Acórdão nº 3/17.6GCIDN.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Abril de 2018
Magistrado Responsável | VASQUES OS |
Data da Resolução | 12 de Abril de 2018 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO No Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco – Juízo de Competência Genérica de Idanha-a-Nova, o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, do arguido A...
, com os demais sinais nos autos, imputando-lhe a prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nºs 1, a), 2, 4 e 5 do C. Penal.
Por despacho de 21 de Abril de 2017, B.. .foi admitida a intervir nos autos como assistente.
Por despacho proferido na audiência de julgamento de 31 de Outubro de 2017 [acta de fls. 268 a 269], foi comunicada ao arguido uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação, nada tendo sido oposto ou requerido.
Por sentença de 31 de Outubro de 2017 foi o arguido condenado pela prática do imputado crime de violência doméstica, na pena de 2 anos e 2 meses de prisão, suspensa na respectiva execução por igual período, condicionada ao dever de não contactar, por qualquer meio, com a ofendida, e acompanhada de regime de prova, e ainda na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida pelo período de dois anos e dois meses.
Mais foi o arguido condenado no pagamento à ofendida da quantia de € 700, a pagar no prazo de um ano a contar do trânsito da sentença, para compensação dos danos sofridos.
*Inconformado com a decisão, recorreu o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões: 1º – Da acusação pública nos autos, consta que: “O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, com o propósito alcançado de ofender a honra e consideração da ofendida, bem como de molestá-la fisicamente e de provocar-lhe receio de vir a sofrer acto atentatório da sua vida ou integridade física, bem sabendo que a sua conduta era adequada a causar-lhe tal resultado, como efetivamente causou, e não se abstendo de praticar os atos descritos na residência dela. Mais sabia que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal. Pelo exposto, o arguido, cometeu em autoria material, na forma consumada, um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, alínea a) do Código Penal.
” 2º – A acusação é omissa quanto à descrição dos factos que permitam integrar os elementos subjetivos do crime de violência doméstica, conduzindo tal omissão à rejeição da acusação por ser manifestamente infundada.
-
– Não tendo a acusação sido rejeitada pelo Tribunal, que por despacho datado de 18-08-2017 a recebeu, e verificando-se a falta dos elementos integradores do tipo subjetivo do ilícito, o que determina o não preenchimento do tipo de ilícito incriminador, deve forçosamente ser ordenada a absolvição do arguido em sede de audiência de julgamento, pois está em falta a definição da relação do agente com a ação ou omissão tipificados como crime.
-
– O que releva para o tipo legal de crime de violência doméstica é o conhecimento por parte do arguido que atuou voluntariamente de que as suas condutas são aptas a ofender a saúde psíquica e emocional da vítima, de modo incompatível com a dignidade da pessoa humana, assim representando um aviltamento e humilhação da vítima, e esse conhecimento não só não resultou provado nos presentes autos, como nem sequer constava da acusação pública deduzida contra o arguido.
-
– Deste modo não consta da acusação o elemento subjetivo do tipo legal de ilícito correspondente ao crime de violência doméstica (o que consta é eventualmente, elementos típicos de crime de injúrias e de ofensas corporais e injúrias), devendo forçosamente ser ordenada a absolvição do arguido em sede de audiência de julgamento, diferentemente do que aconteceu na sentença dos autos.
-
– As condutas pelas quais o arguido vem acusado, não são à partida idóneas a enquadrar o crime de violência doméstica, pelo que o tribunal recorrido teve necessidade de introduzir o conceito de reiteração no tempo de modo a que integrassem a conduta típica ofensiva da dignidade humana, isto é o conceito de maus tratos.
-
– A douta sentença deu como provado no Facto 9: “Desde data não concretamente apurada, mas que se situa após a data referida em 5), sendo com mais frequência desde o ano 2016, o arguido, quase diariamente, apodou a ofendida de “puta” e que andava a foder com uns e com outros”, que tinha amantes.
”, sem que tenha previamente comunicado tal facto ao arguido, não lhe tendo dado oportunidade de se defender em relação a todos os elementos de facto normativos pelos quais foi condenado, em violação do princípio constitucional do direito de defesa e ao contraditório.
-
– A presente acusação e a sentença recorrida não concretizam minimamente as datas ou momentos a que os factos tidos por provados se reportam, impedindo o arguido de se defender.
