Acórdão nº 94/18.2YRPRT.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelLOPES DA MOTA
Data da Resolução30 de Maio de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACÓRDÃO Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1.

AA, identificada nos autos, recorre para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação do Porto que, julgando improcedente a oposição que deduziu, deferiu a execução do mandado de detenção europeu (MDE) emitido pelo Juzgado de Instrucción n.º 5 de Elche, Reino de Espanha, com vista à sua entrega para efeitos de procedimento criminal por factos que a autoridade de emissão inclui no campo e), parte I, do formulário do MDE, por considerar constituírem crimes de participação numa organização criminosa, de burla e de branqueamento de capitais, puníveis com penas de prisão superior a 3 anos, nos termos das disposições aplicáveis dos artigos 305 e 305 bis, 392, 310 bis, 301, 302 e 303, e 570 bise 570 quaterdo Código Penal Espanhol.

  1. Da motivação que apresenta, extrai a recorrente as seguintes conclusões, que se transcrevem: «1. Não foi dada a possibilidade de à Requerida serem ouvidas as testemunhas que apresentou na oposição, 2. Apesar de no acórdão dizer que se ouviram testemunhas, 3. Não sabendo, a requerida, que testemunhas, e como, e quando, foram prestados esses depoimentos, 4. O tribunal não pode indeferir um meio de prova, por o considerar desnecessário.

  2. Violou assim direito constitucionalmente estabelecidos, principalmente o direito à defesa, 6. A falta desse requisito importa uma irregularidade sanável, nos termos do art.º 123 do CPP.

  3. O MDE não cumpre todos os requisitos legais, no nosso humilde entendimento, isto porque, o MDE é omisso, quanto ao momento, lugar e o grau de participação na infração da pessoa procurada.

  4. O Tribunal a quo violou assim, claramente, a alínea e) do n.º 1 do art.º 3.º da Lei 65/2003, cujo incumprimento constitui nulidade, ex vi do art.º 283.º n.º 3 alínea b) do CPP, aplicável subsidiariamente por força do disposto no artigo 34.º da Lei 65/03.

  5. No caso de o tribunal a quo ter tomado a decisão com base no pressuposto de que o conteúdo do MDE, estar-se-á perante uma ilegalidade, do pedido formulado, pelas autoridades espanholas, por não ter sido traduzido em parte, o que se impunha à luz do consagrado no artigo 3.º, n.º 1 alínea e), cuja não verificação importa a violação dos princípios basilares de direito penal e processual penal e constitucionais, como o direito ao contraditório, invocando então irregularidade, por violação daquele preceito.

  6. Comecemos por ver o direito aplicável. Estabelece o artigo 3º da Lei n.º 65/2003 sobre o conteúdo e forma do mandado de detenção europeu: 1 - (…) e) Descrição das circunstâncias em que a infração foi cometida, incluindo o momento, o lugar, e o grau de participação na infração da pessoa procurada.

  7. Dúvidas não há de que o MDE, está longe de primar pela clareza, no que concerne ao momento, lugar e ao grau de participação, isto porque, não faz qualquer referência nem indica a data da prática do indiciado crime, não situando o tempo do cometimento da infração, nem no lugar.

  8. Ora, se em termos normais é de exigir mais precisão.

  9. Face a esta reconhecida e incontornável insuficiência do mandado o Tribunal da Relação não encetou diligências no sentido de, com a maior brevidade possível, coligir a informação em falta.

  10. O que nunca aconteceu, nem posteriormente.

  11. Segundo a alínea g) do n.º 1 do art.º 12.º, concede ao Estado da execução a faculdade de recusar a execução do MDE.

  12. A decisão é, assim, deixada inteiramente ao critério do Estado da execução, que satisfará as suas vinculações europeias executando a pena aplicada a um seu nacional ou a pessoa que tenha residência nesse Estado, em lugar de dar execução ao mandado entregando a pessoa procurada ao Estado da emissão para execução da pena nesse Estado.

  13. A competência para decidir se está verificada uma causa de recusa de execução pertence ao tribunal, uma vez que o regime do MDE está inteiramente jurisdicionalizado, não estando prevista qualquer intervenção ou competência prévia, condicionante ou acessória de qualquer outra entidade.

  14. Por isso, no caso da al. g) do n.º 1 do art. 12.º da Lei 65/2003, de 23-08, o Tribunal é o órgão do Estado competente para determinar a execução da pena em Portugal como condição de recusa facultativa de execução; a competência no regime do mandado cabe aos órgãos que forem competentes segundo a lei interna, e a lei sobre a execução do mandado fixou a natureza inteiramente jurisdicional do respectivo regime, sem a concorrência de competências de outras entidades do Estado.

  15. A decisão de recusa facultativa da execução constitui faculdade do Estado da execução; o estabelecimento de critérios não releva da natureza dos compromissos, mas do espaço de livre decisão interna em função da reserva de soberania implicada na referida causa de recusa.

  16. As causas de recusa facultativa de execução constantes do art. 12.º, n.º 1, da Lei 65/2003, de 23-08, têm, quase todas, um fundamento ainda ligado, mais ou menos intensamente, à soberania penal: não incriminação fora do catálogo, competência material do Estado Português para procedimento pelos factos que estejam em causa, ou nacionalidade portuguesa ou residência em Portugal da pessoa procurada, especificamente, a al. g) do n.º 1 da referida disposição (retomando o art. 4.º, § 6 da Decisão-Quadro) habilita as autoridades nacionais a recusarem a execução do mandado quando «a pessoa procurada se encontrar em território nacional, tiver nacionalidade portuguesa ou residir em Portugal, desde que o mandado de detenção tenha sido emitido para cumprimento de uma pena ou medida de segurança e o Estado Português se comprometa a executar aquela pena ou medida de segurança, de acordo com a lei portuguesa».

  17. A norma contém, verdadeiramente, um contraponto facultativo ou um mecanismo para proteção de nacionais.

  18. A faculdade de recusa de execução prevista na referida al. g) do n.º 1 do art.º 12.º da Lei 65/2003, constitui, assim, uma espécie de “válvula de segurança”, isto porque conforme foi mencionado anteriormente, a Requerida, não conhece nada em Espanha, não tem qualquer ligação, com o país vizinho.

  19. Daí que se for cumprido o MDE provavelmente a requerida irá ficar detida até quando as autoridades do Reino de Espanha, assim o entenderem, porque não terá ninguém, a requerida qualquer proteção naquele país.

  20. Constituem também outras causas de recusa os pressupostos, as previstas nas alíneas h) e i) do n.º 1 do artigo 12.º encontram-se preenchidos, devendo em consequência ser recusado o cumprimento do presente mandado de detenção.

  21. E sendo Portugal competente nos termos do disposto na alínea c) do artigo 5.º do Código Penal, para o conhecimento dos factos, serão estes investigados e julgados apenas em Portugal e nunca em Espanha.

  22. Isto porque em Portugal esta a decorrer uma investigação 27. Que o MP não tem conhecimento, 28. Através dos processos n.º 160/18.4TELSB e 161/18.2TELSB 29. Alias, as contas bancárias da requerida encontram-se bloqueadas à ordem destes processos.

  23. De tal norma [do artigo 12.º n.º 1 al. h) e i) da Lei nº 65/2003] apenas se pode conceber uma recusa nos apontados termos, se existir ou for instaurado um processo-crime em Portugal pelos mesmos factos.

  24. Portugal já tem conhecimento dos factos pelos quais vem a requerida indiciada no MDE, daí ter instaurado já em Portugal processo de investigação sobre esses mesmos factos.

  25. Ao permitir que seja cumprido o MDE, estar-se-ia a violar o princípio geral de direito penal, com assento constitucional, ne bis in idem, segundo o qual ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime (art.º 29.º, n.º 5 da CRP).

  26. Posto isto, e em jeito de conclusão, pensamos com o devido respeito, que o MDE não deverá ser cumprido por se encontrar, violado diverso princípios e normas constitucionais.

  27. Encontram-se também violados diversos requisitos do MDE.

  28. E poderá o Estado Português recusar a entrega da requerida, 36. Recusando assim o cumprimento o MDE.

    Nestes termos e nos melhores de direito, que V. Exas., mui doutamente suprirão, Requer com a devida vénia que V. Exas., alterem a decisão proferida pelo tribunal da Relação do Porto, Alterando-a para o deferimento na oposição à execução do MDE Indeferindo a Execução do MDE emitido pelas autoridades judiciárias do Reino de Espanha».

  29. Respondeu o Ministério Público no Tribunal da Relação, defendendo a verificação de uma irregularidade processual da previsão do artigo 123.º do CPP e, subsidiariamente, a improcedência do recurso, assim concluindo: «3 - Pelo exposto e em conclusão: a) Será de julgar verificada a irregularidade processual prevista no artigo 123.º, do C. P. Penal, aplicável subsidiariamente por força do artigo 34.º, da Lei 65/2003, por a omissão de pronúncia sobre a admissibilidade ou não da inquirição das testemunhas arroladas pela requerida com a oposição, e de determinar o respetivo suprimento, seguido da prolação de novo acórdão, ficando, consequentemente, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.

    Caso assim se não entenda, desde já se consigna que, em nossa opinião: b) O Mandado de Detenção Europeu emitido pelas autoridades judiciárias do Reino de Espanha, no âmbito do Processo de Diligências Prévias n.º 499/2017 pendente no Juízo de Instrução n.º 5 de Elche, contra AA obedece a todos os requisitos legais, está traduzido em Português, contém todas as informações exigidas pelo artigo 3.º, da Lei n.º 65/03, de 23 de agosto, e a requerida foi devidamente informada da sua existência e do seu conteúdo, não se verificando, por isso, qualquer vício que obste à sua imediata execução; c) Não existindo qualquer fundamento de recusa, quer obrigatória quer facultativa - nomeadamente os previstos nas alíneas b) e h)/i) do n.º 1 do artigo 12.º da citada Lei n.º 65/2003 - deve a requerida AA ser entregue ao Estado emitente do presente mandado».

    Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

    1. Fundamentação 4.

    Detida e apresentada no...

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