Acórdão nº 172/17.5S7LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Julho de 2018
Magistrado Responsável | MANUEL AUGUSTO DE MATOS |
Data da Resolução | 12 de Julho de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - RELATÓRIO 1.
Nos presentes autos de processo comum, com intervenção do tribunal singular, mediante sentença datada de 28-09-2017, proferida pelo Juízo Local de Criminal de Lisboa – Juiz 7, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa foi decidido: A) Absolver o arguido AA da prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art. 152º, nº 1, do Código Penal, convolando tal crime na imputação ao arguido de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal; B) Condenar o arguido AA como autor material de um crime de ameaça agravada previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal na pena de 8 meses de prisão; C) Suspender a execução da pena de oito meses de prisão aplicada ao arguido, pelo período de um ano, ficando tal suspensão sujeita à condição de o arguido prestar 240 horas de trabalho em favor da comunidade; D) Julgar improcedente o pedido de indemnização civil formulado pelo Centro Hospitalar de ..., EPE, absolvendo o demandado do pedido.
2.
Inconformado com a sentença proferida pelo tribunal de 1.ª instância, dela interpôs recurso o Ministério Público, vindo o Tribunal da Relação de Lisboa, mediante acórdão proferido a 8 de Fevereiro de 2018, a decidir: 1. - julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público, revogar a decisão que absolveu o arguido BB da prática de um crime de violência doméstica p.p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, proceder à alteração da matéria de facto dada como assente que passou a incluir os factos 2 a 6 dos factos não provados, julgar procedente por provada a acusação contra o arguido deduzida pela prática do referido crime de violência doméstica p.p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, e condenar o arguido na pena de 2 anos e 6 meses de prisão efectiva.
2. - mais julgar procedente, por provado, o pedido cível formulado pelo Centro Hospitalar ..., e se condena o arguido a pagar a quantia peticionada, acrescida de juros devidos desde o pedido até integral pagamento.
3. – Estatuto processual do arguido Uma vez que o ilícito que deu causa aos presentes autos foi cometido durante o prazo de suspensão de pena anteriormente aplicada pelo mesmo tipo de ilícito, quando o arguido se encontrava em regime de prova, e que esta é a terceira condenação pela prática do mesmo tipo de ilícito num período que vem desde 2013, entendemos, para evitar qualquer reacção sobre a ofendida ou outra potencial vítima, que o arguido deve aguardar os ulteriores termos do processo em prisão preventiva.
Passem-se de imediato mandados para que o arguido aguarde o trânsito deste acórdão em prisão preventiva.
3. Inconformado com o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que o condenou em prisão efectiva e em prisão preventiva, veio o arguido AA interpor dois recursos para o Supremo Tribunal de Justiça, rematando a respectiva motivação com as seguintes conclusões que integralmente se reproduzem: 1. Recurso da medida de coacção prisão preventiva “III - CONCLUSÕES[1] I- Da interpretação conjugada dos Artigos 399.º e 400.º do Código de Processo Penal só serão recorríveis as decisões expressamente previstas como tal na Lei, concretamente no artigo 400.º e demais casos dispersos no Código de Processo Penal, doravante designado CPP.
II- O Supremo Tribunal de Justiça, justamente com base na alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, tem vindo a não admitir a recorribilidade de “ de acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações, que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos.”, independentemente de haver ou não dupla conforme, por entender que é necessária uma leitura integrada do regime estabelecido na alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º do CPP.
III- Ora entende o Recorrente que tal interpretação normativa não encontra qualquer acolhimento no sentido possível das palavras da Lei, o que sempre se impunha atenta a vigência do princípio da legalidade em matéria criminal, previsto no artigo 29.º n.ºs 1 e 3 e artigo 32.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, doravante CRP, no âmbito do Processo Penal.
IV- Esta interpretação normativa ao negar a recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos da Relação que apliquem pena de prisão efectiva não superior a cinco anos, quando o Tribunal de primeira instância tenha aplicado pena não privativa de liberdade, implica indubitavelmente, um enfraquecimento da posição processual do Recorrente e uma clara diminuição dos seus direitos processuais, nomeadamente o direito de defesa, na medida em que subtrai ao Recorrente um grau de recurso que por força do princípio geral da recorribilidade, previsto no artigo 339.º do CPP, lhe assiste.
V- Acompanhando Figueiredo Dias, é de concluir que, constituindo o princípio da legalidade “ a mais sólida garantia das pessoas contra possíveis arbítrios do Estado, não se vê porque não haja ele de estender-se, na medida imposta pelo seu conteúdo de sentido, ao processo penal, cuja regulamentação pode a todo momento pôr em grave risco a liberdade das pessoas.” VI- Vejam-se a este propósito os Acórdãos nº s 591/2012 e 324/2013 do Tribunal Constitucional que concluem que referida interpretação normativa “coloca o intérprete no âmbito da analogia constitucionalmente proibida, sendo indiferente que a norma encontrada fora da moldura semântica do texto seja constitucionalmente admissível e político-criminalmente defensável, uma vez que a liberdade dos cidadãos está acima das exigências do poder punitivo nas situações legalmente imprevistas”.
