Acórdão nº 112/18 de Tribunal Constitucional (Port, 22 de Fevereiro de 2018

Data22 Fevereiro 2018
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 112/2018

Processo n.º 23/2018

3ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que são reclamantes A., S.A., B. e C. e reclamado o Ministério Público, os primeiros reclamaram, ao abrigo do artigo 76.º, n.º 4, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do despacho de 12 de junho de 2017, que não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional.

2. No âmbito de processo-crime, em que figuram como arguidos os ora reclamantes, os mesmos interpuseram recurso para o Tribunal da Relação do Porto de uma decisão do Tribunal de 1.ª instância que indeferiu a inquirição de determinadas testemunhas através de videoconferência para Nova Iorque.

Tendo vindo a ser igualmente interposto recurso da decisão final, o Tribunal da Relação do Porto, apreciando simultaneamente este recurso intercalar, negou-lhe provimento.

Com interesse para os presentes autos, pode ler-se em tal aresto:

«DO RECURSO RETIDO.

Por despacho judicial transitado (que não foi objeto de reação pelos ora recorrentes), o juiz presidente indeferiu a inquirição das testemunhas indicadas na contestação e domiciliadas em Nova Iorque, com fundamento na inaplicabilidade do regime estabelecido no artigo 502º, nº4, do Código de Processo Civil (As testemunhas residentes no estrangeiro são inquiridas por teleconferência sempre que no local da sua residência existam os meios técnicos necessários).

Os ora recorrentes, então, socorrendo-se do mecanismo previsto no artigo 340º, nº 1, do Código de Processo Penal, vieram de novo requerer a inquirição das testemunhas por teleconferência a efetuar do tribunal de 1ª instância da área do domicílio profissional indicado ou, na impossibilidade de o fazer, que os seus depoimentos fossem reduzidos a auto. O tribunal coletivo indeferiu tal pretensão com os seguintes fundamentos:

1º estando em causa a declaração para efeitos fiscais de serviços de consultadoria de marketing alegadamente prestados pela sociedade D. Internacional à arguida A., nos anos de 2004, 2005, 2006 e 2007 nos valores de respetivamente 80.000€. 340.000€. 393.000€ e 140.000€, a sua comprovação poderá ser feita de forma muito mais consistente, objetiva e, consequentemente, credível, através de outros meios de prova que a inquirição de duas testemunhas (cópia dos contratos dos serviços de consultadoria em marketing, cópia da troca de qualquer correspondência ou informação entre as duas empresas a propósito da prestação desses serviços, comprovativos dos pagamentos efetuados pela arguida, entre outros);

2º as testemunhas, alegadamente representantes da sociedade que os prestou, estão insuficientemente identificadas pelos arguidos;

3º não há, até ao momento, registo da sua identificação cabal, da sua existência, da sua qualidade de representantes, ou outra, da sociedade D. Internacional, nem sequer se, atenta a data da prática dos factos, ainda estão em condições de depor sobre o mesmo;

4º sem prejuízo de entendimento diferente ulterior, a inquirição das duas aludidas testemunhas, a partir de Nova Iorque, não se afigura como indispensável para a boa decisão da causa.

Como questões prévias, de natureza processual, ignoradas pelo tribunal coletivo e pelos recorrentes, teremos de apreciar a existência e exequibilidade da pretensão de inquirição apresentada pelos recorrentes de acordo com o nosso sistema legal.

A primeira diz respeito à possibilidade de audição de testemunhas em pais estrangeiro, no processo penal, por teleconferência. Com efeito, a lei processual penal é omissa nessa parte, contemplando, tão só, em relação aos sujeitos processuais (excluindo o arguido) residentes no território nacional mas fora da comarca a possibilidade de recurso a meios de telecomunicação em tempo real (cfr. artigo 318º do Código de Processo Penal). Tal regime é compreensível por força da regra geral de valoração das provas em julgamento (artigo 355º do Código de Processo Penal) e das cautelas garantísticas associadas à utilização de tal meio. Com efeito, foi consagrada a intervenção do juiz da comarca da residência do sujeito processual para identificar o sujeito, receber o seu juramento e exercer medidas de preventivas, disciplinares e coativas necessárias (artigo 318º, nº6, do Código de Processo Penal), regime amplamente distinto daquele consagrado em sede de processo civil (em que não existe intervenção do juiz da comarca onde o sujeito presta o seu depoimento - artigo 502º, nº3, do Código de Processo Civil).

Porém, de acordo com o artigo 229º e 233º do Código de Processo Penal, é admitida a emissão de rogatórias ou prática de atos no âmbito dos tratados ou convenções internacionais que vinculem o Estado Português, nas quais se incluem a possibilidade de inquirição de testemunhas residentes no estrangeiro.

Neste domínio (e uma vez que as testemunhas a inquirir, por teleconferência ou carta rogatória, residem nos Estados Unidos da América) não existe qualquer convenção internacional que permita a prática do ato solicitado.

O Instrumento entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América, feito em Washington em 14 de Julho de 2005, conforme o n.º 3 do artigo 3º do Acordo entre a União Europeia e os Estados Unidos da América sobre auxílio judiciário mútuo em matéria de crime aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 44/2007e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 94/2007, publicado no Diário da República I, n.º 174, de 10/09/2007, em vigor desde 01/02/2010, apenas prevê a cooperação (nomeadamente a possibilidade de efetuar teleconferências) relativamente ao crime organizado, branqueamento de capitais, tráfico de droga e terrorismo.

A impossibilidade de realização do ato processual requerido e indeferido dispensa, naturalmente, a apreciação da justeza argumentativa dos recorrentes, motivo pelo qual, embora por motivos diversos, improcede o recurso interposto.»

3. Os ora reclamantes arguiram então a nulidade de tal acórdão, na parte em que se reporta à decisão final, tendo simultaneamente interposto recurso de constitucionalidade do mesmo, mas apenas da parte que respeita à decisão do recurso intercalar, que consideram não padecer de qualquer vício de forma e não ser recorrível ordinariamente.

Pode ler-se em tal requerimento:

«Interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos e abrigo do disposto nos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), 71.º, n.º 1, 72.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, 75.º, n.º 1 e 75.º-A, n.ºs 1 e 2, todos da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, para ser apreciada a questão da inconstitucionalidade dos artigos 229.º e 233.º, ambos do Código de Processo Penal, quando interpretados no sentido de permitir o indeferimento do pedido, formulado pelos Arguidos, de inquirição de testemunhas com domicílio profissional nos Estados Unidos de América e que tenham um conhecimento direto e privilegiado de factos essenciais para a descoberta da verdade, a boa decisão da causa e a prolação de uma decisão absolutória, com fundamento na inexistência de qualquer convenção internacional que permita a dita inquirição.

Tal interpretação das normas citadas foi seguida num dos segmentos decisórios da decisão ora recorrida e é inconstitucional por violar o princípio do devido processo legal, reconhecido no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no artigo 20.º, n.º 4 da Constituição da República e em geral as garantias de defesa dos arguidos, consagradas no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República.

No que respeita ao pressuposto processual constante da parte final do artigo 75.º-A, n.º 2 da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, em conjugação com a norma do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), do mesmo diploma, a saber: que a questão da inconstitucionalidade tivesse sido suscitada perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida durante o decurso...

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