Acórdão nº 094/22.8BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 11 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelSUZANA TAVARES DA SILVA
Data da Resolução11 de Maio de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1 – B..., S.A. (B...) (entretanto incorporada na A..., S.A.

), com os sinais dos autos, demandou em litígio arbitral que correu termos no Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa (Centro de Arbitragem Comercial) da Associação Comercial de Lisboa, o Estado Português, representado pela Administração Regional de Saúde do Norte, I.P.

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2 – Por decisão do Tribunal arbitral ad hoc de 31.01.2022 (atentando também na decisão “complementar” proferida em 28.03.2022), foi o Estado Português condenado a pagar à demandante as quantias de €837.562,00 - por violação da obrigação do Estado assegurar à demandante uma remuneração adequada pelo tratamento dos doentes com hepatite C, no período de 01.01.2018 a 31.08.2019 - e de €563.327,67 - a título de responsabilidade contratual pela violação do n.º 8 da cláusula 28.ª do contrato de gestão, relativo ao período de 01.07.2016 até 31.08.2019 -, ambas acrescidas de juros de mora à taxa de 8% - vencidos e vincendos desde a citação [07.08.2020] até integral pagamento 3 – Inconformado com aquela decisão, o Estado Português interpôs recurso de revista para este STA ao abrigo do disposto no artigo 185.º-A, n.º 3 do CPTA, a qual foi admitida por acórdão de 14.07.2022.

4 – O Recorrente apresentou alegações que rematou com as seguintes conclusões: «[…] 1. O presente recurso tem por objeto a Decisão Arbitral proferida, a 31.01.2022, no âmbito do processo arbitral n.º 27/2020/AHC/ASB, notificada às Partes no dia 01.02.2022, na versão resultante do Acórdão do Tribunal Arbitral, proferido e notificado às Partes no dia 28.03.2022, em resposta ao pedido de aclaração e de emissão de sentença adicional apresentado, doravante "decisão recorrida", no âmbito de dois litígios que surgiram entre as Partes durante a execução do Contrato de Gestão do Hospital ..., gerido em parceria público-privada e que se centraram: i) na responsabilidade financeira decorrente da prestação de cuidados de saúde no Hospital ... a doentes com Hepatite C, desde 1 de janeiro de 2018 até ao termo do Contrato de Gestão; ii) na responsabilidade financeira decorrente da dispensa de medicamentos de dispensa obrigatória em farmácia hospitalar, prescritos fora do Hospital ... a utentes beneficiários de subsistemas públicos (que não o SNS), desde 1 de julho de 2016 até ao termo do Contrato de Gestão.

  1. Atenta a decisão proferida pelo douto Tribunal Arbitral, a 31.01.2022, notificada às Partes no dia 01.02.2022, na versão resultante dos esclarecimentos promovidos pelo Acórdão do Tribunal Arbitral, proferido e notificado às Partes no dia 28.03.2022 (cf.

    11. Decisão

    , Doc. n.º 1, fls. 177), o objeto do presente recurso subdivide-se, no plano formal: I) Na decisão que julgou procedente o pedido formulado pela Recorrida, relativamente ao litígio da Hepatite C, condenando o Recorrente a pagar à Recorrida o valor de €837.562,00 (oitocentos e trinta e sete mil e quinhentos e sessenta e dois euros), acrescido de juros de mora, à taxa de 8%, até efetivo e integral pagamento, por violação da obrigação de o Demandado assegurar à Demandante uma remuneração adequada pelo tratamento dos doentes com Hepatite C, no período de 1 de janeiro de 2018 a 31 de agosto de 2019; Foi diversa a decisão do mesmo Tribunal Arbitral no âmbito do processo n.° 28/20..., tendo sido (e bem) julgados improcedentes os pedidos formulados pela aí Demandante relativamente ao litígio da Hepatite C (cf.

    Doc. ...9, já junto às presentes Alegações).

    II) Na decisão que julgou procedente o pedido formulado pela Recorrida, relativamente ao litígio dos subsistemas públicos de saúde, condenando o Recorrente a pagar à Recorrida o valor de €563.327,67 (quinhentos e sessenta e três mil, trezentos e vinte e sete euros e sessenta e sete cêntimos), acrescidos de juros de mora à taxa de 8%, até efetivo e integral pagamento, a titulo de responsabilidade contratual pela violação do n.º 8 da Cláusula 28.ª do Contrato de Gestão, relativo ao período de 1 de julho de 2016 até 31 de agosto de 2019; III) Na decisão que julgou improcedente o pedido reconvencional formulado pela Recorrente, relativamente ao litígio dos subsistemas públicos de saúde, no pagamento pela Recorrida, de €802.104,80 (oitocentos e dois mil cento e quatro euros e oitenta cêntimos) e do valor que viesse a ser apurado após prestação de contas e informação da Recorrida quanto aos valores indevidamente recebidos no ano de 2011, relativamente aos medicamentos de dispensa exclusivamente hospitalar prescritos fora do Hospital ... a utentes beneficiários de subsistemas públicos.

  2. Sem prejuízo da dissecação do percurso erróneo efetuado, que infra se fará, cumpre à Recorrente muito sinteticamente dar nota que a decisão recorrida: a) No litígio referente à responsabilidade financeira decorrente do tratamento de doentes com Hepatite C no Hospital ..., fez prevalecer uma comunicação lateral e (como interpretada pela decisão recorrida) a descoberto das peças procedimentais que subjazeram à celebração do Contrato de Gestão, da autoria de um órgão incompetente ratione materiae (e cujo enunciado nunca poderia ter o alcance que lhe foi dado pelo Tribunal Arbitral, sob pena de forte contrariedade ao âmago e razão de ser das Parcerias na área de saúde e com o regime de remuneração nelas fixado), que classificou de «declaração negocial» ao regime instituído e materializado no clausulado do próprio contrato, emitida numa fase concursal que impedia qualquer modificação substancial ao instrumento contratual, tal como foi expressamente salientado pelo representante do Estado Português nas negociações finais - a Comissão de Avaliação de Propostas -, ao abrigo, com fundamento e limite nas atribuições acometidas a esta entidade; 4. A «questão» que quanto a este aspeto ocupa o lugar central do presente recurso de revista pode ser enunciada do seguinte modo, portanto, a de saber se: 1. Uma declaração de um órgão incompetente no quadro do procedimento concursal que antecede a celebração de um instrumento contratual é suscetível de criar obrigações para o contraente público não previstas nas peças do concurso (quando é consabido que são os instrumentos de concurso que pautam o sentido de que como o ente público aceita contratar) e não acordadas ou negociadas no procedimento concursal de acordo com a tramitação e pelos órgãos previstos? 2. Pode, em qualquer caso, uma tal declaração ser emanada, com o efeito de gerar obrigações para o contraente público não-previstas nas peças de concurso nos termos da questão anterior que geram acréscimo de despesa para o Estado, numa fase posterior à fase de apresentação das best and final offers em concorrência, posterior à fase de avaliação para qual o preço e demais condições constituem critério de avaliação e de escolha do concorrente com a melhor proposta para a fase de negociação final, nomeadamente, numa fase de fecho da redação final de aspetos meramente técnicos de acordo com a proposta do concorrente selecionado do Contrato de Gestão? 3. Em qualquer caso, afigura-se legítimo e válido, de acordo com os ditames do Direito Administrativo, o resultado interpretativo extraído de tal declaração que não tenha o mínimo de correspondência com o texto do Contrato (o que sempre seria necessário ajuizar mesmo que se entendesse como entende o tribunal arbitral aplicável o n.º 2 do artigo 236.º do CC)? 5. No litígio referente á responsabilidade financeira decorrente da dispensa pela Recorrida de medicamentos de dispensa obrigatória em farmácia hospitalar prescritos fora de estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde a beneficiários de subsistemas públicos de saúde, fez vencer uma interpretação desconforme ao instituído no Contrato de Gestão, retirou das normas das Leis de Orçamento do Estados resultados que as mesmas não albergam, contrariou normas e princípios orçamentais dirigidos á despesa pública e ao relacionamento entre o Serviço Nacional de Saúde e os subsistemas públicos de saúde, e promoveu uma leitura infundada e ab-rogante do regime instituído pelo Despacho n.º 4631/2013, de 3 de abril, dos Secretários de Estado do Orçamento e da Saúde, e pela Portaria n.º 48/2016, de 22 de março, do Secretário de Estado da Saúde, mais negou o caráter ex novo do Decreto-Lei n.º 124/2018, de 28 de dezembro, violando com isso regras essenciais de interpretação de normas jurídicas e de aplicação da lei no tempo.

  3. A «questão» que quanto a este aspeto ocupa o lugar central do presente recurso de revista pode ser enunciada do seguinte modo, portanto, a de saber se: 1. Pode o julgador e aplicador do Direito alcançar um resultado de aplicação retroativa de um novo regime legal para o qual o legislador estabeleceu expressamente a aplicação apenas para o futuro? Quanto à Hepatite C: 7. Quanto ao litígio que se ancora na responsabilidade financeira decorrente do tratamento de doentes com Hepatite C no Hospital ... entre 01.01.2018 e até 31.08.2019, a questão associada aos factos que constituíram, na visão do Tribunal Arbitral e em manifesto e ostensivo erro de julgamento, a «vontade real das Partes» quanto à aplicação, sem mais, dos programas de financiamento específico que viessem a ser determinados pelo Ministério da Saúde para os hospitais públicos integrados no SNS, à Recorrida, e o respetivo alcance, são de elevada importância e inequívoca relevância jurídica e social, pois: i) têm efeitos em todos os financiamentos específicos determinados pelo Ministério de Saúde (de acordo e com o amplíssimo e inaudito alcance dado pelo Tribunal arbitral através do que resulta da decisão recorrida: «[a] obrigação a que o Demandado, nessa missiva, reconhece que se encontra constituído é apenas a de tratar, neste contexto remuneratório, com igualdade, o Hospital ... e os hospitais EPE, estendendo tais programas, quando criados, à Demandante»); ii) colide, por manifesta incompatibilidade, com o âmago das...

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