VII- Acórdãos esses que julgaram inconstitucional a interpretação normativa resultante da conjugação das normas da alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º e alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP segundo o qual é irrecorrível o acórdão proferido pelas relações, em recurso, que aplique pena privativa de liberdade não superior a 5 anos quando o tribunal de primeira instância tenha aplicado pena não privativa de liberdade, por violação do princípio da legalidade em matéria criminal nos termos dos artigos 293.º n.º 1 e 32.º n.º 1 da CRP.
VIII- Salvo melhor opinião, entende o Arguido ter fundamento para recorrer do douto acórdão condenatório e, ainda da medida de coacção de prisão preventiva que lhe foi aplicada para aguardar ulteriores termos do processo.
IX- Proferido o Acórdão da Relação foi ordenada a substituição da medida de coacção a que o Arguido se encontrava sujeito – e que vinha cumprindo – pela medida de coacção de prisão preventiva.
X- Para o efeito, o Tribunal da Relação fundamentou a sua decisão no facto de a prisão preventiva ser a única forma de evitar qualquer reacção sobre a ofendida ou outra potencial vítima.
XI- Com o devido respeito, o Arguido não se conforma com essa decisão e daí o presente recurso.
XII- A questão que se coloca é a de saber se a medida de coacção a que o Arguido se encontrava sujeito pode ser agravada pelo facto de ter sido proferido Acórdão condenatório não transitado em julgado.
XIII- Salvo o devido respeito, entende o Arguido que a resposta deve ser negativa.
XIV- As medidas de coacção são escolhidas de acordo com o princípio de adequação e proporcionalidade e a necessidade de prevenir as cautelas do artigo 204.º do CPP.
XV- Dispõe o artigo 203.º do CPP que uma medida de coacção apenas pode ser substituída por outra mais grave em caso de violação das obrigações a que estava sujeito.
XVI- Nestes termos, atendendo ao princípio acima enunciado, ao plasmado nos art.
os 27º e 28º da CRP e ainda ao disposto nos art.
os 191.º a 193.º do CPP, o Arguido viu violado o seu direito fundamental à liberdade, por considerar que a prisão preventiva que lhe foi imposta é injusta, desadequada e desproporcional às circunstâncias do seu comportamento.
XVII- Ora, no caso concreto, o Arguido sempre cumpriu as obrigações a que estava sujeito ao abrigo do TIR que prestou, pelo que o seu estatuto processual não poderia ter sido alterado.
XVIII- O Arguido este sempre presente em todos os actos processuais para que foi convocado.
XIX- O Arguido não se eximiu à acção da Justiça bem como não ocorre perigo de continuidade da actividade criminosa.
XX- O Arguido não mais contactou a Ofendida pelo que inexistem os receios mencionado no douto Acórdão.
XXI- E ainda que se entendesse existir, efectivamente, perigo de continuidade da actividade criminosa, o que por mera hipótese académica se admite, a lei prevê outras medidas de coacção, mais favoráveis ao Arguido.
XXII- E acautelam, do mesmo modo a não produção do receio mencionado no douto Acórdão condenatório.
XXIII- Neste sentido, importa ressalvar que a prisão preventiva não visa uma punição antecipada uma vez que só excepcionalmente pode ser aplicada, desde que não possa ser substituída por outra medida de coacção mais favorável.
XXIV- Trata-se de uma medida cautelar e não repressiva! XXV- Com efeito, tem sido jurisprudência assente que tal medida de coacção só deve ser aplicada em ultima ratio, precisamente em obediência ao vertido no n.º 2 do art.º 28.º da CRP.
XXVI- Com a privação da sua liberdade, ainda preventivamente, o Arguido sofrerá prejuízos irreparáveis.
XXVII- O Arguido tem um filho menor de doze anos de idade que todas as tardes fica a cargo deste e que tem exercido e encontra-se inserido social e profissionalmente.
XXVIII- Por tudo quanto antecede, e ainda perante o facto de o Arguido não mais ter contactado a Ofendida entende-se suficiente o TIR que já prestou.
XXIX- Importa, ademais, ter presente que a Constituição consagra nos primeiros artigos do catálogo dos direitos, liberdades e garantias pessoais, o direito à liberdade e à segurança nos termos do artigo 27.º XXX- Este reconhecimento constitucionalmente afirmado do caracter excepcional da prisão preventiva, nos termos do n.º 2 do artigo 28.º da CRP envolve a consideração, além do mais, de que todo o Arguido se...
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