Acórdão nº 54/17 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução13 de Fevereiro de 2017
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 54/2017

3.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em que é recorrente A. e recorridos o Ministério Público e B., o primeiro interpôs recurso para este Tribunal ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), do Acórdão do STJ, tirado em conferência, em 7 de julho de 2016, que rejeitou o recurso interposto, pelo recorrente, de acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães (TRG) para o Supremo Tribunal de Justiça, por extemporaneidade, solicitando a apreciação da «inconstitucionalidade dos artigos 113º, n.º 9, 425º, n.º 6 e 411º, n.º 1 do Código de Processo Penal quando interpretados no sentido de que não é necessária a notificação pessoal ao arguido das decisões proferidas pelos Tribunais superiores que apliquem penas privativas da liberdade, por manifesta contradição com o artigo 32º da Constituição da República Portuguesa» e da «inconstitucionalidade do n.º 1 e 2 do artigo 28º da Lei 112/2009, de 16 de Setembro, por violação do princípio da igualdade, bem como do princípio do duplo grau de Jurisdição e do princípio da dignidade Humana» (cfr. requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, fls. 1435 e 1436).

3. Tendo sido deduzida reclamação para a conferência contra a Decisão Sumária referida (cfr. Reclamação, fls. 1494-1507), foi proferido o Acórdão n.º 680/2016 no qual se decidiu indeferir a mesma (cfr. fls. 1514-1537). Isto, nos seguintes termos (cfr. Acórdão n.º 680/2016, II, 6. e segs., disponível, bem como os demais citados, em www.tribunalconstitucional.pt):

«II – Fundamentação

6. Na apreciação do recurso de constitucionalidade interposto, a Decisão Sumária n.º 649/2016, em face da primeira questão de constitucionalidade colocada (cfr. supra, I, 1.) – a alegada ofensa do artigo 32.° da Constituição da Republica Portuguesa, relativo ao direito de defesa, pela interpretação «do artº 113° n.º 9 do CPP e 425° n.º 6 e 411°, todos do CPP, no sentido de que não é necessária a notificação pessoal ao arguido das decisões proferidas pelos Tribunais superiores que apliquem penas privativas da liberdade», – assim ponderou e decidiu (Cfr. Decisão Sumária n.º 649/2016 ora reclamada, II – Fundamentação, n.ºs 6. a 8., fls.1464-1467):

«A) Primeira questão - artigos 113º, n.º 9, 425º, n.º 6 e 411º, n.º 1 do Código de Processo Penal

6. A primeira questão de constitucionalidade cuja apreciação é requerida reporta-se à interpretação dos artigos 113º, n.º 9, 425º, n.º 6 e 411º, n.º 1 do Código de Processo Penal no sentido de que não é necessária a notificação pessoal ao arguido das decisões proferidas pelos Tribunais superiores que apliquem penas privativas da liberdade.

Como já se escreveu no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 109/2012 (disponível, bem como os demais citados, em www.tribunalconstitucional.pt), «é abundante a jurisprudência constitucional proferida em matéria de notificações de decisões condenatórias em processo penal, incidindo sobre múltiplos aspetos que, com nuances da dimensão interpretativa emergente das particularidades do caso, giram em roda das questões de saber: quem deve ser o destinatário da notificação, o arguido ou o seu defensor; que forma deve revestir a notificação ao arguido, quando a mesma se tenha por essencial; a partir de que momento se inicia a contagem do prazo dos meios de impugnação» (cfr. n.º 5).

Dessa abundante jurisprudência decorre um critério de orientação, de que nos dá conta o Acórdão n.º 81/2012 (cfr. II. Fundamentação, n.º 8):

«Em todos os referidos casos, o Tribunal atendeu à efetiva possibilidade de exercício do direito ao recurso e ponderou o valor do conhecimento pelo arguido do conteúdo decisório que o afeta na concretização dessa oportunidade. Assim, o Tribunal tem reconhecido um princípio de “oportunidade” de acesso pessoal do arguido ao conteúdo do que foi decidido, em ordem a poder organizar posteriormente a sua defesa. Esse princípio decorre em particular do Acórdão n.º 545/2006 (Diário da República, IIª Série, de 06-11-2006), que sintetizou a jurisprudência do Tribunal Constitucional na matéria da seguinte forma: “o critério seguido nessa jurisprudência tem sido o de que tal prazo só se pode iniciar quando o arguido (assistido pelo seu defensor), atuando com a diligência devida, ficou em condições de ter acesso ao teor, completo e inteligível, da decisão impugnanda”.

Assim, decorre da jurisprudência do Tribunal, em primeiro lugar, que o efetivo exercício do direito ao recurso pressupõe uma cognoscibilidade da decisão que se pretende impugnar. A cognoscibilidade da decisão condenatória afere-se tendo em conta a possibilidade de o arguido, atuando com a diligência devida, ter acesso efetivo ao conhecimento integral da decisão que se pretende impugnar, o que não exige necessariamente uma notificação pessoal da mesma ao arguido.»

7. Ora, tal como referido no Acórdão do STJ, recorrido (cfr. passagem supra transcrita), a questão de constitucionalidade colocada nos presentes autos foi já sujeita ao escrutínio do Tribunal Constitucional, tendo este mesmo Tribunal decidido, no Acórdão n.º 275/2006, no sentido da não inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 113º, n.º 9 (hoje, n.º 10), 425º, n.º 6 e 411º, n.º 1 do Código de Processo Penal, relevando, para o efeito, a consideração de não ocorrer dúvida sobre a efetiva transmissão, pelo mandatário ou defensor do arguido a este, da comunicação recebida do Tribunal.

Ponderou o Acórdão n.º 275/2006:

«(…)

Resulta da fundamentação dos Acórdãos n.ºs 59/99, 109/99 e 378/2003 que se deu por adquirido um relacionamento normal e de efectivo acompanhamento entre defensor oficioso (desde que se tratasse do defensor primitivo) ou mandatário constituído e arguido, que tornavam segura a efectiva comunicação por aqueles a este do conteúdo das decisões que lhes foram notificadas ou a cuja leitura assistiram; quando a efectivação dessa comunicação foi posta em crise, como ocorreu nos casos sobre que versaram os Acórdãos n.ºs 476/2004 e 418/2005, já aquela notificação ou leitura perante o defensor ou mandatário não foi tida como suficiente.

2.3. No presente caso, é patente que não se verifica nenhuma daquelas situações de dúvida fundada sobre a efectiva transmissão, pelo mandatário ou defensor do arguido a este, da comunicação recebida do tribunal.

(…)

Neste contexto – independentemente, repete‑se, da questão de saber se não seria melhor direito a interpretação do n.º 9 do artigo 113.º do CPP no sentido de que, tal como as sentenças de 1.ª instância, também os acórdãos dos tribunais superiores deveriam ser pessoalmente notificados aos arguidos –, não se pode considerar que o critério normativo seguido no acórdão recorrido viole, em termos intoleráveis, as garantias de defesa do arguido e designadamente o seu direito ao recurso. A notificação do acórdão condenatório ao seu mandatário recém‑constituído, associado aos deveres deontológicos que sobre este recaem, designadamente o de dar conhecimento ao seu constituinte do teor das notificações recebidas e de acertar com ele os meios de reacção a utilizar, surgem, à partida, como suficientes para assegurar tais garantias e direito. É que o mandato, derivado de uma escolha do próprio arguido, assenta, em regra, numa relação de confiança pessoal que nem sempre existe no caso de defensor oficialmente nomeado e, muito menos, no caso de defensores ad hoc

E assim decidiu «não julgar inconstitucional a norma que resulta da conjugação dos artigos 113.º, n.º 9, 411.º, n.º 1, e 425.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, interpretados no sentido de o prazo para interposição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça se conta a partir da notificação do acórdão da Relação ao advogado constituído do arguido, quando não é questionado o cumprimento, pelo mandatário, do dever de a comunicar ao arguido» (Acórdão n.º 275/06, 3. Decisão).

O sentido desta jurisprudência é transponível para a questão colocada nos autos. Com efeito, o juízo de não inconstitucionalidade foi proferido em face de situação similar à dos autos, em que não está em causa a normal comunicação entre o arguido e o seu mandatário constituído.

8. Assim, pelas razões expostas na jurisprudência agora citada, importa concluir que não é constitucionalmente censurável, neste caso, considerar-se suficiente a notificação da decisão do Tribunal da Relação que confirmou a decisão condenatória do Tribunal de 1ª instância ao defensor do arguido, designadamente para o efeito da contagem do prazo de recurso, pelo que a dimensão normativa retirada da conjugação dos artigos 113.º, n.º 9 (hoje, n.º 10), 411.º, n.º 1, e 425.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, objeto de fiscalização, não viola as garantias de defesa do arguido, nomeadamente as consagradas no artigo 32.º, da Constituição, termos em que se justifica a prolação da presente decisão sumária, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.»

7. Vem a este propósito o recorrente, ora reclamante, por via da reclamação deduzida da Decisão Sumária n.º 649/2016, manifestar a sua discordância com o decidido pela relatora e requerer o prosseguimento dos autos para alegações.

Entende que a Decisão Sumária posta em crise fere frontalmente os artigos 20 n.º 4 e 268° n.º 4 e 5 da Constituição da Republica Portuguesa, ao sustentar a sua decisão numa corrente doutrinária que defende não ser necessária uma notificação pessoal ao arguido das decisões proferidas pelos Tribunais Superiores.

Para o efeito, o recorrente, ora reclamante, vem citar doutrina e...

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