Acórdão nº 886/13.9TAVCD.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Maio de 2018
Magistrado Responsável | ISABEL SÃO MARCOS |
Data da Resolução | 16 de Maio de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
-
Relatório 1.
Na Comarca do ... – ... – Instância Central – ....ª Secção Criminal – ..., e no âmbito do processo comum colectivo n.º 886/13.9TAVCD, o arguido AA foi julgado e, a final, condenado, por acórdão de 21.05.2015, entre o mais, pela prática de: - Um crime de trato sucessivo de abuso sexual de crianças, agravado, previsto e punido pelos artigos 171º, número 1, e 177.º, número 1, ambos do Código Penal, na pessoa da sua filha BB, e em relação ao período compreendido entre 2006 e 21.01.2007, na pena de 4 (quatro) anos de prisão; - Um crime de trato sucessivo de abuso sexual de menores dependentes, agravado, na pessoa da sua filha BB, previsto e punido pelos artigos 172º, número 1, e 177.º, número 1, alínea a), com respeito aos factos ocorridos entre 22.01.2007 e Março de 2009, e por referência ao artigo 171.º, número 2, todos do Código Penal, na pessoa daquela sua filha, BB, no que concerne aos factos ocorridos após Março de 2009 e até 22.01.2011, na pena de 8 (oito) anos de prisão; - Um crime de abuso sexual de crianças, agravado, previsto e punido pelos artigos 171º, número 1, e 177.º, número 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pessoa da sua filha CC, na pena de 2 (dois) anos de prisão.
Em cúmulo jurídico, foi o arguido AA condenado na pena conjunta de 10 (dez) anos de prisão.
-
Inconformado com esta decisão, o arguido interpôs recurso, limitado expressamente ao reexame da matéria de direito, para o Tribunal da Relação do Porto, onde o Senhor Juiz Desembargador Relator, por decisão de 13.07.2016, considerando que a competência para conhecer do mesmo recurso cabia ao Supremo Tribunal de Justiça, excepcionou a incompetência daquele e ordenou a remessa do processo a este Tribunal que, por acórdão de 17.11.2016, decidiu: “1. Reenviar o processo para novo julgamento quanto às questões enunciadas em 2.2.1.2 e bem assim quanto a outras, directa ou instrumentalmente, com aquelas relacionadas, por forma a alcançar-se uma correcta e justa solução jurídica, decidindo-se em termos de direito de harmonia com o resultado que se obtiver; 2.
Julgar improcedente o recurso na parte relativa ao crime de abuso sexual de crianças, agravado, previsto e punido pelos artigos 171.º, número 1, e 177.º, números 1, alínea a), ambos do Código Penal, cometido pelo arguido AA na pessoa da ofendida CC e, mantendo a decisão recorrida nessa parte, condená-lo na pena de 2 (dois) anos de prisão efectiva”.
-
Na sequência do determinado reenvio parcial, o Tribunal da Comarca do ..., Juízo Central Criminal de ..., Juiz ... julgou e, por acórdão de 03.10.2017,decidiu: A - Condenar o arguido AA, pela prática, como autor material e em concurso real, de: -24 (vinte e quatro) Crimes de abuso sexual de crianças, previstos e punidos pelo artigo 171.º, número 1 do Código Penal, agravado por força da circunstância prevista na alínea a) do número 1 do artigo 177.º do mesmo diploma legal, na pessoa da sua filha BB (no que se refere ao período compreendido entre 2006 e 21.01.2007), nas penas de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão por cada um dos mencionados crimes; - 36 Crimes (trinta e seis) crimes de abuso sexual de menores dependentes, previstos e punidos pelos artºs. 172.º, número 1 do Código Penal, agravado por força da circunstância prevista na alínea a) do número 1 do artigo 177.º do mesmo diploma legal (no que se reporta ao período que decorre entre 22.01.2007 e 22.01.2011, ou seja, entre os 14 e os 18 anos da BB), sendo 6 dos crimes por referência ao número 1 do artigo 171.º (no que se reporta aos factos ocorridos até Março de 2009) e 30 dos crimes por referência ao número 2 do artigo 171.º do C.P. (reportados aos factos ocorridos após Março de 2009); nas penas, por cada um daqueles 6 crimes, de 1 (um) ano e 5 (cinco) meses de prisão e nas penas, por cada um destes 30 crimes, de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão; B - Em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, atento o disposto no artigo 77.º, número 2, Código Penal, condenar o arguido AA na pena conjunta de 12 (doze) anos de prisão.