-
– E mesmo que tais factos constituíssem crime de injúrias, de ofensas corporais na sua forma tentada ou consumada ou de ameaças, desconhece-se se foram apresentadas as respetivas queixas, tendo de qualquer forma ocorrido a sua prescrição.
-
– Foram assim violados: - o art. 152º , nº 1 al. a) e nº 2do CP - o art. 311º, nº 2 al. a) e nº 3 al. b) do CPP - o art. 283º, nº 3 al b), do CPP - o art. 358º, nº 1 e 3 do CPP - o art. 379º, nº 1 al. b), do CPP - o art. 32º, nºs 1 e 5 da CRP Com o que, e sobretudo com o muito mais que Vossas Excelências doutamente suprirão, se fará como sempre, JUSTIÇA! * Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões: 1. Todos os episódios e actos, praticados dolosamente pelo arguido contra a sua mulher, que são idóneas a afectar o seu bem-estar psicológico bem como a sua integridade física, pois além de representarem total desrespeito para com a sua mulher, causaram-lhe medo e ansiedade, eram humilhantes e rebaixavam quem fosse vítima deles, ofendendo a dignidade de qualquer pessoa, como sucedeu neste caso com a ofendida.
-
Para além de ter atingido a honra e consideração da ofendida e de lhe ter causado medo e receio pela sua integridade física, com a descrita repetida conduta o arguido também violou a liberdade de determinação e de decisão daquela, que configura a conduta típica, na modalidade de infligir maus-tratos psíquicos.
-
Não há, por isso, quaisquer dúvidas que toda a descrita conduta do arguido integra os pressupostos objectivos e subjectivos do crime pelo qual foi condenado, pelo que não há qualquer erro de interpretação na subsunção dos factos ao direito, razão pela qual não merece censura a sentença impugnada.
-
A alteração não substancial dos factos, representando uma modificação dos “factos” que constam da acusação, não tem por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.
-
Existe identidade naturalística entre os factos que constavam da acusação e os factos que foram dados como provados na sentença recorrida. A diferença de factualidade no acórdão recorrido, relativamente à acusação está apenas numa melhor explicitação ou pormenorização dos factos que, tendo por base o que constava da acusação, foram dados como provados e que resultaram da prova apurada em sede de julgamento, de entre o mais, das próprias declarações do arguido, parcialmente confessórias.
-
Ora os acrescentos ou menções constantes nos factos dados como provados em 9.º, apenas servem para concretizar e precisar os termos da acção típica neles constante, sendo que dos mesmos não se descortina o necessário “relevo para a decisão da causa” (exigido no nº 1 do artigo 358º do Código de Processo Penal) para que se impusesse a comunicação a que alude tal preceito legal. São pois acrescentos ou pormenores que, em si mesmos, não assumem relevo para a decisão da causa, mas que apenas servem para esclarecer/pormenorizar/concretizar/enquadrar os demais factos da acção típica em que se inserem.
-
Por isso, e porque nenhuma das divergências assinaladas pelo recorrente se enquadra no âmbito no nº 1 do artigo 358º do Código de Processo Penal, não era exigível, nem se justificaria qualquer comunicação de tal alteração pretendida pelo ora recorrente, não assistindo, assim, razão ao recorrente.
-
O que está em causa, não é a punição autónoma de cada um dos actos que integram o conceito de violência doméstica (caso em que, sob pena de se postergar os direitos de defesa, normalmente, teriam de ser indicadas as circunstâncias de tempo, modo e lugar de cada um deles), mas um comportamento reiterado ao longo dos anos. A acusação, bem como a sentença ora em crise, balizou o tempo em que tal comportamento persistiu – desde os anos de 2002/2003 com mais frequência a partir de 2016.
-
Há comportamentos, sancionados pelo direito, em relação aos quais não é humanamente exigível a concretização, quanto a dia e hora, de todos os actos que o integram. O ordenamento jurídico é um todo harmonioso, não sendo pensável que o direito penal substantivo puna um comportamento, que, depois, seria indemonstrável face às regras do direito processual.
-
É assim também nos casos do crime de violência doméstica em que houver a imputação de comportamentos reiterados. Foi para prevenir situações como as descritas que a norma do art.º 283 nº 3 al. b) do CPP impõe que as concretizações nela indicadas apenas serão feitas “se possível”. Em todo o caso, a sentença recorrida balizou minimamente o...
-
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO