Acórdão nº 93/17 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelCons. Pedro Machete
Data da Resolução16 de Fevereiro de 2017
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 93/2017

Processo n.º 950/16

2ª Secção

Relator: Conselheiro Pedro Machete

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. Notificado da Decisão Sumária n.º 804/2016 (fls. 1350-1358), que não conheceu do objeto do recurso de constitucionalidade por si interposto com base no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (“LTC”) do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de novembro de 2016, vem o recorrente A. deduzir reclamação para a conferência, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 3, da citada Lei.

O acórdão recorrido foi proferido na sequência de recurso interposto da decisão do Tribunal da Relação do Porto que negou provimento a anterior recurso interposto de decisão que na 1.ª instância condenara o arguido, ora reclamante, em cúmulo, pela prática de um crime de abuso sexual de crianças, de um crime de abuso sexual de menor dependente e de um crime de violência doméstica na pena de doze anos de prisão. No âmbito do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, os representantes do Ministério Público junto dos então tribunais a quo e ad quem pronunciaram-se no sentido da intempestividade do mesmo, tendo o arguido, ora reclamante, depois de notificado nos termos previstos no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (“CPP”), pugnado pela admissibilidade do recurso (fls. 1288-1293). Não obstante, o Supremo Tribunal de Justiça rejeitou o recurso para si interposto precisamente com esse fundamento (fls. 1304-1322).

Na sua decisão, o Supremo descreve a tramitação ocorrida na sequência da renúncia ao mandato do advogado constituído do arguido e, sem prejuízo de discordar de algumas partes do entendimento que havia sido adotado no acórdão então recorrido, aceita aquelas em relação às quais considerou ter havido trânsito em julgado, tudo em nome de um processo justo e equitativo e respeitador dos direitos de defesa do arguido.

Com efeito, entendeu-se que, tendo a citada renúncia ocorrido dois dias antes do termo do prazo para interposição do recurso (que ocorreria em 27 de maio de 2016, sem contar com os 3 dias de multa), seriam de observar «as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal e, na falta delas, os princípios gerais do processo penal» (fls. 1318, v.º). Aplicar-se-ia, portanto, desde logo, a disciplina resultante da conjugação do artigo 47.º, n.ºs 1, 2 e 3, do Código de Processo Civil (“CPC”) com os artigos 64.º, n.º 1, alínea e), e 66.º, n.º 4, ambos do CPP: notificação pessoal do arguido para, querendo, em 20 dias, constituir novo mandatário, com a advertência de que, caso não constituísse mandatário, lhe seria nomeado defensor oficioso. Mas como in casu o arguido apresentara pedido de apoio judiciário (também) na modalidade de nomeação de defensor oficioso, «tal evidenciaria a sua vontade de não constituir novo mandatário, impondo-se, apenas, portanto, notificá-lo da mencionada renúncia nos termos previstos no artigo 47.º, n.º 2, do CPC, o que foi feito em 3 de junho de 2016. Ora, como até essa data o arguido se manteve representado pelo seu advogado – impendendo sobre este o dever de praticar todos os atos processuais em representação daquele, designadamente o de interpor o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça – e tendo em atenção que, na data em que a renúncia produziu efeitos, já se mostrava transcorrido o prazo de recurso, colocar-se-ia a questão de saber se o pedido de concessão de apoio judiciário teria o efeito de suspender ou interromper o prazo. Neste ponto o Supremo Tribunal de Justiça considerou que, uma vez que o artigo 39.º, n.º 10, da LADT estabelece o regime especial para o processo penal, segundo o qual «o requerimento para a concessão de apoio judiciário não afeta a marcha do processo», não é aplicável, aos processos penais a disciplina prevista no artigo 24.º, n.º 4, da LADT (a apresentação do pedido de apoio judiciário na pendência de ação judicial interrompe o prazo que estiver em curso). Isto porque, por um lado, não se está em presença de qualquer lacuna da lei processual penal e, por outro, tal disciplina não é compatível com o regime da representação do arguido no processo penal. Isso mesmo justificaria, também, o afastamento da aplicação analógica da disciplina do artigo 34.º, n.º 2, da LADT.

Contudo, todas estas considerações desenvolvidas pelo tribunal a quo representam um mero (e longo) obter dictum. Daí a afirmação: «[m]as não obstante tudo o que se deixou dito, o certo é que a Sra. Juíza Desembargadora, titular do processo, seguindo, certamente, entendimento diverso do nosso, ao pronunciar-se sobre a pretensão formulada pelo defensor nomeado ao arguido», proferiu despacho concedendo a prorrogação do prazo para interposição do recurso por vinte dias, conforme requerido (fls. 1320, v.º). Assim, e revestindo-se este despacho de força de caso julgado formal, entendeu o Supremo Tribunal de Justiça «que o mesmo fez o arguido adquirir o direito à prorrogação do prazo para a interposição do recurso por 20 dias» (fls. 1321; cfr. a fls. 1321, v.º, a afirmação expressa da vinculatividade intraprocessual do referido despacho). O Supremo enunciou, então, a questão decisiva para aferir da tempestividade do recurso sob apreciação: «na ausência de qualquer norma do processo penal e do processo civil sobre esta matéria, urge, então, enfrentar a questão de saber a partir de que momento se há-de contar o novo período de tempo resultante da prorrogação por 20 dias do prazo para a interposição do recurso» (fls. 1321), tendo considerado que tal momento só pode ser o do termo do prazo inicial, atenta a regra da continuidade dos prazos contida no artigo 138.º, n.º 1 do CPC; por outro lado, a contagem do mesmo deve ser feita de modo contínuo, atenta a correta interpretação a atribuir ao despacho proferido pela desembargadora relatora (v. ibidem).

Mas, mesmo considerando que tal despacho considerou suspensa a instância entre 25 de abril de 2016 (data da renúncia ao mandato) e 7 de junho de 2016 (data da presumida notificação ao defensor da sua nomeação), ainda assim, o recurso se revelaria extemporâneo: por um lado, porque, cessada a suspensão em 7 de junho de 2016, o prazo de 30 dias teria terminado em 9 de junho de 2016, pelo que, contando-se a partir de 10 de junho de 2016 o prazo de prorrogação de 20 dias, então esse prazo teria terminado em 29 de junho de 2016, encontrando-se largamente ultrapassado aquando da interposição do recurso (13 de julho de 2016). Por outro, mesmo admitindo que o prazo de prorrogação se deveria contar a partir da data de notificação do despacho prorrogatório, então o prazo teria terminado em 11 de julho de 2016, sendo certo que o arguido interpôs o recurso apenas em 13 de julho de 2016 e só efetuou o pagamento da multa correspondente ao 1.º dia útil seguinte ao termo do prazo (fls. 1322).

2. A decisão ora reclamada assentou em fundamentos diversos referidos às duas questões de inconstitucionalidade concretamente em causa, tal como identificadas pelo recorrente na resposta de fls. 1346-1348 ao despacho convite de fls. 1344 que lhe foi endereçado pelo relator no Tribunal Constitucional:

1.ª – A interpretação do artigo 39.º, n.º 10, da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais (“LADT” ou Lei n.º 34/2004, de 29 de julho) no sentido de que, perante a renúncia do defensor constituído pelo arguido, o pedido de nomeação de defensor oficioso não interrompe o prazo que se encontre em curso;

2.ª – A interpretação dos artigos 107.º n.º 6, e 41.º n.º l, do CPP, segundo a...

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