava relevantes. E embora o recorrente aluda à adoção de um «entendimento normativo» dos citados preceitos legais, o certo é que nunca o identifica claramente, atribuindo sempre a inconstitucionalidade ao que considera ser uma errada decisão quanto à fixação da matéria de facto.

O recorrente reporta a terceira questão de constitucionalidade ao artigo 61.º, n.º 1, alíneas a), b) e f), do Código de Processo Penal. Mas, também neste caso, imputa a inconstitucionalidade não a qualquer norma, extraída de tal preceito, que o Tribunal tenha aplicado, mas à sua violação direta, consubstanciada na impossibilidade – com a qual diz ter sido confrontado – de não poder exercer o contraditório relativamente aos depoimentos de determinadas testemunhas, em violação das suas garantias de defesa.

A quarta questão de constitucionalidade assinalada pelo recorrente prende-se com a violação, pelos Tribunais, da presunção de inocência, consubstanciada em «vício de raciocínio na apreciação da prova produzida em Julgamento», o qual terá conduzido a que o julgador não tenha tido dúvidas sobre a culpabilidade do arguido. Não se trata, pois, de qualquer questão de constitucionalidade normativa, mas antes de crítica à avaliação probatória feita pelo Tribunal recorrido.

Finalmente, a quinta questão colocada pelo recorrente consiste na eventual violação do seu direito constitucional a ser julgado num prazo razoável. Nas suas palavras, «o Tribunal de 1ª Instância não assegurou que a causa fosse examinada com o tempo que lhe era exigido a fim de possibilitar a A. uma defesa adequada e correta». Também aqui não estamos perante uma qualquer inconstitucionalidade normativa e, como tal, também neste caso o objeto do recurso é inidóneo.

8. Em geral, pode dizer-se que o recorrente pretende apenas sindicar a própria decisão judicial e não qualquer norma legal por ela aplicada, designadamente a dos aludidos artigos 52.º da Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, e os artigos 61.º, n.º 1, alíneas a), b) e f), 127.º e 374.º, todos do Código de Processo Penal.

Sintomaticamente, aponta a violação direta de tais preceitos como fonte da inconstitucionalidade que pretende ver declarada. Ora, tal argumentação implica, de facto, o juízo de que tais normas estão em consonância com a Constituição, sendo justamente a situação inversa ─ a violação de normas de direito ordinário que tutelam direitos ou interesses constitucionais ─ que justifica o recurso para o Tribunal Constitucional. Ora, «se se utiliza uma argumentação consubstanciada em vincar que foi violado um dado preceito legal ordinário e, simultaneamente, violadas normas ou princípios constitucionais, tem-se por certo que a questão de desarmonia constitucional é imputada à decisão judicial, enquanto subsunção dos factos ao direito, e não ao ordenamento jurídico infraconstitucional que se tem por violado com essa decisão, pois que se posta como contraditório sustentar-se que há violação desse ordenamento e este é desconforme com o Diploma Básico. Efetivamente, se um preceito da lei ordinária é inconstitucional, não deverão os tribunais acatá-lo, pelo que esgrimir com a violação desse preceito, representa uma ótica de acordo com a qual ele se mostra consonante com a Constituição» (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 489/04).

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