Acórdão nº 78/13.7PVPRT.P2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelCABRAL TAVARES
Data da Resolução27 de Novembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. AA intentou ação contra BB, SA.

, pedindo a condenação desta ao pagamento de (i) € 46.000,00, a título de capital seguro, por furto do veículo; (ii) € 1.050,00 pelos bens perecidos que se encontravam no interior do mesmo veículo, (iii) € 1.000,00, a título de danos não patrimoniais; (iv) € 23.500,00, a título de privação de uso do veículo, montante apurado com referência ao período compreendido entre 1.6.2012 e a data de entrada da presente ação, em razão de um valor diário de € 1000,00; (v) € 100,00 diários, a esse mesmo título, desde a citação até integral pagamento; (vi) juros de mora, à taxa legal em vigo, sobre todas as quantias indicadas, desde a data de citação até integral pagamento.

Alegou, em síntese, que no dia 11.2.2010, celebrou com a sociedade CC, Sucursal Portuguesa, um contrato de aluguer de longa duração ao consumidor que tinha por objeto o veículo automóvel de marca ..., modelo 3 Series, com a matrícula ... pelo valor de 38.333,33 euros, acrescido de IVA a liquidar em 84 rendas mensais, sendo a primeira no valor de 6.750,00 euros e as restantes no valor de 434,66 euros; na madrugada do dia de 29.4.2012, pelas 4:00 horas, o filho da autora, DD, estacionou o veículo em frente à sua residência, como habitualmente; sucede que no dia 30.4.2012, pelas 8:15 horas, o veículo não se encontrava no local; celebrou com a ré um contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice número ..., através do qual foi transferida para esta a responsabilidade civil decorrente da circulação do IT, mais tendo sido definido, como capital seguro em caso de furto, o montante de 46.000,00 euros; participou o furto à PSP e comunicou o mesmo à ré; viu-se privada do veículo, o que lhe causou grandes transtornos, limitações e contrariedades.

Contestou a Ré, essencialmente alegando que o dono do veículo é o BMW Bank, o que retira à Autora o direito de reclamar a indemnização pelo alegado furto; ignora se o veículo automóvel foi furtado, existindo incongruências entre atos praticados ou declarados pela autora e um registo prévio obtido com a chave do automóvel, colocando em dúvida a ocorrência do participado furto. Requereu a intervenção principal do BMW Bank. Concluiu pela improcedência da ação.

Indeferido o pedido de intervenção principal.

Realizada audiência prévia, foi proferido saneador-sentença, julgando a ação improcedente, com base na prova documental e no acordo das partes, quanto a alguns dos factos alegados.

Interposto recurso pela Autora, foi ele provido, tendo-se determinado o prosseguimento do processo com a produção de prova.

A final proferida sentença, julgando parcialmente procedente a ação e condenando a Ré «a pagar à Autora as seguintes quantias: €46.000,00 (quarenta e seis mil euros) á qual acrescem juros de mora contados á taxa supletiva legal, que atualmente é de 4%, vencidos desde a citação da Ré e vincendos até integral pagamento e a quantia de € 20.160,00, (vinte mil, cento e sessenta euros), que vence juros de mora, apenas a partir da data desta sentença».

  1. Apelou a Ré, impugnando a decisão sobre a matéria de facto e de direito.

    A Relação, mantendo a decisão sobre a matéria de facto, julgou o recurso parcialmente procedente, revogando a sentença na parte em que condenara a Ré no pagamento de indemnização por privação de uso do veículo, no montante de €20.160,00, acrescido de juros, no mais mantendo o decidido.

    Pede revista a Autora, sendo as conclusões da respetiva alegação as seguintes: «1. Está assente nos autos que: i) A Ré Seguradora se obrigou ao pagamento de uma indemnização, até ao limite de € 46.000,00 em caso de furto ou roubo do veículo seguro; ii) O veículo foi furtado no dia 30.04.2012; iii) Não obstante, a Seguradora recusou-se a pagar à Autora o montante contratualmente devido; iv) Por esse facto, a Autora, tendo ficado impedida de usar e fruir aquela viatura, viu-se forçada a recorrer a meios alternativos de transporte, com todos os custos e constrangimentos inerentes.

  2. O dano da privação do uso configura um dano autónomo que, por si só, carece de ser indemnizado, não cabendo ao lesado a alegação e prova de que durante o período de privação esteve impossibilitado de utilizar outro veículo.

  3. Tratando-se de um dano patrimonial, a reparação do dano da privação do uso terá de operar-se, em face da impossibilidade de restauração in natura, através de uma indemnização ou restituição por equivalente, traduzida na entrega de uma quantia em dinheiro correspondente ao montante dos danos (Artº 562.°, do CC).

  4. Por outro lado, no actual "estado da arte" do Direito das Obrigações, prevalece uma concepção globalizante da situação jurídica creditícia que coenvolve, a par dos deveres principais que definem o tipo de contrato, os deveres acessórios de conduta.

  5. Estes deveres acessórios de conduta, ainda que não resultem directamente do contrato, integram a chamada relação obrigacional complexa e são impostos pelo princípio da boa-fé, consagrado no nº 2, do Art.° 762.°, do Código Civil; trata-se da adopção de comportamentos que, conquanto não dirigidos ao cumprimento do dever de prestar, visam a salvaguarda dos interesses justificados da contraparte de que a relação obrigacional, seja ela qual for, se processe num quadro de lealdade, confiança e responsabilidade.

  6. Ao recusar infundadamente o pagamento da indemnização devida à Autora pela ocorrência do furto do veículo e, assim, lhe vedar a possibilidade de adquirir uma outra viatura substitutiva, a Seguradora violou culposamente esses deveres acessórios de conduta.

  7. Pelo que está a mesma constituída na obrigação de indemnizar a Autora pelo dano da privação do uso.

  8. A tanto não obsta a circunstância de a cobertura do risco de privação do uso não se encontrar contemplada no contrato de seguro dos autos, pois que a indemnização peticionada a esse título pela Autora não tem por fundamento o incumprimento da prestação primária, mas sim a violação culposa de relevantes deveres acessórios de conduta, ligados à boa-fé na execução do contrato.

  9. O prejuízo patrimonial não é cabalmente reposto com a atribuição da indemnização correspondente ao capital seguro e, nessa conformidade, impõe-se que esse montante indemnizatório seja acrescido de uma compensação pelos danos de privação do uso sofridos na esfera jurídica da Autora, em consequência da violação dos deveres acessórios de conduta por parte da Ré.

  10. No Acórdão recorrido violaram-se, por erro de interpretação, as disposições legais supra citadas.» Contra-alegou a Ré, pugnando pela manutenção do decidido.

  11. Vistos os autos, cumpre decidir.

    II 5. Consideradas as transcritas conclusões da alegação da Autora, ora Recorrente (CPC, arts. 635º, nºs. 2 a 4 e 639º, nºs 1 e 2), a questão a decidir no presente recurso unicamente respeita a saber se, não obstante o risco de privação do uso do veículo não se encontrar adicionalmente coberto pelo contrato de seguro, deve, no caso, tal ocorrência ser objeto de indemnização, em razão da violação culposa, por parte da seguradora, de deveres acessórios de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
2 temas prácticos
2 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT