Acórdão nº 3/10 de Tribunal Constitucional (Port, 06 de Janeiro de 2010

Magistrado ResponsávelCons. João Cura Mariano
Data da Resolução06 de Janeiro de 2010
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 3/2010

Processo n.º 176/09

Plenário

Relator: Conselheiro João Cura Mariano

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

Relatório

Vinte e nove deputados à Assembleia da República, ao abrigo do disposto no artigo 281.º, n.º 2, f), da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.), deduziram pedido de fiscalização abstracta sucessiva, requerendo a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas que constam:

- do artigo 53.º, do Estatuto da Aposentação, na redacção dada pelo artigo 1.º, n.º 1, da Lei n.° 1/2004, de 15 de Janeiro;

- do artigo 1.º, n.º 3, da Lei n.° 1/2004, de 15 de Janeiro;

- do artigo 3.º, da Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro, na redacção dada pelo artigo 5.º, da Lei n.º 11/2008, de 20 de Fevereiro;

- do artigo 5.º, da Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro, na redacção dada pelo artigo 1.º, da Lei n.º 52/2007, de 31 de Agosto;

- do artigo 5.º, n.º 1, 2 e 6, da Lei n.º 52/2007, de 31 de Agosto;

- do artigo 6.º, n.º 6 , da Lei n.º 52/2007, de 31 de Agosto;

- do artigo 7.º, n.º 2, da Lei n.º 52/2007, de 31 de Agosto;

- do artigo 37.º-A, do Estatuto da Aposentação, na redacção dada pelo artigo 4.º, da Lei n.º 11/2008, de 20 de Fevereiro;

- do artigo 6.º, da Lei n.º 11/2008, de 20 de Fevereiro;

- do artigo 7.º, da Lei n.º 11/2008, de 20 de Fevereiro.

Invocaram os seguintes fundamentos:

- O regime legal da aposentação dos Trabalhadores da Administração Pública sofreu nos últimos anos uma ofensiva seja no que se refere às condições de aposentação seja no que concerne ao cálculo da pensão. Na verdade, a partir da redacção originária (de 1972) do Estatuto da Aposentação (doravante só Estatuto), as primeiras alterações posteriores ao 25 de Abril de 1974 favoreceram os trabalhadores da Administração Pública, consagrando o direito à pensão completa ou “por inteiro” (doravante, só pensão máxima).

- A versão originária do artigo 37.º, n.º 1, do Estatuto, previa que o subscritor deveria contar 60 anos de idade e 40 de serviço para aceder à aposentação e ter direito à pensão máxima. O artigo 1.º, do Decreto-Lei n.° 191-A/79, de 25 de Junho − por seu turno − introduziu um regime mais favorável, passando a exigir-se que o subscritor contasse pelo menos 60 anos de idade e 36 anos de serviço (no preâmbulo do diploma o legislador enunciou o propósito de “ajustamento do regime da aposentação aos novos princípios de justiça social que se deseja venham a afirmar-se na sociedade portuguesa e, bem assim, às directrizes programáticas da Constituição”). E depois, com o Decreto-Lei n.° 116/85, de 19 de Abril, e de acordo com o seu artigo 10.º, n.° 1, que tacitamente derrogou o citado artigo 37.º, n.º 1, facilitou-se, ainda mais, o acesso à pensão máxima, bastando que o trabalhador contasse com 36 anos de serviço, qualquer que fosse a idade, para poder aposentar-se, “com direito à pensão completa”, embora dependendo de um elemento condicionante, o da “inexistência de prejuízo para o serviço”.

- O caminho depois percorrido, na década de 90, do século passado, foi desfavorecendo, progressivamente, os trabalhadores da Administração Pública, sob o objectivo da integração dos regimes de protecção social da função pública com o regime geral da segurança social num “regime unitário”.

- Assim, logo com o Decreto-Lei n.° 286/93, de 20 de Agosto, passou a aplicar-se às pensões de aposentação uma fórmula de cálculo igual à do regime geral de segurança social, embora só para os “subscritores da Caixa Geral de Aposentações” inscritos a partir de 1 de Setembro de 1993 (artigo 1, n.° 1). Passou, assim, a haver dois universos distintos dos mesmos subscritores da Caixa Geral de Aposentações: uns, com inscrição anterior a 1 de Setembro de 1993, com uma fórmula de cálculo constante do Estatuto; outros, com inscrição posterior àquela data, com uma fórmula de cálculo igual à do Regime Geral de Segurança Social. Esta situação, introduziu uma discriminação irrazoável e inadequada entre esses dois universos, por não haver coincidência, entre as duas fórmulas de cálculo da pensão de aposentação aplicáveis aos subscritores da mesma Caixa Geral de Aposentações (cfr. anexos 1 e II), e confronta-se, por conseguinte, com o artigo 13.º da Constituição, que proclama o princípio da igualdade.

- Depois, com a Lei n.° 32-B/2002, de 30 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2003, foi introduzido no Estatuto o artigo 37°-A, prevendo inovatoriamente a aposentação antecipada e revogando o regime do referido Decreto-Lei n.° 116/85 − artigo 9.º, n.os 2 e 3 daquela Lei. Apesar de tal norma ter sido declarada inconstitucional − "por violação do direito das associações sindicais à participação na elaboração da legislação do trabalho, previsto na alínea a) do n.° 2 do artigo 56° da Constituição” (Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 360/03) − as soluções nela contidas foram recuperadas pelo legislador com a Lei n.° 1/2004, de 15 de Janeiro.

− Esta última lei − a Lei n.° 1/2004 − aditou ao Estatuto o citado artigo 37°-A, que consagra a figura inovatória da aposentação antecipada, e deu nova redacção ao artigo 53° do mesmo Estatuto, que se refere ao cálculo da pensão de aposentação, com a consequência da diminuição do valor dessa pensão para um máximo de 90%.

- Eis que, assim, de uma penada só, ressurgiram em pleno os requisitos da versão originária do artigo 37° do Estatuto, que impõe os 60 anos de idade e 36 de serviço para se atingir o direito à aposentação “ordinária”, se diminuiu o valor da pensão de aposentação para o tal máximo de 90% e se desencorajaram os interessados no acesso à aposentação antecipada, face à aplicação de uma taxa global de redução da pensão.

- Pode, pois, afirmar-se que desta maneira ficou automática e definitivamente aniquilado o direito à pensão máxima, que era o horizonte dos subscritores aberto com o Decreto-Lei n° 116/85, comprimindo o legislador o leque de benefícios materiais àqueles que, vindos de um passado de labor e de contribuições destinadas a um fim, se encontravam e encontram presentemente às portas de uma aposentação justa e merecida. E ficou, também, eliminado o direito a usufruir do regime favorável do Decreto-Lei n° 116/85, em que se acedia à pensão, independentemente da idade, desde que verificado o requisito dos 36 anos de serviço.

− Tal situação de agravamento não ficou por aqui e tudo piorou com a Lei n.° 60/2005, de 29 de Dezembro, que estabelece, mais uma vez, novos mecanismos de convergência do regime de protecção social da função pública com o regime geral da segurança social no que respeita às condições de aposentação e cálculo das pensões.

- É que aquelas condições e aquele cálculo constantes da Lei n.° 60/2005, saem agravados, e muito, para os trabalhadores da Administração Pública.

- Com efeito, o artigo 3.º da Lei n.° 60/2005 altera as condições de acesso à aposentação estabelecidas no n.° 1 do artigo 37° do Estatuto. A idade estabelecida no preceito do Estatuto “é progressivamente aumentada até atingir 65 anos em 2015”. Além disso, o tempo de serviço de 36 anos também só se manterá até 31 de Dezembro de 2014. Por fim, a partir dessa data, apenas “podem aposentar-se os subscritores que contem, pelo menos, 65 anos de idade e o prazo de garantia em vigor no regime geral da segurança social” (que é actualmente de 15 anos).

- Além de que, nos termos do artigo 5.º, a pensão é calculada de forma diferenciada consoante o subscritor tenha sido inscrito até 31 de Agosto de 1993 ou após essa data, sendo que, neste segundo caso, a pensão se calculará nos termos das normas legais aplicáveis ao cálculo da pensão dos beneficiários do Regime Geral da Segurança Social, colocando-se novamente, deste modo, a questão da discriminação entre dois universos dos mesmos subscritores da Caixa Geral de Aposentações.

- O artigo 5.º, n.º 1, da mesma lei, por seu turno, altera as regras de cálculo da pensão de aposentação dos subscritores da Caixa Geral de Aposentações, inscritos até 31 de Agosto de 1993. A pensão máxima ou “pensão por inteiro” foi em definitivo erradicada e de um modo geral as pensões foram de novo penalizadas com o cálculo previsto no citado preceito. É aumentada a idade legal de aposentação e são acrescidos os anos de serviço para efeitos de aposentação voluntária. É, também, agravado e penalizado o cálculo da pensão de aposentação (se se pensar num trabalhador inscrito, por exemplo, em 1990, e que estaria na expectativa de beneficiar do regime do Decreto-Lei n.° 116/85, de 19 de Abril, ele terá agora de completar 65 anos de idade e de perfazer 40 anos de tempo de serviço, para aceder à aposentação voluntária, com uma pensão correspondente e que não é a pensão máxima).

- Acresce, ainda, que a Lei n.° 60/2005 significa o requiem da Caixa Geral de Aposentações, pois revogou o artigo 1.º do Estatuto, fazendo terminar a inscrição obrigatória de subscritores (artigos 2° e 9°) e obrigando à inscrição no regime geral da Segurança Social de todo o pessoal “que inicie funções a partir de 1 de Janeiro de 2006” (artigo 2, n° 2).

- Deste modo, todo o novo sistema legal da aposentação voluntária vem pôr em causa os direitos adquiridos e em formação e as expectativas jurídicas dos trabalhadores da Administração Pública inscritos na mesma Caixa até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 286/93, de 20 de Agosto.

− A Lei n° 52/2007, de 31 de Agosto, veio (mais uma vez, a pretexto da adaptação do regime da Caixa Geral de Aposentações ao regime geral da segurança social) agravar mais ainda a situação.

- O artigo 1.º desta Lei n° 52/2007 alterou de novo, e para pior, o cálculo das pensões anteriormente estabelecido no artigo 5° da Lei n° 60/2005.

- De facto, passou a existir um novo limite, que não existia, de 12 vezes o indexante dos apoios sociais (IAS), que se aplica a uma das parcelas de cálculo das pensões (artigo 5.º, n.º 1), à actualização das pensões (artigo 6.º, n.º 2), − embora não se aplique aos subscritores ou pensionistas se, da aplicação das regras...

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