Acórdão nº 417/18 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Agosto de 2018

Magistrado ResponsávelCons. Maria Clara Sottomayor
Data da Resolução09 de Agosto de 2018
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º417/2018

Processo n.º 360/2018

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria Clara Sottomayor

Acordam, na 2.ª Secção, do Tribunal Constitucional:

I – Relatório

1. O Supremo Tribunal de Justiça proferiu, na sequência de recurso interposto pela arguida A., acórdão que revogou a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, recusando a aplicação, com fundamento na sua inconstitucionalidade, por violação do artigo 207.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, das disposições conjugadas dos artigos 427.º, 428.º e 431.º, alínea b), do CPP, enquanto permitem ao Tribunal da Relação a modificação da decisão do tribunal de júri sobre a matéria de facto, quando esta decisão seja impugnada nos termos do artigo 412.º, n.º 3 do mesmo Código (fls. 2177, fls. 22 do acórdão recorrido).

Com efeito, os arguidos A. e B., sujeitos a julgamento, com intervenção do Tribunal de júri, em primeira instância, foram sentenciados nos seguintes moldes: i) a arguida foi, por um lado, absolvida, da prática em co-autoria com o arguido, de um crime de homicídio qualificado e, por outro lado, condenada, em cúmulo jurídico, na pena única de 6 anos de prisão, pela prática, em concurso real e efetivo, de um crime de roubo e de um crime de profanação de cadáver; ii) o arguido foi condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de 22 anos de prisão, pela prática, em concurso real e efetivo, de um crime de homicídio qualificado, um crime de roubo e um crime de profanação de cadáver.

Do acórdão proferido em primeira instância interpuseram recurso o Ministério Público, o assistente C. e os arguidos, sendo que o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu: i) julgar improcedentes os recursos dos arguidos; ii) e julgar procedentes os recursos do Ministério Público e do Assistente, alterando a decisão da matéria de facto e, em consonância, condenar a arguida pela prática, em co-autoria, de um crime de homicídio qualificado, para o que fixou, em cúmulo jurídico com as demais penas parcelares determinadas em primeira instância que se mantiveram inalteradas, a pena única de 20 anos de prisão.

É nesta sequência que a arguida recorre para o Supremo Tribunal de Justiça, que decidiu nos termos acima transcritos.

2. O Ministério Público apresentou, então, recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, o que fez ao abrigo do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (doravante LTC), nos termos e com os fundamentos seguintes (fls. 2193):

«O Ministério Público junto deste Supremo Tribunal foi notificado do Acórdão de 8 de março de 2018, que declarou a invalidade, nos termos do art.º 122.º, n.ºs 1 e 2 do CPP, do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa na parte em que condenou a arguida A., após modificação da decisão do tribunal do júri dando como provados factos que haviam sido dados como não provados, e substituindo a decisão de absolvição da arguida por outra de condenação, por crime de homicídio qualificado.

Considerou-se no acórdão em epígrafe que o Tribunal da Relação conheceu de questão que não podia conhecer, incorrendo na nulidade prevista no art.º 379.º, n.º 1, alínea c), parte final, aplicável por força do art.º 425.º, n.º 4, ambos do CPP,

Com efeito decidiu-se ser de "... afirmar a inconstitucionalidade, por violação do art.º 207.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, das disposições conjugadas dos artigos 427.º, 428.º e 431.º, alínea b), do CPP enquanto permitem ao tribunal da relação a modificação da decisão do tribunal do júri sobre a matéria de facto, quando esta decisão seja impugnada nos termos do art.º 412.º, n.º 3, do mesmo código", tendo em conformidade sido recusada a sua aplicação.

Por estar em tempo e ter legitimidade - cfr. art.ºs 75.º e 72.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro - e, também, por dever de "ofício", vem interpor recurso, obrigatório, para o Tribunal Constitucional, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 70.º, n.º 1, alínea a) e 72.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3 da referida Lei n.º 28/82, de 15/11, e 280.º, n.º 3 da Constituição da República.»

3. Igualmente inconformado, o Assistente C. apresentou requerimento de recurso para este Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (doravante, LTC), o que fez nos seguintes termos (fls.2194 a 2195):

«C. , Recorrido nos autos acima identificados, não se conformando com o douto acórdão, proferido a 08 de Março de 2018, por via do qual o Tribunal entendeu que as disposições conjugadas dos Arts. 427.º, 428.º.431.º, al. b), do Código de Processo Penal, interpretadas no sentido de a Relação poder conhecer amplamente em matéria de facto, alterando a decisão do Tribunal de Júri nessa matéria, fora do âmbito de aplicação do Art. 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, são inconstitucionais, por entender que as mesmas violam a norma do Art. 207.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

Vem, ao abrigo do disposto nos Arts. 280.º, n.º 1, al. a), da Constituição da República Portuguesa, Art. 70.º, n.º 1, al. a), 72.º, n.º 1, al. b) da Lei 28/82, de 15/11 (Lei do Tribunal Constitucional), alterada pelas Leis 85/89, de 07/09 e 13-A/98, de 26/02, do mesmo

INTERPOR RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

A subir imediatamente e nos próprios autos, com efeito suspensivo, nos termos e ao abrigo do disposto no Art. 78.º, n.º 4, da Lei do Tribunal Constitucional.

Para tanto, e em cumprimento do disposto no Art. 79.º, da Lei do Tribunal Constitucional, as respetivas alegações serão produzidas no Tribunal Constitucional.

O Recorrido junto deste Tribunal pronunciou-se sobre a questão da constitucionalidade, como consta da sua Resposta apresentada a 17 de Outubro de 2017 (cfr. Arts. 5.º a 23.º da motivação).

Termos em que e nos demais de direito observados que estão os formalismos legais, porque para tal tem o Recorrido legitimidade, está em tempo e está representado por advogados (cfr. Arts. 72.º, n.º 1, al. b), 75.º e 83.º da Lei do Tribunal Constitucional),

Requer a V. Exas., que desde já considerem validamente interposto o presente recurso do douto acórdão proferido por este Tribunal para o Tribunal Constitucional, seguindo-se os ulteriores termos, sendo certo que as respetivas alegações que o motivarão serão produzidas já no Tribunal ad quem, de acordo com o disposto no Art. 79.º, da Lei do Tribunal Constitucional e no prazo aí previsto.»

4. Os recursos apresentados têm o mesmo objeto, pelo que, tendo sido admitidos, foram as partes notificadas, para, querendo, no prazo de 15 dias, produzirem alegações (fls. 2204).

5. O Ministério Público alegou, sustentando a conformidade constitucional da interpretação normativa que a decisão recorrida recusou aplicar, razão porque pugnou pela procedência do recurso e consequente reforma do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, para o que formulou as seguintes conclusões (fls. 346 a 357):

«VI – Conclusões

1. O Ministério Público interpôs recurso obrigatório, para este Tribunal Constitucional, do teor da douta decisão judicial proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça - Processo n.º 165/15.7JAFUN.L1.S1 -, que se pronunciou, em sede de recurso, sobre a douta decisão prolatada pelo Tribunal da Relação de Lisboa “(…) nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 70.º, n.º 1, alínea a) e 72.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3 da referida Lei n.º 28/82, de 15/11, e 280.º, n.º 3 da Constituição da República”.

2. Este recurso é interposto da decisão de recusa de aplicação, por inconstitucionalidade “das disposições conjugadas do[s] artigos 427.º, 428.º e 431.º, alínea b), do CPP enquanto permitem ao tribunal da relação a modificação da decisão do tribunal do júri sobre a matéria de facto, quando esta decisão seja impugnada nos termos do art.º 412.º, n.º 3, do mesmo código (…)”.

3. O parâmetro de constitucionalidade cuja violação se invoca é o consubstanciado no “(…) art.º 207.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa”.

4. A questão jurídico-constitucional que é agora trazida perante o Tribunal Constitucional, já dele mereceu apreciação, ponderação e decisão, pese embora tais operações intelectuais tenham ocorrido num diverso contexto sistemático e tendo como objecto de julgamento norma legal que já não se encontra em vigor, o que ocorreu no âmbito do douto Acórdão n.º 261/94.

5. Naquele contexto, apreciando a interpretação normativa que vedava a reapreciação do julgamento do tribunal do júri sobre a matéria de facto por parte de um tribunal superior constituído por juízes togados (naquele quadro o Supremo Tribunal de Justiça) não vislumbrou o Tribunal Constitucional quaisquer razões de ordem constitucional que impedissem que uma decisão sobre matéria de facto, proferida por tribunal que incluísse na sua composição juízes «leigos», pudesse ser reapreciada e modificada por um tribunal superior constituído exclusivamente por juízes profissionais.

6. A doutrina então consagrada pelo douto Acórdão n.º 261/94 e agora convocada, mantém-se perfeitamente actual, uma vez que, quer as alterações constitucionais entretanto ocorridas, quer as legais, não modificaram, essencialmente, o edifício jurídico-normativo coevo em termos susceptíveis de a desvalorizar ou desvirtuar, tanto mais que as transformações sofridas pelos institutos relevantes em nada viram afectados os seus traços identitários.

7. Sem prejuízo do entendimento de que a jurisprudência do Tribunal Constitucional, agora reclamada, bastaria para sustentar a posição do Ministério Público no sentido da não inconstitucionalidade da interpretação normativa desaplicada nos autos, passámos a analisar mais...

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