Acórdão nº 709/17 de Tribunal Constitucional (Port, 15 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução15 de Novembro de 2017
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 709/2017

Processo n.º 496/2017

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que são recorrentes A. e B. e recorridos o Ministério Público e C., foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (seguidamente, “LTC”), do acórdão proferido por aquele Tribunal, em 26 de outubro de 2016 — que negou provimento aos recursos interpostos da sentença proferida em primeira instância, confirmando a condenação dos ora recorrentes, pela prática, em coautoria, de um crime de coação sexual, previsto e punível pelo artigos 163.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de três anos de prisão —, bem como dos acórdãos proferidos pelo mesmo Tribunal, em 11 de janeiro de 2017 e 29 de março de 2017, o primeiro dos quais indeferiu a nulidade por omissão de pronúncia imputada ao acórdão precedente, tendo o segundo decidido não conhecer desse mesmo vício, depois de renovada a respetiva arguição.

2. Pela Decisão Sumária n.º 407/2017, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto de ambos os recursos interpostos.

Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

II – Fundamentação

4. O recurso de constitucionalidade interposto pelo recorrente A. funda-se na previsão da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, preceito segundo o qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional “das decisões dos tribunais (…) que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo”. Suscitação que, conforme impõe o n.º 2 do respetivo artigo 72.º, deverá ocorrer “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer”.

Para além de vincular o recorrente à antecipação da questão de constitucionalidade subsequentemente enunciada no requerimento de interposição do recurso, exigindo-lhe que a defina antes de esgotado o poder jurisdicional da instância recorrida, o requisito da suscitação prévia tem uma evidente dimensão formal, impondo um ónus de delimitação e especificação, perante o tribunal a quo, do objeto do recurso.

Assim, quando em causa esteja a viabilidade constitucional de um determinado preceito legal, não em si mesmo considerado, mas tomado segundo uma determinada interpretação, a suscitação processualmente adequada da questão de constitucionalidade pressupõe que “esse sentido (dimensão normativa)” seja “enunciado de forma que, no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão, em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito, ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, desse modo, afrontar a Constituição” (cf. Acórdão n.º 367/94).

De acordo com o teor do requerimento de interposição do recurso, o recorrente A. pretende ver reconhecida a inconstitucionalidade do artigo 127.° do Código de Processo Penal, quando interpretado no sentido de “permitir que uma decisão condenatória se alicerce unicamente no depoimento de um Assistente/Ofendido, tão sujeito processual e portador de interesses próprios como o arguido, e em prejuízo das declarações deste”, por violação dos direitos de defesa consagrados no n.° 2 do artigo 32.° da Constituição.

Todavia, perante o Tribunal da Relação do Porto, o ora recorrente, para além de ter argumentado em sentido divergente daquele que é pressuposto pela dimensão impugnada — isto é, de ter expressamente reconhecido “nada” obstar, “em tese”, a que o Tribunal dê “como integralmente provada a (…) versão acusatória apenas com base nas (…) declarações” prestadas pela assistente —, não enunciou um qualquer critério normativo suscetível de vir a ser sujeito aos poderes de fiscalização cometidos a este Tribunal. Ao invés, limitou-se a invocar a violação direta do princípio in dubio pro reu, consagrado no n.º 2 do artigo 32.º da Constituição, pelo Tribunal de primeira instância, atribuindo-a ao que considerou ser a confirmação em juízo da hipótese acusatória através da consideração de meios de prova insuficientes e inconsistentes para o efeito.

Não tendo o recorrente suscitado perante o Tribunal a quo qualquer questão de constitucionalidade normativa, o objeto do respetivo recurso não pode ser conhecido por insuprível inobservância do ónus imposto pelos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, ambos da LTC.

5. O recurso interposto pelo recorrente B. funda-se igualmente na previsão da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, da qual, conforme referido já, resulta serem recorríveis para o Tribunal Constitucional as “decisões dos tribunais (…) que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo”.

Conforme vem sendo reiteradamente afirmado por este Tribunal, os recursos interpostos no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade, não obstante incidirem sobre decisões dos tribunais, apenas podem visar a apreciação da conformidade constitucional de normas ou interpretações normativas e não, sequer também, das decisões judiciais, em si mesmas consideradas, ou dos termos em que nestas haja sido levada a cabo a concreta aplicação dos preceitos de direito infraconstitucional (cf. Acórdãos n.º 466/2016 e 469/2016).

