Acórdão nº 60/15.0SMLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelLOPES DA MOTA
Data da Resolução14 de Março de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1.

AA, arguida no processo identificado em epígrafe, interpõe recurso do acórdão de 26 de Maio de 2017, proferido pelo tribunal colectivo do Juízo Central Criminal de Lisboa, Juiz 17, da comarca de Lisboa, que lhe aplicou a pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática, como autora material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1, conjugado com as Tabelas anexas I-A e I-B, do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro.

Por esse acórdão foi também condenada a co-arguida BB, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime da mesma previsão legal, não tendo sido interposto recurso da decisão condenatória nessa parte.

2.

Apresentou motivação de recurso, nos termos do disposto no artigo 412.º do Código de Processo Penal (CPP), de que extrai as seguintes conclusões: «1.ª O tribunal a quo violou o disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 71º do Código Penal, ao fixar a medida da pena com base num grau de ilicitude “Considerável” é um critério abstracto e subjectivo e não qualitativo, de intensidade. Considerável: é uma apreciação abstracta e subjectiva. Não demonstra a intensidade do grau de ilicitude: reduzida, moderada ou elevada.

  1. In casu, o grau de ilicitude não é reduzido, mas também não é elevado. A arguida detinha na sua habitação produto estupefaciente. Mas do mesmo não efectuou qualquer transação nem obteve qualquer provento monetário.

  2. Deste modo, apenas se pode concluir que o grau de ilicitude é moderado. Nem reduzido nem elevado.

  3. O relatório social (artigo 370º do Código de Processo Penal) vale quanto aos pontos que devam ser adoptados e tidos como relevantes para o Tribunal. No Acórdão recorrido não há qualquer referência as quais foram, tendo em conta que o mesmo dizia “Somos de parecer que, a ser condenada numa pena ou medida não privativa da liberdade, AA beneficiaria com uma sanção de cariz probatório, com supervisão intensiva, com uma intervenção centrada na obrigatoriedade de activar mecanismos activos e concertados para uma inserção laboral/formativa estruturada…”. O que se mostrava extremamente relevante para a boa aplicação da lei nestes autos, quer em termos de determinação da medida concreta da pena quer de prevenção especial.

  4. Na operação de fixação da medida concreta da pena, atende-se ao disposto nos artigos 40º e 71º do Código Penal.

  5. O limite máximo fixa-se de acordo com a culpa do agente. O limite mínimo situa-se de acordo com as exigências de prevenção geral. Assim, reduz-se a amplitude da moldura abstratamente associada ao tipo penal em causa.

  6. A pena concreta é achada considerando as exigências de prevenção especial e todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra a arguida.

  7. A moldura penal abstrata é de 4 a 12 anos de prisão.

  8. A pena não pode ultrapassar a medida da culpa, sob pena de se atingir a dignidade da pessoa humana, pelo que tal limite encontra consagração no artigo 40º do Código Penal.

  9. A arguida só detinha o produto estupefaciente naquele local, dada faria prever que a arguida fosse efectuar alguma transação ou obter provento económico o que de facto ficou provado que não fez.

  10. A medida da culpa da arguida impõe que a pena não seja superior a 5 anos de prisão. Ou seja, a aplicação do artigo 40º do Código Penal estabelece um limite máximo de 5 anos.

  11. As exigências de prevenção geral não justificam que o limite mínimo ultrapasse o que é estabelecido pela moldura abstrata: 4 anos de prisão.

  12. Por cautela de patrocínio, quanto à medida concreta da pena, o tribunal, em violação dos artigos 71º e 40º do Código Penal, o tribunal considerou os seguintes factores: - ausência de confissão por exercer o direito ao silêncio.

  13. Ora a confissão pode revelar arrependimento e, assim, contar para a fixação da medida concreta da pena. No entanto, a ausência de confissão não pode ser interpretada como falta de sentido crítico e de interiorização da gravidade da conduta. Pode tratar-se de mera postura processual, estratégia de defesa ou exercício de um direito.

  14. Pelas razões já expostas, no que respeita às circunstâncias que não integram o tipo e que depõem a favor ou contra a arguida, há que afastar as seguintes, que constam do acórdão em causa: grau de ilicitude considerável e falta de confissão por força do direito ao silêncio.

  15. Os antecedentes criminais da arguida tornam intensas as necessidades de prevenção especial, no entanto tendo em conta a integração familiar estável da arguida e acima de tudo o parecer favorável do seu relatório social deviam ter sido tidos em conta.

    Conforme consta do acórdão recorrido, as necessidades de prevenção especial acentuam-se pelos antecedentes criminais da arguida.

  16. Urge dizer, que entre ambos os casos e os actuais autos existe um hiato temporal enorme, não existindo qualquer notícia de crime ou condenação até aos presentes autos, demonstrando um esforço para se integrar e viver de acordo com as regras da sociedade, sendo que isso terá forçosamente de pugnar a seu favor. Tal comportamento permite demonstrar não estarem esgotadas todas as opções não privativas da liberdade.

    Relativamente ainda à prevenção especial, cita-se o já supra exposto no relatório social “Somos de parecer que, a ser condenada numa pena ou medida não privativa da liberdade, AA beneficiaria com uma sanção de cariz probatório, com supervisão intensiva, com uma intervenção centrada na obrigatoriedade de activar mecanismos activos e concertados para uma inserção laboral/formativa estruturada…” 18.ª Há, sim, que considerar o que figura na matéria de facto dada como provada e que se enquadram nomeadamente nas elencadas no nº 2 do artigo 71º do Código Penal.

  17. O grau de ilicitude há-de ter-se por moderado, conforme anteriormente exposto.

  18. Das condições pessoais da arguida, retiram-se as várias ilações constantes do acórdão: capacidade de trabalho, como trabalhos domésticos, prestação de cuidados a crianças na sua habitação, estabilidade familiar vivendo com o seu companheiro em habitação camarária 21.ª A medida da culpa não permite que a pena ultrapasse os 5 anos de prisão.

  19. As necessidades de prevenção geral não tornam lícito elevar o limite mínimo resultante da moldura abstrata do tipo: 4 anos.

  20. As intensas exigências de prevenção especial associadas a um conjunto de circunstâncias que pesam mais a favor da arguida do que contra ela, levam a que a pena concreta se fixe em medida não superior a 5 anos, com a sua execução suspensa e acompanhada de regime de prova.

  21. Os artigos 40º, 71º do Código Penal e 21º do Decreto-Lei nº 15/93 implicam uma condenação a pena não superior a 5 anos de prisão, com a sua execução suspensa e acompanhada de regime de prova de acordo com os artigos 50º e 53º nº3 do Código Penal.

  22. Condenando a arguida a 5 anos e 6 meses de prisão de prisão efectiva, o tribunal a quo violou o disposto nesses preceitos legais.

  23. Nestes termos, deve ser revogada a decisão recorrida, sendo a arguida condenada a pena não superior a 5 de prisão, com a sua execução suspensa e acompanhada de regime de prova de acordo com os artigos 50º e 53º nº3 do Código Penal».

    3.

    Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 413.º, n.º 1, do CPP, respondeu o Ministério Público, defendendo a improcedência do recurso e concluindo nos seguintes termos: «1) A matéria de facto dada como provada no acórdão é clara e incontroversa, todos os factos para a boa decisão foram devidamente apreciados pelo tribunal, sendo os demonstrados, objectiva e subjectivamente típicos e suficientes para a conclusão de direito; 2) A aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos (prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial), não podendo em caso algum ultrapassar a medida da culpa (art.º 40.º C.P.); 3) A determinação da sua medida faz-se em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes e atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele (art.º 71.º C.P.); 4) A arguida actuou com dolo directo, o grau de ilicitude é considerável, tem antecedentes criminais, verificam-se exigências de prevenção geral e especial; 5) O relatório social é um documento que tem por objectivo auxiliar o tribunal/juiz no conhecimento da personalidade do arguido incluída a sua inserção familiar e sócio-profissional, sendo que os dados nele incluídos, sendo meros dados de facto e não qualquer juízo técnico ou científico, estão sujeitos à livre apreciação do julgador; 6) Foi ajustada e suficientemente reprovadora do tipo de ilícito cometido a pena de 5 anos e 6 meses de prisão aplicada à arguida AA; 6) Nenhuma censura merece a decisão recorrida, devendo negar-se provimento ao recurso e manter-se o douto acórdão proferido».

    4.

    Recebidos, foram os autos com vista ao Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 416.º, n.º 1, do CPP, tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitido parecer nos seguintes termos, quanto ao mérito do recurso: «5 – A recorrente, AA, não tem razão, a pena que lhe foi aplicada reflete o nível de culpa e o grau de ilicitude dos factos, bem assim a sua personalidade, que tende a demonstrar uma tendência para a prática de crimes do mesmo tipo, de tráfico de estupefaciente.

    5.1 - Já foi julgada e condenada, por duas vezes, pela prática de crimes de tráfico de estupefaciente, um deles em 16/3/1995, tendo sido condenada na pena de 7 anos de prisão, declarada extinta em 12/2/2008, e outro, em 14/10/2000, na pena de 7 anos e 8 meses de prisão, declarada extinta em 3/11/2010.

    Não obstante, em 2/3/2016, detinha, na sua posse, as seguintes quantidades e qualidades de droga: “(…) a) uma de cor rosa, com a inscrição da “Hello Kitty”, com: - 1 (uma) embalagem contendo heroína, com o peso líquido de 13,759...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT