Acórdão nº 195/14.6TYVNG-E.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Setembro de 2018
Data | 18 Setembro 2018 |
Órgão | http://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção): I - RELATÓRIO No âmbito da insolvência de AA, Unipessoal, Lda.
, a Administradora da Insolvência resolveu em benefício da massa insolvente dois contratos de compra e venda que a Insolvente (como vendedora) havia celebrado com BB, Lda.
(como compradora).
BB, Lda.
intentou então contra a Massa Insolvente de AA, Unipessoal, Lda.
, por apenso aos autos da respetiva insolvência (correntes pelo Juízo de Comércio de Santo Tirso), a presente ação de impugnação da resolução.
Entre o mais que alegou, veio dizer que o ato resolutivo foi extemporâneo, pois que foi praticado para além do prazo de seis meses estabelecido no n.º 1 do art. 123.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).
Contestou a Ré, concluindo pela tempestividade do ato resolutivo.
Foi depois proferido despacho saneador onde se conheceu da questão, e, tendo-se considerado ser extemporânea (por caducidade do direito respetivo) a resolução, julgou-se procedente a impugnação.
Inconformada com o assim decidido, apelou a Ré.
Fê-lo sem êxito, pois que a Relação do Porto, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, confirmou a decisão.
Mantendo-se inconformada, interpôs a Ré revista excecional.
Neste Supremo Tribunal a competente formação de juízes admitiu a revista assim interposta.
+ Da respetiva alegação extrai a Recorrente as seguintes conclusões: 1ª. O acórdão recorrido julgou procedente a exceção de caducidade do direito de resolução, considerando, em súmula, que a administradora de insolvência resolveu o negócio depois de ultrapassado o prazo de 6 meses após o conhecimento do mesmo.
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O objecto do presente recurso circunscreve-se à interpretação do artigo 123º do CIRE, saber se o prazo de seis meses ali referido se deve contar desde a data em que o AI toma conhecimento das circunstâncias que o habilitam a resolver o negócio, tendo em conta que o normativo exige a invocação dos fundamentos da resolução que podem não ser conhecidos contemporaneamente ao conhecimento do acto em si - como defende a recorrente - ou se - com entendeu o Tribunal a quo na decisão recorrida - o prazo de caducidade se inicia, pura e simplesmente, com o conhecimento do acto em si mesmo, no caso, desde a data do conhecimento da celebração do contrato.
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A posição defendida pela recorrente consta já de jurisprudência do STJ, concretamente no processo 3158/11.0TJVNF-H.G1.S1 em que foi Relator o Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Dr. Fonseca Ramos: “Nos termos do art. 9º do Código Civil, a letra da lei não é o único elemento de que o intérprete se deve socorrer para alcançar a mens legis, afigura-se-nos que, nos casos em que exista fundada dilação entre a data do conhecimento do acto praticado, no período temporal fixado no art. 120º, nº 1, do CIRE, e o efectivo conhecimento dos fundamentos e conteúdo desse acto, pode o AI comunicar a resolução nos seis meses sequentes a esse conhecimento, mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência.” 4ª. O legislador teve o cuidado de usar especificamente as palavras conhecimento do acto no artigo 123.º do CIRE, e nos artigos 120.º e 121.º do CIRE identificou quais eram os actos de que o administrador tinha de tomar conhecimento.
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O prazo de caducidade, no caso concreto dos autos, começa apenas a contar quando o administrador toma conhecimento do acto a título oneroso realizado pelo insolvente dentro do ano anterior à data do início do processo de insolvência em que as obrigações por ele assumidas excedam manifestamente as da contraparte.
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Até porque, a jurisprudência impõe ao administrador de insolvência uma cabal fundamentação da declaração de resolução, fazendo constar da mesma os factos concretos essenciais que revelem as razões invocadas para a destruição do negócio e permitam ao destinatário da declaração a sua posterior impugnação.
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De outro modo estaríamos a promover uma actuação irresponsável e leviana do administrador de insolvência que teria de optar entre a inércia e a acção cega.
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Logo, ao falar em conhecimento do acto, pretendeu o legislador incluir o conhecimento da prejudicialidade para a massa insolvente, e das concretas especificidades que fundamentam e permitem essa resolução pelo administrador de insolvência.
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Mais, atendendo ao regime legal, a interpretação propugnada no presente recurso é a única que concilia e compreende a previsão da norma, que cuidou de incluir um prazo inicial (6 meses após o conhecimento do acto) e um prazo final (mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência).
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Ou seja, este prazo de 2 anos após a declaração de insolvência, como limite ao exercício do direito de resolução pelo administrador de insolvência visa especificamente impedir abusos na actuação deste, e evitar a incerteza e insegurança.
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Acresce que, alegou a Recorrente na sua contestação que a administradora de insolvência apenas tomou conhecimento do acto, isto é, de todo o conteúdo do negócio, concretamente do valor comercial e de mercado dos bens transmitidos em Novembro de 2015, quando procedeu à resolução do negócio, - o que desde logo sempre obrigaria a produção de prova.
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Dizendo designadamente que apenas nesse momento, a administradora de insolvência ficou a saber que o valor alegadamente pago pela Recorrida era muito inferior ao valor de mercado do bem.
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Pelo que, apenas nesse momento a administradora tomou conhecimento que tinha sido praticado pela insolvente, um acto a título oneroso, realizado dentro do ano anterior à data do início do processo de insolvência, em que as obrigações por ela assumidas excedem manifestamente as da contraparte.
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Deste modo, o acervo fático considerado pelo tribunal a quo na sentença recorrida é manifestamente insuficiente para fundamentar a decisão proferida, porquanto do mesmo não resulta quando é que a administradora de insolvência teve esse conhecimento do acto tal como previsto nos artigos 121º e 123º do CIRE.
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Nos termos da interpretação defendida pela Recorrente, deve considerar-se existir um conhecimento do acto apenas quando esse conhecimento corresponde à previsão das normas, e contém todos os elementos que o legislador considerou essenciais para permitir a resolução do negócio.
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Assim sendo, não se verifica a caducidade do direito de resolução do negócio por parte da administradora de insolvência, pelo que errou o tribunal a quo ao dar provimento à exceção invocada.
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A decisão proferida viola assim o artigo 123º do CIRE, fazendo uma errónea interpretação do preceito.
+ A Autora contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso.
+ Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
+ II - ÂMBITO DO RECURSO Importa ter presentes as seguintes coordenadas: - O teor das conclusões define o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, sem prejuízo para as questões de oficioso conhecimento, posto que ainda não decididas; - Há que conhecer de questões, e não das razões ou fundamentos que às questões subjazam; - Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido.
+ É questão a conhecer: - Caducidade ou não do direito à resolução.
+ III - FUNDAMENTAÇÃO De facto Estão provados os factos seguintes, tal como transcritos no acórdão recorrido: 1) Aos 19.02.2014, CC, Lda., com os demais sinais identificadores constantes dos autos, veio requerer a declaração de insolvência da ora insolvente AA, Unipessoal, Lda.; 2) Por sentença datada de 02.05.2014, foi...
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