Quer isto significar que, contrariamente ao que sucede com a figura do recurso de amparo, o acesso à jurisdição constitucional no âmbito da fiscalização concreta, tal como perspetivado no artigo 280.º da Constituição, não se destina à sindicância “da possível e direta violação de direitos fundamentais, especificamente tutelados pela Constituição, por concretos atos ou decisões, maxime do poder jurisdicional” (cf. Carlos Lopes do Rego, Os recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Coimbra: Almedina, 2010, p. 26).

Não incumbindo ao Tribunal Constitucional sindicar o resultado da atividade ponderativa e subsuntiva própria das instâncias, nem a estas se substituir na apreciação dos factos materiais da causa, na definição da correta conformação da lide e/ou na determinação da melhor interpretação do direito ordinário (cfr. Acórdão n.º 466/16), os seus poderes de cognição, para além de circunscritos à questão jurídico-constitucional que lhe é colocada, apenas podem ser exercidos sobre normas jurídicas, tomadas com o sentido objetivamente extraível do preceito que as consagra ou com aquele que, sendo ainda expressão do critério heterónomo de decisão que nelas se contém (cfr. José Manuel M. Cardoso da Costa, “Justiça constitucional e jurisdição comum (cooperação ou antagonismo?)”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim Gomes Canotilho, vol. II, Coimbra: Coimbra Editora, 2012, p. 209, nota 12), a decisão recorrida lhes houver especificamente associado.

Outro dos pressupostos de admissibilidade dos recursos de constitucionalidade interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC é o de que a decisão recorrida haja aplicado, como sua ratio decidendi, a norma ou conjunto de normas cuja constitucionalidade é posta em causa pelo recorrente. Por isso, quando seja requerida a apreciação da constitucionalidade de uma norma segundo uma certa interpretação, esta deverá coincidir, em termos efetivos e estreitos, com o fundamento jurídico do julgado.

Tal pressuposto decorre do caráter instrumental dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade: não visando tais recursos dirimir questões meramente teóricas ou académicas, um eventual juízo de inconstitucionalidade, formulado nos termos reivindicados pelo recorrente, deverá poder “influir utilmente na decisão da questão de fundo” (cf. Acórdão n.º 169/92), o que apenas sucederá se o critério normativo cuja validade constitucional se questiona — e através de cuja especificação é definido, no respetivo requerimento de interposição, o objeto do recurso de constitucionalidade — corresponder à interpretação feita pelo tribunal a quo dos preceitos legais indicados pelo recorrente, isto é, ao modo como o comando destes extraído foi efetivamente perspetivado e aplicado na composição do litígio.

Pois bem.

Segundo resulta do requerimento de interposição do recurso, considera o recorrente que o "acórdão em crise”, por não referir “como a conduta do Arguido B. integra os elementos do ilícito pelo qual foi condenado” e/ou por “não enunciar ou sequer sustentar concretamente os elementos subjetivos e objetivos do crime que imputa ao Recorrente”, “viola o seu direito constitucional previsto no Art. 27.º n.º 4 da C.R.P.

Embora o recorrente não especifique qual dos três acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação do Porto deverá considerar-se concretamente visado por tal alegação, o certo é a inconstitucionalidade que desse modo invoca é, em qualquer caso, diretamente imputada à decisão recorrida e não, conforme imposto pela natureza estritamente normativa do objeto do recurso, a quaisquer normas de direito infraconstitucional que tivessem servido para a fixação do fundamento jurídico do julgado.

Apesar de o excerto do requerimento de interposição do recurso, acima referido, permitir ter por relativamente seguro que a pretensão do recorrente mais não é do que a de ver sindicado o acerto da decisão recorrida, na dimensão relativa à apreciação das concretas circunstâncias do caso e respetiva subsunção jurídica, admite-se, contudo, que, no segmento final daquele requerimento — que termina com o pedido de “declara[ção] [d]a inconstitucionalidade da interpretação que o Tribunal recorrido f[e]z dos Art. 97º n.º 5, Art.º 374º n.º 2,...

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