Acórdão nº 823/18.4T8VFX-B.L1-1 de Tribunal da Relação de Lisboa, 22-02-2022

Data de Julgamento22 Fevereiro 2022
Ano2022
Número Acordão823/18.4T8VFX-B.L1-1
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

1-Relatório:
A Massa Insolvente de F …intentou, por apenso ao processo de insolvência n.º 823/18.4 T8VFX, em que aquela foi declarada insolvente, a presente acção de resolução em benefício da massa insolvente da partilha por óbito de A… celebrada por escritura pública em 03.10.2017, concluindo no sentido de que se mostram preenchidos todos os pressupostos de que depende a resolução dos negócios, que configura uma situação de prejuízo em desfavor dos credores, pelo que a resolução deve ser julgada procedente.
Citadas as requeridas, Ana …e Carla … apresentaram contestação, alegando por excepção, a caducidade do direito de resolução e deduzindo defesa por impugnação.
Pugnaram pela improcedência da acção.
Veio então a ser proferido despacho a conhecer da excepção peremptória de caducidade da declaração de resolução, com o seguinte teor a final:
«Julgo procedente a excepção de caducidade invocada e, em consequência absolvo as requeridas Ana …e Carla… do pedido de resolução a favor da massa insolvente da partilha por óbito de António… celebrada por escritura pública em 03.10.2017».
Inconformada recorreu a massa insolvente, concluindo as suas alegações:
A- O presente recurso tem como objeto a sentença proferida nos autos acima referenciados em que julgou procedente a exceção de caducidade do direito de resolução em benefício da Massa, e em consequência absolveu as Recorridas do pedido de resolução a favor da Massa Insolvente da partilha por óbito de António …, celebrada por escritura publica em 03.10.2017.
B- Entendeu o Tribunal a quo que, atenta a factualidade dada como provada, o Sr. Administrador de Insolvência teve conhecimento do negócio objecto de resolução, pelo menos na data em que elaborou o relatório a que alude o artigo 155º do CIRE.
C- Referindo, na fundamentação que “questão diferente é dizer que só teve conhecimento de todos os aspectos do acto quando alertado pela credora e notificado para tanto pelo tribunal, porém o acto – partilha por óbito – o Administrador de Insolvência tinha conhecimento quando elaborou o seu relatório. Considerando que a Lei exige apenas o conhecimento do acto e não todos os seus elementos do mesmo, temos que a data relevante para efeitos de
caducidade é esse conhecimento do acto, ou seja, pelo menos em 18 de Maio de 2018.”
D- Não pode a Recorrente concordar com o entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo do disposto no artigo 123º do CIRE, ou seja, de que a contagem do prazo de 6 meses para que o Sr. Administrador possa resolver em benefício da Massa Insolvente um negócio se inicia com o mero conhecimento do ato e não da data em que o Sr. Administrador de Insolvência toma conhecimento dos efetivos contornos e aspetos do negócio.
E- Os art.ºs 120.º a 126.º do CIRE, consagram um conjunto de procedimentos que visam salvaguardar as ações anteriores praticadas pelo devedor e que se antevejam ou contenham indicações de haverem sido efetivadas ou levadas a efeito com vista a prejudicar o pagamento (igualitário) dos credores, como é o caso da resolução (condicional e/ou incondicional) em benefício da Massa Insolvente.
F- São requisitos gerais da resolução: - a temporalidade: o ato há-de ter sido praticado nos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência, nos termos do art.º 120º, n.º1 do CIRE; - prejudicialidade: o ato praticado tem de ser prejudicial à massa no sentido em que afeta os interesses dos credores, ou seja, implica uma diminuição da massa, ou um atraso no pagamento – n.º2 do art.º 120.º do CIRE, sendo que para a resolução condicional acresce um terceiro requisito – má fé do terceiro que contrata com o insolvente, tal como vem definida no n.º5 do art.º 120.º do CIRE,
G- Significando tal que aquele(s) terceiro(s) te(ê)m de conhecer, à data do ato, uma das circunstâncias referidas nas três alíneas do sobredito n.º5 do art.º 120.º do CIRE,
H- Todavia, o n.º4 do inciso legal – art.º 120.º do CIRE – configura a presunção de má-fé do(s) terceiro(s) desde que se verifiquem preenchidos os pressupostos mencionados no indicado preceito, como é o caso.
I-O mencionado exercício do direito potestativo de resolução do ato a favor da massa insolvente está sujeito a um prazo de caducidade (seis meses seguintes ao conhecimento do ato, mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência”), nos termos do disposto no artigo 123º do CIRE.
J- Entendeu o Tribunal a quo que este prazo de 6 meses, a que alude o citado artigo123º do CIRE, se inicia com o conhecimento do ato, puro e simples, e não com o conhecimento das circunstâncias e conteúdo do ato e da sua prejudicialidade relativamente à Massa.
K- No entanto, tem sido entendimento de uma parte da doutrina, assim como entendimento consolidado pela 6ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça (o qual partilhamos), que o prazo de 6 meses a que alude o artigo 123º do CIRE deve-se iniciar do conhecimento pelo Sr. AI dos efetivos aspetos do negócio em causa e não do mero e puro conhecimento do mesmo.
L- Ou seja, o prazo conta-se a partir da data em que o Sr. AI tem conhecimento do ato e dos seus contornos e verificando-se que este fica desde logo ciente que, pelo seu conteúdo, tal ato é prejudicial à massa insolvente.
M- A adotar-se a interpretação efetuada pelo Tribunal a quo do artigo 123º do CIRE, ou seja, a contagem do prazo, a partir do conhecimento do ato “tout court”, o Sr. AI, por cautela, seria tentado a resolver todos os atos do devedor ocorridos no “período crítico” e daí resultariam “declarações resolutivas cegas” quanto à existência, ou consistente conhecimento do fundamento da resolução, vale dizer a prejudicialidade do negócio em relação à Massa,
N- Assim como colocaria graves problemas aos pretensos visados e também dificuldades ao Sr. AI que, ao resolver o negócio celebrado pelo devedor tem de fundamentar/aduzir factos e fundamentos tendentes ao preenchimento do requisito da prejudicialidade, dos quais pode ainda não ter conhecimento se o seu prazo se iniciar com o mero conhecimento do ato.
O- O momento do conhecimento do acto pode ser coincidente como momento do conhecimento dos seus contornos e prejudicialidade para a massa,
P- Mas pode também aqueles momentos serem distintos, como no caso dos presentes autos.
Q- Ou seja, o Sr. AI somente num segundo momento, vale dizer, com o conhecimento dos contornos e aspetos essenciais do negócio, está em perfeitas condições e munido dos elementos e fundamentos necessários e essenciais para proceder à resolução do negócio em benefício da Massa Insolvente, evitando-se, assim, declarações resolutivas sem cabal conhecimento do conteúdo e fundamento do negócio.
R- Pese embora o artigo 123º do CIRE refira 6 meses a contar do conhecimento do ato, não é a letra da lei o único elemento de que o interprete se deve socorrer para alcançar a “mens legis” (artigo 9º C.C.)
S- É
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