Acórdão nº 76/17.1YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelABRANTES GERALDES
Data da Resolução16 de Maio de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I - AA, Juiz ..., notificado da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM), de 6-6-17, na qual se concluiu que iria ser descontada na sua antiguidade o período que mediou entre 15-12-14 a 14-5-18, veio dela recorrer.

Considerou o recorrente que tal deliberação padece de ilegalidades várias: - Caducidade do procedimento em que foi tomada a deliberação, nos termos do nº 6 do art. 128º do CPA, uma vez que, tratando-se de procedimento de iniciativa oficiosa passível de conduzir à emissão de uma decisão com efeitos desfavoráveis para o recorrente, deveria ser tomada no prazo de 180 dias; - Falta de audiência prévia, uma vez que não foi ouvido sobre o conteúdo do parecer de 29-5-17 em que se baseia e que serve de fundamento à deliberação impugnada; - A deliberação impugnada decidiu a perda da antiguidade do A. desde 15-12-14, ou seja, atribuiu-lhe eficácia retroactiva contra o disposto no nº 1 do art. 156º do CPA, sendo, por isso, ilegal; - Violação do princípio da tutela da confiança, uma vez que foi alterada a posição que o recorrente tinha nas listas de antiguidade que foram organizadas pelo CSM.

O CSM respondeu, impugnando cada um dos vícios alegados.

- Quanto à caducidade do procedimento considera que não se verificou; - Alegou ainda que a caducidade seria irrelevante, uma vez que se está perante um ato vinculado, sendo impedida a anulação, nos termos do art. 163º, nº 5, al. a), do CPA, na medida em que o CSM se limitou a corrigir o erro que afectava a lista de antiguidade, tendo em conta o efeito determinado pela licença de vencimento em que o recorrente se encontrava; - Quanto à falta de audiência prévia, respondeu que o recorrente foi notificado para se pronunciar a partir de um parecer que foi elaborado internamento e do qual constavam os fundamentos que foram acolhidos na deliberação impugnada; - Negou que à deliberação tenha sido atribuída eficácia retroactiva, pois que o CSM se limitou a ajustar a lista de antiguidade ao efeito legal da licença sem vencimento.

- Negou ainda que tenha havido violação do princípio da tutela da confiança, uma vez que a matéria nunca tinha sido anteriormente apreciada, limitando-se o CSM a repercutir na lista de antiguidade o efeito legal respeitante à licença sem vencimento que fora autorizada para o recorrente.

O recorrente apresentou alegações em que concluiu que: a) Estabelece o nº 1 do art. 84º do CPTA que com a contestação, ou dentro do respectivo prazo, a entidade demandada é obrigada a proceder, preferencialmente por via electrónica, ao envio do processo administrativo, quando exista, assim como todos os demais documentos respeitantes à matéria do processo de que seja detentora; b) Para a boa decisão dos autos tem particular relevo saber o que foi deliberado pelo CSM em 3-3-15; ora, tal deliberação não consta do procedimento administrativo junto e sobre ela existem nos autos três referências feitas pelo CSM ao seu conteúdo, mas não coincidentes; c) Assim, a junção pelo CSM de apenas alguns documentos do procedimento administrativo constitui ilegalidade que produz nulidade, já que pode influir no exame ou na decisão da causa – art. 84º, nº 1, do CPTA e art. 195º, nº 1, do CPC; d) Nos termos do nº 6 do art. 128º do CPA, os procedimentos de iniciativa oficiosa, passíveis de conduzir à emissão de uma decisão com efeitos desfavoráveis para os interessados, caducam, na ausência de decisão, no prazo de 180 dias; e) O A. não sabe quanto se iniciou tal procedimento que já vem pelo menos de 2013, mas sabe que foi notificado por ofício de 19-5-16 para se pronunciar em sede de audiência prévia, com base em parecer de 17-5-16, de modo que quando foi tomada a deliberação impugnada (em 6-6-17) já há muito decorrera o referido prazo de 180 dias, pelo que o procedimento já tinha caducado.

f) A caducidade do procedimento acarreta a invalidade da deliberação que no mesmo foi tomada.

g) O A. não foi ouvido sobre o conteúdo de um segundo parecer, de 29-5-17, em que se baseia e que serve de fundamento à deliberação impugnada.

h) E não se diga que o direito de audiência prévia foi exercido pelo A. quando se pronunciou em 1-6-16 (com base no parecer de 17-5-16), já que os fundamentos e os entendimentos de ambos os pareceres não são os mesmos, além de que os separa cerca de um ano; i) Acresce que o parecer de 29-5-17 não refere sequer os argumentos aduzidos naquela pronúncia, o que também constitui falta de audiência prévia, de modo que o direito a audiência prévia tem assento constitucional (art. 267º, nº 5) e está densificado nos arts. 121º e segs. do CPA.

j) A falta de audiência prévia também acarretaria a invalidade da deliberação impugnada, ainda que o respectivo procedimento não tivesse caducado.

k) A deliberação impugnada (de 6-6-17) decidiu a perda da antiguidade do A. desde 15-12-14, ou seja, atribuiu-lhe eficácia retroactiva; l) O certo é que não estava em causa nenhuma das situações previstas no nº 1 do art. 156º do CPA, nem no seu nº 2, logo, a atribuição de eficácia retroactiva à deliberação impugnada é ilegal e também acarretaria a sua invalidade, ainda que o respectivo procedimento não tivesse caducado.

m) A deliberação impugnada viola duplamente o princípio constitucional da tutela da confiança, pelo facto de o CSM não ter declarado a caducidade do procedimento em que veio a tomar a deliberação impugnada, em obediência ao estabelecido no nº 6 do art. 128º do CPA.

n) Depois, desde Setembro de 2013 e previsivelmente até Maio de 2018, o A. exerce funções como juiz em organismo internacional (primeiro no EULEX Kosovo e, desde Dezembro de 2015, no Supremo Tribunal do Kosovo), funções declaradas como de interesse público nacional.

o) Por outro lado, o A. aparece nas listas de antiguidade dos Magistrados Judiciais de 2014 e 2015 (nesta mesmo depois rectificada por despacho do Vice-Presidente de 21-11-16) sem qualquer perda de antiguidade.

p) Ou seja, o referido despacho de 21-11-16 é muito posterior à pronúncia do A. em 1-6-16 e ao fim do prazo de 30 dias para a elaboração do projecto de deliberação.

q) Tendo em conta a natureza das funções exercidas e a actuação do CSM tudo apontava de forma clara e segura que o CSM não decidiria a perda de antiguidade.

O CSM contra-alegou em termos semelhantes aos da sua resposta.

A Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta junto deste Supremo Tribunal de Justiça emiti Parecer no sentido do provimento do recurso. Para o efeito concluiu que, na ocasião em que foi aprovada a deliberação, já decorrera o prazo de 180 dias desde o início do respetivo procedimento, correspondendo, pelo menos, à data do despacho do Exm.º Senhor Vice-Presidente do CSM, de 18-5-16, através do qual demonstrou a sua concordância com o teor da informação interna que se pronunciava sobre a situação concreta do recorrente e sugeria que fosse notificado para audiência prévia. Por esse motivo, a deliberação do Plenário do CSM proferida após o termo desse prazo é inválida.

Cumpre decidir, sendo que, no essencial, está em causa a resposta a três questões, daí dependendo a necessidade ou utilidade da resposta a outras questões que foram suscitadas pelo recorrente em torno da audiência prévia, da retroatividade da deliberação e da violação do princípio da confiança: a) Verificar se decorreu ou não o prazo de 180 dias desde que se iniciou o procedimento administrativo no âmbito do qual foi produzida a deliberação impugnada; b) Apreciar se o decurso desse prazo tem como efeitos a caducidade do procedimento administrativo, nos termos do art. 128º, nº 6, do CPA, ou se se trata de um ato meramente ordenatório ou programático, cujo decurso não interferia na possibilidade de ser aprovada uma deliberação que afetasse o recorrente; c) Apreciar se a deliberação aprovada depois de ter decorrido o prazo de caducidade é anulável e, em caso afirmativo, se o efeito da anulabilidade é impedido por via do art. 163º, nº 5, als. a) ou c), do CPA.

II – Elementos essenciais a ponderar: 1. Por deliberação do Plenário do CSM, de 17-9-13 (e por despacho favorável do Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, de 11-12-13), foi concedida ao recorrente “licença sem vencimento para o exercício de funções com carácter precário, como Juiz Criminal, em organismo internacional (EULEX Kosovo) … com início em 22-9-13 e termo (da 1ª fase) a 14-6-14, sem perda de antiguidade e guardando vaga lo lugar de origem” (fls. 168).

  1. Por deliberação do Plenário do CSM, de 16-12-14 (e por despacho favorável do Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, de 22-1-15), foi concedida ao recorrente “licença sem remuneração para exercício de funções em organismo internacional, nos termos do art. 283º da Lei nº 35/14, de 20-6, com efeitos a 15-12-14” (fls. 169 e 180).

  2. Da ata da sessão do Plenário realizada no dia 16-12-14 ficou a constar a seguinte deliberação: “Ponto 3.3.7 Proc. DSQMJ: Apreciado o expediente - Memorando informativo sobre a situação dos Exmºs. Senhores Juízes portugueses em Missão EULEX – Kosovo, designadamente a situação do Exmº Sr. Dr. AA, foi deliberado conceder ao mesmo a licença ora solicitada, de licença sem remuneração para exercício de funções em organismo internacional, nos termos do art. 283º da Lei nº 35/14, de 20-6, com efeitos a 15-12-14”.

  3. Em 14-1-15, pelo ofício nº 283, o CSM comunicou ao Gabinete do Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação o teor da deliberação de 16-12-14, fazendo menção aos arts. 280º, nº 1, 281º, nº 4, e 283º...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
2 temas prácticos
2 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT