Acórdão nº 101/18 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução21 de Fevereiro de 2018
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 101/2018

Processo n.º 1432/17

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. A. (o ora Recorrente) foi submetido a julgamento, no âmbito do processo comum para julgamento por tribunal singular que correu os seus termos no juízo local criminal de Lisboa com o n.º 49/14.6SMLSB, sendo-lhe ali imputada a prática de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, crimes pelos quais veio a ser condenado, pelo tribunal de primeira instância, em cúmulo jurídico, na pena única de 2 anos e 5 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a regime de prova.

1.1. O Ministério Público interpôs recurso desta decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa, pugnando pela sua revogação no segmento em que determinou a suspensão da execução da pena de prisão, com a consequente aplicação de pena de prisão efetiva.

1.1.1. O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 22/06/2017, concedeu provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, revogando a decisão recorrida na parte em que suspendeu a execução da pena de prisão e confirmando-a no demais.

1.1.2. O arguido pretendeu recorrer desta última decisão para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), mas tal recurso não foi admitido, por decisão do senhor desembargador relator, com fundamento no disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal (CPP).

1.1.3. O arguido reclamou da decisão de não admissão do recurso para o STJ, nos termos do artigo 405.º do CPP, alegando, designadamente, o seguinte:

“[…]

1. A douta decisão objeto da presente reclamação rejeitou o recurso interposto pelo ora recorrente para o Supremo Tribunal de Justiça com base no disposto no artigo 400.º, n.º 1, al. e), do CPP.

2. Dispõe a citada norma que “não é admissível recurso: e) de acórdãos preferidos em recurso, pelas relações, que apliquem pena não superior a 5 anos”.

3. O ora reclamante entende que tal norma não é aplicável ao caso vertente e que o recurso por si interposto para o Supremo Tribunal de Justiça é admissível.

Com efeito,

4. Uma interpretação do artigo 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, segundo a qual não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça interposto pelo arguido/recorrido do acórdão da Relação que, inovatoriamente face à suspensão da execução de uma pena de prisão aplicada em primeira instância, condena em recurso interposto pelo Ministério Público o arguido em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos contende com os princípios constitucionais do direito ao recurso e do contraditório, enquanto garantias da defesa em processo criminal (cfr. art. 32.º, n.º 1, da CRP), fazendo inquinar tal norma de inconstitucionalidade.

5. No caso em apreço não estamos perante uma situação denominada de “dupla conforme”, já que, repita-se, a decisão de primeira instância que condenou o ora reclamante na pena de dois anos e cinco meses de prisão suspensa na sua execução e revertida pela decisão do Tribunal da Relação, da qual resulta uma condenação em pena efetiva de prisão.

6. Sucede que o citado direito ao recurso, consagrado constitucionalmente, abrange inevitavelmente uma decisão restritiva de direitos fundamentais processualmente inovadora, como é o caso da decisão da Relação proferida nos presentes autos contra o ora reclamante, ao condená-lo em pena efetiva de prisão, restringindo a sua liberdade, de forma a permitir que tal decisão possa ser reapreciada por outra instância.

[…]”.

1.1.4. Por despacho do senhor Vice-Presidente do STJ de 17/11/2017, foi indeferida a reclamação, por aplicação do disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, considerando-se não fundada a arguição de inconstitucionalidade.

1.2. Desta decisão recorreu o arguido para o Tribunal Constitucional – recurso que deu origem aos presentes autos – nos termos seguintes:

“[…]

[P]orque do texto da decisão resultam fortes indícios da existência de inconstitucionalidade/ilegalidade material da interpretação dada à norma constante no artigo 400.º, n.º 1 [por manifesto lapso, o Recorrente escreveu “n.º 2”], al. e), do CPP (ao estabelecer a inadmissibilidade do recurso de decisão inovatória proferida pela Relação que condenou em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos após decisão de 1.ª instância que suspendeu a execução da pena aplicada, pois tal interpretação inviabiliza ao arguido o exercício pleno do direito de defesa e do direito ao recurso, ao consagrar a irrecorribilidade de uma decisão do Tribunal da Relação que pela primeira vez no processo condenou o arguido em pena de prisão efetiva), por violação do constante no artigo 32.º, n.º 1, da CRP; porque a questão é atual e útil; tendo tal questão sido suscitada na reclamação de fls. (…) apresentada nos termos do artigo 405.º do CPP para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que dela conheceu na decisão recorrida (cfr. artigo 72.º, n.º 2, da LOFPTC), vem, mui respeitosamente, nos termos da CRP e nos termos da al. b) do n.º 1 do artigo 70.º da LOFPTC, requerer a apreciação da referida norma, segundo a interpretação dada na douta decisão de fls. (…).

[…]”.

1.2.1. O recurso foi admitido no STJ, com efeito suspensivo.

1.3. No Tribunal Constitucional, foi proferida decisão sumária, pelo relator, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, do CPC – coube-lhe o número 46/2018 –, no sentido da improcedência do recurso, não julgando inconstitucional a norma contida no artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, na redação introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, interpretado no sentido de ser irrecorrível o acórdão proferido, em recurso, pelo Tribunal da Relação que aplique pena privativa da liberdade não superior a cinco anos, revogando a suspensão da execução de pena de prisão decretada pelo tribunal de primeira instância. Tal decisão assentou nos fundamentos seguintes:

“[…]

2. A questão a apreciar – a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, na redação introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, interpretado no sentido de ser irrecorrível o acórdão proferido, em recurso, pelo Tribunal da Relação que aplique pena privativa da liberdade não superior a cinco anos, revogando a suspensão da execução de pena de prisão decretada pelo tribunal de primeira instância – já mereceu a atenção do Tribunal Constitucional, que, reiteradamente, em diversas decisões sumárias e, designadamente, nos Acórdãos n.ºs 245/2015, 357/2017 e 804/2017, se pronunciou no sentido da não inconstitucionalidade da norma em causa.

2.1. Pode ler-se na fundamentação do Acórdão n.º 245/2015 o seguinte:

[…]

3. Admitido o recurso (fls. 3146) e subidos os autos a este Tribunal Constitucional, foi proferida a Decisão Sumária n.º 187/2015, determinando-se (…) o não provimento do recurso, remetendo para jurisprudência constitucional anterior, com base na seguinte fundamentação:

«(…)

6. Resta assim a questão elencada sob o n.º 3 do requerimento de interposição do recurso respeitante à alegada inconstitucionalidade da norma segundo a qual «[d]a conjugação das normas da alínea c), do n.º 1, do artigo 432.º, e da alínea e), do n.º 1, do artigo 400.º, ambos do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, é irrecorrível o Acórdão proferido pela Relação, em recurso, que aplique pena privativa da liberdade não superior a 5 anos». Está em causa, por conseguinte, o problema da irrecorribilidade de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena de prisão efetiva não superior a 5 anos, revogando a suspensão da execução de pena de prisão decretada pela primeira instância.

O Tribunal Constitucional já se pronunciou no sentido da não inconstitucionalidade de normas que não admitem recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de decisão condenatória proferida em recurso de decisão absolutória da primeira instância, considerando que o acórdão da relação consubstancia, em si mesmo, a garantia constitucionalmente tutelada do duplo grau de jurisdição, uma vez que o arguido tem a possibilidade de, perante tal instância de recurso, fazer valer as suas razões de defesa; na verdade, esta possibilidade, atento o âmbito de tutela constitucional do direito ao recurso, basta para afastar qualquer suspeita de inconstitucionalidade que recaia sobre tais normas (cfr. o Acórdão n.º 49/2003 e, por aplicação dos respetivos fundamentos a hipóteses normativas...

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