-
Irresignado com esta decisão, o arguido AA interpôs recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo da motivação apresentada extraído as seguintes conclusões: “i) Na fixação da medida da pena é fundamental ponderar a culpa, a prevenção geral e a prevenção especial, tendo-se, para isso, em conta os quadros agravativos e atenuativos, o que é imposto pelo art.º 71.º do C.P; ii) A pena aplicada ao Arguido deve permitir a reintegração social deste, sob pena de se frustrarem as finalidades da sanção, o que é imposto pelo art.º 40.º do CP; iii) Na fixação das penas parcelares, o Tribunal a quo violou os artºs 40.º e 71.º do C.P; iv) Com efeito, o Tribunal a quo não considerou várias circunstâncias atenuantes que motivavam obrigatoriamente a fixação de penas parcelares mais baixas; v) Designadamente, o Tribunal a quo não relevou a circunstância de o Arguido demonstrar profundos hábitos de trabalho, ser considerado cumpridor, responsável, idóneo e dedicado, ser uma pessoa comunicativa e disponível, humilde, respeitador e educado, sempre sendo visto pela comunidade que o rodeia como uma pessoa respeitadora e respeitada, humilde, trabalhadora e educada; vi) Não foi também considerado pelo Tribunal a quo o comportamento adoptado pelo Arguido desde o início dos presentes autos; vii) Além disso, o Tribunal a quo fixou penas parcelares ao Arguido que não cumprem a função reintegradora do Arguido na sociedade que as penas devem assumir; viii) O Tribunal a quo deveria optar, in casu, pela aplicação de penas parcelares manifestamente mais benévolas do que as adoptadas no presente caso; ix) Em face disso, foram violados os artºs 40.º e 71.º do CP; Sem prescindir, x) O Tribunal a quo, na definição da pena única aplicada ao Arguido, violou ainda o art.º 77.º do C.P; xi) Na definição da pena única aplicável ao Arguido, o Tribunal a quo não considerou os factos e a personalidade do agente; xii) O Tribunal a quo ignorou a circunstância de os crimes que são imputados ao Arguido não resultarem da personalidade deste, mas antes de uma conjunção de factores ocasionais, sem repercussão no futuro; xiii) Pelo exposto, o Tribunal a quo violou, entre outros, o art.º 77º do C.P; xiv) A prática judiciária demonstra que têm sido aplicadas penas significativamente inferiores a situações similares à dos presentes autos; xv) O Tribunal a quo deveria optar, in casu, pela aplicação de uma pena manifestamente mais benévola do que a adoptada.
TERMOS EM QUE: Deverá ser julgado procedente por provado o presente Recurso, devendo o Douto Acórdão ser revogado e por via disso deverá ser: - substituído por outro que determine a aplicação de penas parcelares reduzidas ao limite mínimo aplicável ao caso em concreto; - substituído por outro que, em sede de cúmulo jurídico, determine a aplicação de uma pena reduzida ao limite mínimo aplicável ao caso em concreto”.
-
Ao motivado e assim concluído pelo arguido AA responderam 5.1 - O Ministério Público no Tribunal recorrido que, pugnando no sentido de ser denegado provimento ao recurso, concluiu a sua resposta assim: 1 - A pena em que o recorrente foi condenado é equilibrada e justa, não havendo razões para ser reduzida.
2 - A pena aplicada ao recorrente não excede a medida da culpa e as exigências de prevenção.
3 - O acórdão recorrido não violou qualquer preceito legal e nomeadamente o disposto nos art.º 40.º, 71.º e 77.º, do Cód. Penal”; 5.2 – A assistente BB que, em síntese, sustentou que, face à matéria de facto dada como provada e ponderados os critérios dos artigos 40.º, 71.º e 77.º, todos do C.P, as penas parcelares aplicadas ao arguido pelo douto Tribunal “a quo” são justas e adequadas à medida da culpa do arguido e às exigências de prevenção.
-
Remetidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, a Senhora Procuradora-Geral-Adjunta, na oportunidade conferida pelo número 1 do artigo 416.º do Código de Processo Penal, emitiu parecer detalhado em que, entre o mais, pronunciando-se sobre a questão atinente à observância (ou não) do princípio da proibição da reformatio in pejus, concluiu pela positiva e bem assim pela improcedência no mais do recurso do arguido, não sem que opinasse no sentido da irregularidade da assinatura electrónica dos Juízes que subscreveram o acórdão recorrido.
-
Tendo sido dado cumprimento ao disposto no número 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal, o arguido nada acrescentou.
-
Por não ter sido requerida audiência (número 5 do artigo 411.º do Código de Processo Penal), os autos foram a “vistos” e seguiram para a Conferência, de onde foi tirado o presente acórdão.
*** II. Fundamentação II.1 – De Facto Quanto à matéria de facto, o tribunal recorrido consignou: “Factos provados Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos, com interesse para a decisão atinente à matéria do reenvio: (ficando, portando, excluída deste elenco toda a factualidade já transitada em julgado - relativa à menor CC e à esposa do arguido ...) Matéria de facto provada no anterior acórdão da 1ª instância e considerada assente por não integrante da matéria do reenvio: 1) O arguido é pai de BB , nascida a ....1993 e de CC, nascida a ....1999, vivendo com as mesmas desde o seu nascimento, juntamente com a sua esposa e, desde há cerca de dois anos, com outra filha do casal, entretanto nascida.
2) Por a esposa do arguido se mostrar mais fria a manifestar as suas emoções e carinho para com as suas filhas e, por motivos profissionais aquela passar grande parte dos dias fora de casa, desde pequenas que as filhas do arguido, BB e CC, mantiveram um relacionamento mais próximo daquele do que relativamente à sua mãe, sendo com aquele que as suas filhas desabafavam qualquer problema que tivessem.
3) Até aos 13 anos de idade, o...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO